John Kerry disse a Barack Obama que a questão entre israelenses e palestinos é a mãe de todos os conflitos, e que ele resolveria o problema de uma vez por todas

Secretário de Estado norte-americano, John Kerry, e o primeiro-ministro Benyamin Netanyahu: frustração nas negociações de paz com os palestinos
Secretário de Estado norte-americano, John Kerry, e o primeiro-ministro Benyamin Netanyahu: frustração nas negociações de paz com os palestinos

Os Estados Unidos es­tão se preparando pa­ra reduzir ao máximo sua participação e seu en­volvimento no processo de paz entre palestinos e israelenses. O presidente americano Barack O­ba­ma já pediu ao secretário de Estado, John Kerry, uma reavaliação total da interferência norte-americana no conflito entre árabes e judeus. A frustração na Casa Bran­ca é geral. O colapso das negociações, que es­tavam sendo mediadas pe­los EUA, é o motivo de tanta in­quietação, afinal John Kerry, em sua missão quixotesca, passou os úl­timos 15 meses dedicando-se à questão. Só ele — nem mesmo Oba­ma — acreditava que se pudesse obter um acordo ao final do prazo estipulado, que expira daqui a duas semanas.

Em dezembro de 2012, um mês depois da reeleição de Barack Obama, o colunista americano Peter Beinart, publicou um artigo cujo título era: “Por que Obama vai ignorar Israel?” Beinart escreveu que no segundo mandato, Obama não iria bater de frente com o primeiro ministro de Israel, Benyamin Netanyahu, quando o assunto fosse a questão palestina. Pelo contrário, sairia de cena, e permitiria que o resto do mundo, principalmente a União Europeia, colocasse a devida pressão sobre Bibi (como o premiê é chamado em Israel). Essa ação da Casa Branca em relação ao processo de paz ficou conhecida como “negligência benigna”. O colunista, no mesmo artigo, ainda afirmou que o governo americano sabia que Netanyahu queria apenas um “processo de paz” maquiado, a fim de aliviar o isolamento internacional. Peter Beinart ainda explicou que somente quando o premiê israelense sentir a pressão do isolamento sobre o seu país é que haverá uma chance de que ele mude de direção e tome decisões importantes. Quatro dias depois da publicação desse artigo, a então embaixadora dos Estados Unidos para a ONU, Suzan Rice, teve de retirar sua canditadura à vaga de secretária de Estado, depois de uma entrevista em que comentou o ataque ao consulado americano em Benghazi, na Líbia. Suzan lamentou o atentado e só. Ela deu a entender que o governo Obama já seguia o rumo da tal “negligência benigna” em relação ao Oriente Médio. Duas semanas depois, Obama indicou John Kerry para o posto, e Rice teve de se contentar com o cargo de conselheira nacional de segurança.

Kerry nunca quis adotar a política negligente que permeava os corredores da Casa Branca. Pelo contrário, ele disse a Obama que a questão entre israelenses e palestinos é a mãe de todos os conflitos, o principal, e que ele mesmo iria liderar a retomada do processo de paz sob a mediação americana, e que resolveria o problema de uma vez por todas.

Barack Obama, mesmo cheio de dúvidas, deu sinal verde para que Kerry desse início à empreitada. Se ele falhasse, seria apenas mais um secretário de Estado americano que iria se espatifar no chão quando desse de cara com a realidade do Oriente Mé­dio. Se conseguisse um acordo his­tórico, nunca seria tarde para que Obama desse um jeito de en­trar na festa e finalmente justificasse o Nobel da Paz que recebeu assim que se tornou presidente.

E o tempo passou. Quinze meses depois, durante uma conferência no Marrocos, na semana passada, lá estava John Kerry diante do público, com a aparência cansada, olhos fundos e frustrado. Apesar do esforço descomunal que ele colocou na missão a que foi designado, parece que a intransigência de Netanyahu e a falta de perspectivas de Mahmoud Abbas falaram mais alto. O secretário americano não teve outra opção senão estender a bandeira branca.

É claro que haverá ainda uma última tentativa, que é o que está acontecendo nos últimos dias. Kerry e equipe deverão apresentar seu próprio plano de paz às duas partes. Mas ninguém do círculo de Obama ainda acredita que isso possa render alguma coisa. Ao que parece, de acordo com a situação atual, o presidente americano deverá encerrar a participação de Kerry no processo de paz e se retirar, à francesa.

Se os Estados Unidos realmente abandonarem a questão palestina-israelense, a negligência não será tão benigna para Israel. Ao contrário do que Netanyahu e membros do seu governo vêm dizendo aqui dentro, ninguém no mundo vai culpar os palestinos pela falha. Apesar de publicamente estar dividindo a culpa entre os dois lados, no gabinte oval, onde Obama despacha, e talvez em toda a Casa Branca, o culpado tem nome e é Netanyahu. Como fica a relação de Israel com os Estados Unidos depois disso ainda é um mistério, mas as consequências podem ser desastrosas.