Fiasco ou sucesso, greve geral é ato democrático e maduro do povo brasileiro
29 abril 2017 às 10h35
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Manifestação que tomou conta do país no dia 28 de abril não pode ser desmerecida apenas por discordar de seu conteúdo
A greve geral que tomou conta do Brasil na sexta-feira, 28, dividiu, ainda mais, um país profundamente rachado. De um lado, extremistas conformados que acusam os manifestantes de “vagabundos” e “baderneiros” e, do outro, extremistas que ateiam fogo em pneus, trocam socos em saguões de aeroporto e depredam patrimônio público. Divergências com relação à adesão ao protesto são naturais: nunca dá, por certo, para contabilizar o apoio recebido. De qualquer forma, é preciso refletir sobre a importância do ato não só para o momento em que vivemos, mas, também, para a história brasileira (e mundial).
Ao contrário do que muitos reacionários e conservadores tentam propagar, movimentos grevistas são legítimos e devem sim ser respeitados e reconhecidos. Nunca é demais lembrar que a greve é um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal, bem como por Tratados Internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário. A Lei 7.783 de 1989 considera “legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”.
Inclusive (alô, João Doria), é proibido adotar meios para “constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho”. Já os grevistas não podem impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa. As barricadas e piquetes formados em diversas rodovias e ruas de capitais pelos manifestantes não se justificam tampouco.
Foi por meio de greves que direitos fundamentais foram conquistados no mundo: é um instrumento valioso de pressão coletiva dos trabalhadores que merece ser respeitado. Há, hoje, uma tendência de se criminalizar os sindicatos, bem como os movimentos sociais, o que é um erro. Já imaginou se esta sociedade “moderna” estivesse frente à greve geral de 1886, nos Estados Unidos?
Considerada uma das mais importantes da história e que resultou na criação do Dia Internacional do Trabalho, a paralisação de milhares de trabalhadores no dia 1º de maio buscava a redução da jornada de trabalho de 13 para oito horas diárias e melhores salários. Seriam estes vagabundos, desocupados e baderneiros? Houve, naquela ocasião, confronto sangrento com a polícia de Chicago e grande ocorrência de depredações. Não estou defendendo a violência, nem justificando o movimento da sexta-feira, 28, que causou transtornos e danos ao patrimônio (público e privado). Nem quero comparar as leis trabalhistas do século XIX com as da atualidade. Muito foi conquistado e a luta dos que participaram do ato é em defesa de tais conquistas.
As reformas da Previdência e Trabalhista foram as grandes pautas da greve geral de 2017. Sindicalistas, integrantes de movimentos, trabalhadores e cidadãos se uniram contra as mudanças propostas pelo governo de Michel Temer (PMDB). Não adianta tentar reduzir o movimento à “meia dúzia de mortadelas”, como gostam de atacar os “antiesquerdistas”: é preciso reconhecer – e pesquisas de opinião de renomados institutos, como Datafolha, comprovam – que há uma grande parcela da população contrária às reformas. Essa é a verdade. Agora, não quer dizer que eles estejam certos.
Particularmente, concordo que é preciso modernizar a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e nosso sistema previdenciário. Há pontos positivos em ambos os textos de Temer, mas há retrocessos e falhas também. Só isso justifica o povo nas ruas e é preciso ter a capacidade para entender isso.
O extremismo que tomou conta do Brasil cega as pessoas e nos divide entre “nós” e “eles”, como se não estivéssemos lutando pelo mesmo ideal: um país melhor. Pode soar clichê, mas é fato que um país dividido não constrói bases sólidas para avanços. Os comentários que li nas redes sociais, bem como as piadinhas e ofensas gratuitas, não são críticas políticas. Não colocam em debate o que realmente precisa ser discutido: as mudanças propostas pelo governo. Aliás, apequenam a discussão a “vagabundos sindicalistas” e “coxinhas enganados”. Ser contra violência, interrupção do trânsito, coação de trabalhadores, depredação de patrimônio, “arruaça” e até contra a própria greve é um direito. Desmerecer e deslegitimar o movimento que é o problema. Da mesma forma que justificar os atos de barbárie dizendo que “não se faz revolução sem sangue” me parece desproporcional.
Precisamos encontrar, urgentemente, um meio termo que não impeça a convivência entre ideologias diferentes. Aliás, precisamos mesmo é de líderes que não caiam no discurso populista barato e saiam por aí esbravejando bravatas e inflamando o radicalismo. O papel do homem público não é rachar a sociedade, criar o discurso de “nós” contra “eles” – e aqui me refiro tanto a políticos conservadores quanto aos de esquerda. É de, em momentos de profunda tensão, ter a grandeza de propor as mudanças necessárias, mesmo que impopulares, garantindo o direito das minorias e atendendo aos interesses do país – e não aos dos que já são tão privilegiados. Para mim, não é isso que acontece hoje.