Magda Mofatto ataca outra vez
17 outubro 2015 às 12h33
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A defesa de um posicionamento retrógrado é parte legítima da chamada democracia representativa, mas as explicações cometidas pela deputada goiana beiram a ofensa e o preconceito
Não é a primeira vez que Magda Mofatto, deputada federal do PR, estrela este espaço.
Também não há nada de errado com as posições de Mofatto enquanto parlamentar. Afinal, a democracia representativa é justamente o que preconiza seu conceito: representar pensamentos das diversas camadas sociais, independentemente se são justas e honestas ou nefastas e preconceituosas. Portanto, acima de quaisquer julgamentos, Mofatto exerce o direito de defender as ideias e representar quem ela bem entender.
O que não impede de ser questionada por tudo o que diz.
Até porque, o problema da deputada não são suas posições político-sociais retrógradas, preconceituosas e de um atraso quase criminoso. O problema são as suas explicações para defender estas posições. As explicações, sim, são preconceituosas de um jeito ofensivo. E mais: acabam por revelar um lado que Mofatto não parece ter nem mesmo com a sua trajetória.
Afinal, pior do que ter um “comportamento homossexual” perante uma criança, que é o tema central do que iremos tratar aqui, é ter um comportamento estilo da agente política Magda Mofatto.
Da outra vez, dei uma vasculhada preguiçosa sobre o que dizem os sites, desde os jornalísticos até os de órgãos oficiais, acerca da deputada. Peguei tudo o que se refere a ela. Não fiz juízo de valor, ao contrário dela em suas declarações recentes sobre o tal “Estatuto da Família”. O projeto, como aprovado pela Comissão Especial que o define, é de fazer um oficial da SS corar observando um pôr-do-sol em Auschwitz.
Mofatto, do PR, defende que família somente pode ser formada por lei por um homem, uma mulher e seus eventuais filhos. Também podem ser família os desdobramentos disto: viúvos, viúvas, etc. O projeto não é autoria dela, que apenas segue a tropa da moralidade, aquela dos “bons costumes” que costumam ter como arautos Bolsonaro, Feliciano e Eduardo Cunha.
Nada como um cidadão de bem para defender a família.
Jesus, o Cristo, filho bastardo segundo o próprio livro que o endeusa, – e cujo nome é usado para defender as posições desta turma – teria complicações para se encaixar na família tradicional da Comissão Especial.
O fato é que toda esta ginástica para a definição precisa sobre família serve para atender a um único Deus: o da exclusão. Tudo isso é para colocar do lado de fora os casais gays. Homens e mulheres homossexuais que formam diariamente famílias e buscam a adoção de crianças. Segundo o que quer a maioria da comissão, nada de bichas e sapatões chegarem perto de nossas crianças.
E, como disse, em sendo este um pensamento recorrente e até bastante presente em algumas camadas da sociedade brasileira, nada mais justo que haja quem se preste a representar tais ideologias. No entanto, é na explicação de Magda Mofatto para defender as ideias que reside o problema.
Segundo Magda, uma criança em convívio com gays é, automaticamente, “incentivada a seguir o mesmo caminho”.
Percebem?
É melhor conviver com a lepra ou a meningite que ter de abraçar pais gay.
Talvez pior que a homossexualidade só mesmo o vitiligo.
As palavras de Mofatto são preciosas. “A criança pode achar que o que vê em casa é um exemplo bom, normal, e que o resto não é anormal”. Ou seja: gays não devem ser vistos como seres normais: eles são o que são, anormais. E, acima de tudo: são um exemplo mau.
Mofatto é defensora, como ela se autoproclama, “dos bons costumes e da tradição familiar”. Mofatto é casada, claro. Bem casada. Seu marido, Flávio Canedo, foi condenado em 2013 a seis anos de prisão pelo crime de tortura. Ele e mais dois homens, possivelmente heterossexuais e – portanto – detentores de bons exemplos para influenciar crianças, foram condenados por torturar um rapaz na cidade de Caldas Novas em 2002 a fim de obter dele informações do interesse do grupo.
No mesmo ano, o de 2013, Canedo foi alçado à condição de presidente do PR.
A política sabe, definitivamente, se agarras a bons exemplos.
No pensamento lógico Mofattiano revelado em suas declarações públicas, um torturador e heterossexual é bem melhor como referência de cidadania e exemplo aos nossos meninos e meninas do que um casal de gays anormais. As crianças podem achar que ser gay é normal em nossa sociedade. Na verdade, ser torturador é que é.
As frases da deputada não cessam e formam uma rede de preconceito inimaginável. De acordo com a republicana, quando um casal homossexual constitui família e adota filhos pode incentivar o “desvirtuamento das crianças”.
Mofatto teve seu mandato de prefeita cassado em Caldas Novas de tanto “desvirtuamento” que aconteceu por lá. Quem disse isto não fui eu, mas, sim, a Justiça de Goiás que conteve a ameaça dela de querer voltar à prefeitura naquele ano. De lá pra cá, a política de Caldas Novas vem brigando com a Justiça para evitar ser considerada ficha suja. Combate a própria sombra da impugnação com o mesmo afinco do que combate bichas e sapatões.
A política e seus valores.
Ainda sobrou, no compêndio de explicações e teses para referendar suas posições, uma indireta para Darwin e Mendel. Tratou de comportamento e de “instinto” com a desenvoltura e a leveza de uma primeira-dama da tortura. A saber: “Eu acho errado quando se fala em orientação sexual. Orientação sexual é a da natureza, a original. Por isso é preocupante a orientação que uma criança porventura venha a receber por conta das pessoas que a criam.
Ela pode não ter nascido com o instinto lésbico, mas pode ser incentivada a ser. E acho que ninguém deve ser incentivado a ser homossexual”.
Que jamais esqueçamos esta expressão mediúnica, inefável, da geneticista de Caldas Novas: instinto lésbico. Peguemos o pensamento: o instinto (o lésbico) pode ser incentivado.
Ou seja: eu, você e a deputada estamos separados da homossexualidade por uma boa cantada. Bem conversado, e incentivado, todo mundo topa. É questão de “incentivo” e, acrescentaria eu, uns dois ou três Martinis. O meu com cereja, deputada, por favor.
O que falta à deputada compreender é que ao defenestrar o direito dos homossexuais ela acaba por repetir um discurso que durante décadas serviu para afastar mulheres, como ela, da vida pública e política brasileira. É o mesmo “senso de correto” que referendava a existência de escravos por simplesmente serem pretos. Estes exemplos, inclusive, bem embasados por versículos bíblicos que defenderam a manutenção de vassalos e da subserviência da mulher como um animal doméstico a ser adestrado.
Como morreu repetindo John Donne, “nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra (…) a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.
Mofatto defende que expurguem gays da família bem como seu gênero foi expurgado por anos do direito à fala, ao voto, à participação de qualquer vida em sociedade. A questão não é de ativismo gay, ou de causa homossexual, mas, sim, de reconhecimento de uma causa humanitária, de respeito e compreensão de uma realidade que não vai existir: ela já está presente em nossas vidas. Quer queiramos ou gostemos, quer não.
Por fim, veja como nos comportamos hoje no Brasil quanto ao destino de nosso futuro. Mulheres engravidam a cada cinco minutos de crianças indesejadas. Querem abortar, mas não deixam. Acham que é crime. A criança nasce e, com sorte, vai parar num orfanato em busca de adoção. Casais querem adotar admitindo assim como quaisquer casais a passarem pelo crivo da assistência social e da Justiça. Não querem deixar, afinal, não é família. Então, as crianças que poderiam ter uma família crescem e, adolescentes, se tornam marginais: assaltantes, traficantes, assassinos. A sociedade novamente intervem e quer porque quer mandar para a cadeia logo aos 16 anos.
Desde o ventre queremos resolver um problema social que o pensamento atual e canalha do Brasil prefere jogar em cima do Deus cristão. E em suposto nome de Deus não abortamos, não deixamos crianças nas mãos de homossexuais, não toleramos que pivetes bandidos nos abordem nas ruas: queremo-nos todos apinhados, apodrecendo no Belsen Tropical que chamamos de presídios.
Em nome do Pai.