União entre pessoas do mesmo sexo volta à pauta do Congresso após aprovação de projeto que altera Código Civil

5ª cerimônia de casamento civil homoafetivo coletivo no Rio de Janeiro: igualdade | Foto: Clarice Castro

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou, na semana passada, o projeto de lei da senadora Marta Suplicy (PMDB-SP) que altera o Código Civil, reconhecendo como entidade familiar a união “entre duas pessoas” e não entre homem e mulher, como prevê o art. 1.723 da Lei nº 10.406/02.

Apresentado em 2011, a proposta se arrasta no Congresso como tantos outros semelhantes que tratam sobre o casamento homoafetivo e, sobretudo, do reconhecimento das relações LGBT. Apesar da vitória, não há muito o que comemorar: é preciso uma nova votação na comissão para que então seja encaminhado à Câmara. E lá é que mora o problema.

Considerada uma das Legislaturas mais conservadoras da história, a atual composição da Casa está repleta de políticos ligados a igrejas, militares e representantes dos setores mais fundamentalistas da sociedade. Não é a toa que a bancada BBB (Boi, Bíblia e Bala) domina a pauta: redução da maioridade penal, revogação do Estatuto do Desarmamento, flexibilização do Código Florestal…

Desde 2013, por força de uma resolução do Superior Tribunal de Justiça, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é permitido em todo o país. Mesmo sem uma legislação — que deveria, a rigor, ser a maneira para se regulamentar —, os cartórios não podem mais impedir o registro de união homoafetiva. Na prática, o casamento LGBT é exatamente igual ao casamento heterossexual: pode-se escolher o regime de bens, adotar um o sobrenome do outro e também adotar filhos. Infelizmente, uma conquista tão importante veio por meio não do reconhecimento de nossos legisladores, que fariam justiça histórica com uma parcela tão marginalizada da sociedade, mas pelo Judiciário.

Enquanto a Justiça se adapta ao mundo moderno, somos obrigados a ler notícias de que o absurdo projeto da “cura gay” está de volta à Câmara dos Deputados. Isso mes­mo: a Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) discute o PL 4931/2016, que acaba com a punição do profissional de saúde mental que tratar o paciente com “transtorno de orientação sexual”. O autor? Um pastor evangélico do Rio de Janeiro.

Frequentemente sou acusado de preconceito contra os religiosos e intolerância. Reconheço que a maior parte da população brasileira é cristã e que a religião tem um papel fundamental, palavras minhas aqui, em diversos aspectos da vida das pessoas. No entanto, não consigo, de verdade, entender como podemos aceitar justificativas bíblicas e a influência dos dogmas nas leis. Aliás, a separação entre Estado e Igreja se deu há séculos, mesmo que alguns não queiram aceitar. O casamento LGBT deve ser entendido como um direito e não um privilégio — da maneira como extremistas tentam pintar. Dizem que casamento é só entre homem e mulher, o resto é “anomalia”. Os argumentos beiram o humor: “Ah! Mas se permitir que dois homens se casem, daqui a pouco irão autorizar o pedófilo a se casar com a criança”; “Ah! Mas se permitir que dois homens se casem, daqui a pouco irão autorizar que uma pessoa se case com um animal”… Compara­ções que deixam claro que, além de preconceituosas, essas pessoas entendem os LGBTs como animais, como desvios da “normalidade” que levarão a sociedade para o colapso total.

O projeto da senadora Marta Suplicy com certeza será barrado na Câmara. Não porque seus opositores o vejam como inconstitucional ou ilegal, mas porque creem em um conceito de família restrito, excludente e que ignora as novas configurações sociais. Para eles, há uma tentativa de impor às crianças a homossexualidade, quase que com a possibilidade de influenciá-las. Defendem que não querem que seus filhos assistam a duas mulheres sendo consideradas um casal (este seria composto de macho e fêmea, o resto consideram “par”), que os ativistas querem desvirtuar a família tradicional brasileira…

A luta LGBT não é por privilégios e sim por igualdade de direitos. Direito de não ser espancado na rua por estar andando de mãos dadas, de não ser demitido por sua orientação sexual, de não ser constrangido ao contratar um plano de saúde e ser impedido de ter o companheiro como dependente, de ser rejeitado porque não atende ao conceito reducionista de família. Os LGBTs não querem privilégios… Privilégio seria se estes estivessem lutando para não pagar impostos, como as igrejas, por exemplo. A luta é por igualdade e não será meia dúzia de parlamentares desconexos com a realidade que a esmorecerá. O Brasil não aceita retrocessos e, felizmente, a Justiça também não.