Por Euler de França Belém

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Sob o pretexto de explicar Getúlio Vargas, Lira Neto faz sólida radiografia da história do Brasil

[caption id="attachment_12116" align="alignleft" width="255"]O último volume da trilogia do balacobaco sobre o líder político Getúlio Vargas O último volume da trilogia do balacobaco sobre o líder político Getúlio Vargas[/caption] Está nas livrarias o último volume da trilogia biográfica que o jornalista e escritor Lira Neto escreveu sobre o presidente Getúlio Vargas. “Getúlio — Da Volta Pela Consagração Popular ao Suicídio: 1945-1954” (Companhia das Letras, 464 páginas. O livro impresso custa R$ 49,50 e o e-book sai por R$ 34,50). Nenhum personagem histórico sai incólume das biografias feitas com rigor e o máximo de objetividade possível. Porque todos os seres humanos, não apenas os políticos, são um poço de contradições. Pesquisador do tipo que avalia que Deus está nos detalhes, mas precisa-se do conjunto para avaliar, Lira Neto pesquisou minuciosamente e, depois, evitando o relatório puro e simples, escreveu um livro de história, que aqui ganha o nome de biografia, do balacobaco. Getúlio é exposto por inteiro e o resultado final é um político importante para a história do país, mas com seus (e dos aliados) problemas devidamente apontados. Os três livros (na verdade, um só dividido em três partes), mais do que uma biografia de Getúlio, é uma alentada radiografia da história brasileira, dos fins do século 19 ao século 20 (até 1954, quando o presidente, para não ser afastado ou não ter de enfrentar uma grave crise política, preferiu se matar. Sua morte abortou o golpe civil-militar... por dez anos). O site do Jornal Opção (www.jornalopcao.com.br) publica um capítulo do livro. Leia AQUI

Getúlio Vargas: Se for jornalista, mando enforcar

A tocaia dos repórteres em São Borja depois da queda de Getúlio Vargas em 1945 - Capítulo da biografia de Getúlio Vargas escrita

Lira Neto

Ao meio-dia, sentado no banco de cimento à sombra de uma árvore – um secular cinamomo –, Getúlio ouviu o ronco do bimotor Junkers que se lançou em voo rasante sobre o dorso de uma coxilha e, em meio à nuvem de poeira vermelha, aterrissou na improvisada pista de pouso da Estância Santos Reis, a cerca de 20 quilômetros do Centro de São Borja. O ex-presidente, com botas pretas de cano alto, largas bombachas e camisa branca de mangas arregaçadas, levantou-se para recepcionar os passageiros, recém-chegados de Porto Alegre.

Era 1o de novembro de 1945, Dia de Todos os Santos, quinta-feira. Na véspera, no mesmo local, o próprio Getúlio fizera idêntico desembarque – mas do Lockheed Lodestar presidencial da Força Aérea Brasileira (FAB), proveniente do Rio de Janeiro, após esgotado o prazo de 48 horas concedido pelos militares para que abandonasse o Palácio Guanabara.

“Entrei para o governo por uma revolução, saí por uma quartelada”, queixava-se.

O irmão Protásio – um dos três homens que acabavam de descer do pequeno Junkers – era quem administrava o local e respondia pela saúde financeira da fazenda, dedicada à compra e venda de gado de leite e de corte. A casa propriamente dita era simples, térrea, pintada de amarelo. Na área central, após a sala, ficava o quarto de Getúlio, mobiliado apenas com a cama rústica, uma mesa redonda, a cadeira de balanço e dois criados-mudos adornados com vasos de flores naturais. Em vez de armários, caixas e malas desafiveladas, espalhadas pelo chão. Sobre uma das mesinhas de cabeceira ficava a pasta escura de couro, trazida do Catete, com o brasão nacional, dourado, em alto-relevo. Na outra, repousavam o estojo de óculos, o relógio de algibeira e um bloco de papéis de carta com o timbre do gabinete da Presidência da República. Nas gavetas, frascos de remédios e bisnagas com artigos de perfumaria. Como fazia questão de estar sempre bem barbeado, o estojo amarelo com as lâminas Schick e o aparelho dourado Injector Razor ficava logo à mão. Esquecido em um canto, jazia o saco de tacos de golfe – inúteis, já que não havia, na estância, lugar apropriado à prática do esporte favorito. O gramado rústico era prerrogativa das ovelhas que pastavam logo ali em frente.

Apesar do estilo espartano, o visitante que vislumbrasse o jardim e o pomar bem cuidados, o cata-vento gerador de força e o laranjal em flor teria uma boa impressão de Santos Reis. Se não havia luxo, sobrava esmero. Mas o observador não se deixasse enganar pela placidez e bucolismo da paisagem. O clã se encontrava em estado intestino de guerra. A política, mais uma vez, se colocara no centro de cizânias familiares.

Um dos filhos de Getúlio, Manuel Antônio – o Maneco Vargas –, entrara em rota de colisão com o tio Protásio. Maneco vinha trabalhando dia e noite pela instalação, em São Borja, do diretório do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Protásio, com semelhante afinco, pelo fortalecimento do Partido Social Democrático (PSD) no município. Em vez de dividirem o eleitorado de modo equânime, como era desejo de Getúlio, tio e sobrinho vinham disputando graus e áreas comuns de influência, trocando descortesias, numa autofagia que ameaçava extrapolar a esfera íntima para produzir efeitos colaterais mais amplos.

A propósito, naquela tarde, Protásio trazia consigo à estância, como companheiro de voo, o correligionário Valter Jobim, ex-promotor público em Passo Fundo, ex-secretário estadual de Obras Públicas e candidato declarado do partido ao governo do Rio Grande do Sul. Os dois vinham discutir o quadro eleitoral com Getúlio. Uma das primeiras medidas do governo de transição foi revogar o decreto 8063, aquele que, assinado por Getúlio em outubro, antecipara as eleições para governadores fazendo-as coincidir com o pleito presidencial. De acordo com o decidido pelo presidente interino José Linhares, dali a um mês, 2 de dezembro, além dos deputados e senadores que comporiam o futuro parlamento, os brasileiros iriam às urnas para escolher “apenas” o novo presidente da República (as eleições para governador e para as assembleias legislativas só se realizariam em 1947).

O brigadeiro Eduardo Gomes, concorrendo pela União Democrática Nacional (UDN) – frente ampla que se convertera no baluarte de todos os antivarguistas, reunindo desde os mais aguerridos liberais à chamada esquerda democrática –, era apontado pela imprensa como franco favorito. O outro candidato, general Eurico Gaspar Dutra, enfrentava dificuldades para obter até mesmo a adesão de certos quadros do próprio partido, o PSD, constrangidos em sufragar o nome de um dos maiores responsáveis pela derrubada de Getúlio.

“Todos sabemos, os teus amigos, que votar no Dutra é tomar um purgante de óleo de rícino. É necessário fazê-lo, ainda que repugnante”, ponderava o pragmático Protásio Vargas, tentando convencer o irmão a também tapar o nariz e engolir o nome do general como único remédio para impedir a chegada dos udenistas ao poder.

Getúlio, reticente quanto à questão, recebeu Jobim e Protásio com sorrisos e abraços. Poucos passos atrás da dupla, divisou um terceiro indivíduo, a quem não reconheceu. O estranho se aproximou e fez questão de se apresentar. Era jornalista. Viera de carona no avião, como representante dos jornais Folha da Tarde e Correio do Povo, do mesmo grupo de comunicação, a Companhia Jornalística Caldas Júnior, da capital gaúcha. Desejava uma entrevista exclusiva com Getúlio, a respeito da conjuntura política. Seria, nesse caso, um furo de reportagem. A primeira fala do ex-chefe de Estado após colocar os pés na pequenina São Borja – cidade então com menos de 35 mil habitantes, ruas sem calçamento, casas sem água encanada, eterna porta de entrada para o contrabando a partir do rio Uruguai, marco geográfico da fronteira do Brasil com a Argentina.

Com um gesto polido, Getúlio estendeu a mão ao repórter. Pediu-lhe desculpas, mas não iria dar entrevistas a ninguém. Tudo o que tinha a dizer já dissera no dia anterior, por escrito, numa nota concisa aos gaúchos, remetida exatamente ao Correio, pelo rádio, ainda a bordo do avião da FAB que o trouxera a Santos Reis: “Ao sobrevoar o solo do Rio Grande, dirijo-lhes esta mensagem de saudação, declarando que já não sou mais prisioneiro senão do afeto do povo.” Era tudo. Nada mais tinha a declarar.

Ato contínuo, Getúlio dirigiu-se com Protásio e Jobim para o interior da casa, deixando o jornalista sozinho, ao pé da porteira que dava acesso ao jardim. A reunião que se seguiu, a portas fechadas, estendeu-se por cerca de uma hora e meia, sendo interrompida apenas para o almoço, servido à base do tradicional churrasco de ovelha. Durante o cafezinho, o repórter ousou se aproximar da mesa para tentar de novo entabular a almejada entrevista.

Getúlio fez de conta que não entendeu a intenção dele, e lançou uma pergunta ao jornalista, invertendo os papéis de entrevistado e entrevistador: o decreto que assinara pouco antes de ser apeado do poder, instituindo o salário mínimo para os profissionais de imprensa, satisfizera as aspirações da categoria?

Sem dar tempo para o homem abrir a boca, emendou:

“Um dos motivos pelos quais os donos de jornais se voltaram contra mim foi justamente esse decreto…”, sorriu.

Protásio aproveitou a deixa e convidou o enviado especial da Folha e do Correio a se retirar, pois a reunião reservada iria prosseguir, tarde adentro.

“Esta conversa entre os senhores é para deliberar o rumo político a seguir?”, insistiu o jornalista, dirigindo-se a Getúlio. “Depois de tudo o que aconteceu, o senhor aceitará que o PSD continue a dar apoio à campanha do general Dutra, candidato oficial do partido à Presidência da República?”

Getúlio, presidente de honra da legenda, limitou-se a um comentário lacônico: “O PSD do Rio Grandesaberá honrar os compromissos assumidos.”

“E, do ponto de vista estritamente pessoal, o que o senhor acha? O que pretende fazer agora, após ter assinado o termo de renúncia?”

“Mas eu não assinei nenhum termo de renúncia…”, contrapôs Getúlio. “Do ponto de vista pessoal, estou aguardando os desdobramentos dos fatos”, disse, encerrando o assunto.

Não era exatamente uma entrevista. Mas eram declarações relevantes. O jornalista pediu licença a um funcionário de Protásio para utilizar o telefone da fazenda, a fim de enviar um primeiro comunicado à redação. Com alguma sorte, a informação chegaria a tempo de sair estampada na edição vespertina.

De fato, quando a dita reunião foi dada por encerrada, perto do fim da tarde, os leitores da capital gaúcha já tinham em mãos, nas esquinas de Porto Alegre, os primeiros exemplares da Folha, ainda cheirando a tinta fresca, com a estrondosa manchete:

DECLARA O SR. GETÚLIO VARGAS

QUE NÃO ASSINOU

NENHUM DOCUMENTO DE RENÚNCIA

Retransmitida pelo telégrafo ao Rio de Janeiro, a notícia foi interpretada, na cúpula dos quartéis, como uma ameaça de que Getúlio não se submeteria à deposição. O general José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, presidente do Clube Militar, decidiu expressar a inquietação dos colegas de farda e providenciar uma nota à imprensa da capital federal, na qual afirmava, peremptório: “Como participante dos acontecimentos que culminaram com a substituição do governo da República, julgo do meu dever esclarecer a opinião pública sobre a verdade dos fatos.” O título do texto não deixava brechas para ilações, dubiedades ou possíveis reviravoltas: “O sr. Getúlio Vargas não renunciou, foi deposto.”

Ao final da conversa com Protásio e Jobim – e sem ainda ter conhecimento da repercussão de suas palavras ao jornalista gaúcho –, Getúlio decidiu cumprimentar o grupo de são-borjenses que se aglomerava no terreno em frente à casa. O repórter, seguindo-o pelos calcanhares, descreveu a cena, numa segunda mensagem enviada por telefone à redação.

“O sr. Getúlio Vargas recebe afavelmente inúmeros amigos e admiradores. Parece-nos um homem que não dá a mínima impressão de haver vivido estes intensos quatro dias que modificaram completamente o ambiente político brasileiro”, escreveu o jornalista, que infelizmente não teve seu texto creditado pelo periódico gaúcho – a reportagem foi publicada sem assinatura, como era comum à época. “O ex-presidente conserva seu bom humor e sua jovialidade, que já se tornaram proverbiais. Quando uma oportunidade se apresenta, não perde a ocasião e lança um dito espirituoso, que festeja ruidosamente com os circunstantes.”

Ao entardecer, quando as visitas já haviam partido e as gargalhadas cessado, o repórter teve a oportunidade de flagrar o verdadeiro estado de espírito de Getúlio. Sempre acompanhado de um gato angorá branco que lhe seguia os passos, ele caminhava em seu estilo característico, as mãos postas para trás, o olhar perdido. Fumava então o quinto charuto do dia. Longe da curiosidade pública, trocou o característico sorriso por um semblante mais grave: “Ia pensativo, algo melancólico, olhando para um ponto qualquer que nós não enxergávamos, ou fitando o sol que se escondia, no horizonte plano de São Borja.”

Ao seperceber vigiado, Getúlio lançou um aceno gentil ao repórter: “Vamos caminhar?”

Agora íamos caminhando, lentamente, em direção a um açude, distante uns 800 metros da casa da fazenda. E como de costume – talvez para não dar tempo a que se fizessem perguntas embaraçosas – o sr. Getúlio Vargas começou de novo a entrevistar-nos. Ele seria um bom jornalista…

Já não tinha aquela preocupação de mostrar-se jovial e alegre. Deixou que algumas rugas se instalassem, indiscretamente, na testa. E podemos jurar que mal ouvia as respostas banais que dávamos às suas perguntas também banais. O sr. Getúlio Vargas, afinal, sempre foi um bom jogador.

A certa altura, Getúlio intensificou o bombardeio de perguntas. O que se dizia em Porto Alegre a respeito de sua queda? O que pensava o povo? E os trabalhadores gaúchos? Houve manifestações de rua? Discursos a favor e contra? O repórter, percebendo a oportunidade de granjear a simpatia e a confiança do interlocutor, tentou resumir-lhe a situação em poucas pinceladas.

O interventor gaúcho, tenente-coronel Ernesto Dornelles (primo de Getúlio), assim como todos os governantes regionais nomeados pelo Estado Novo, fora afastado do cargo e substituído por um representante do Judiciário – no caso do Rio Grande, assumira o desembargador Samuel Figueiredo Silva. O secretariado de Dornelles, em bloco, aguardava demissionário a efetivação dos respectivos substitutos. Servidores em funções de confiança, idem. Os prefeitos também estavam em compasso de espera, tendo posto os cargos à disposição, por ordem do novo governo. O general Salvador César Obino, comandante da 3a Região Militar, sediada em Porto Alegre, apoiara o golpe, mas advertira a tropa que se mantivesse alheia a possíveis provocações e se abstivesse de comentários políticos. As ruas estavam calmas. O povo, em cautelosa expectativa. Getúlio ouviu a síntese sem dizer palavra. Ao final, o repórter tentou provocá-lo a sair do mutismo. Sondou-o a respeito da conversa que mantivera ao longo da tarde com Protásio e Jobim. O que tinham decidido, afinal de contas? Os dois pessedistas haviam conseguido convencê-lo a declarar apoio à candidatura do general Dutra?

Mais uma vez, preferiu manter-se em reserva. Apenas voltou a sorrir. O jornalista, imperturbável, resolveu abordá-lo por outro flanco. Comentou que dois meses antes, em 2 de setembro, data na qual se esgotara o prazo de desincompatibilização para os aspirantes ao pleito, muitos getulistas haviam se decepcionado com o fato de o então ditador não ter se licenciado do Catete para registrar-se candidato, construindo as condições legais para permanecer no poder.

“Mas eu não desejava mesmo continuar…”, desdenhou Getúlio.

Os vinte passos seguintes foram dados em novo silêncio. Getúlio Vargas levou o charuto aos lábios. E a mancha de uma baforada pensativa ficou por alguns instantes flutuando entre nós.

“Eu já estava cansado”, disse ele. “Governar mais seis anos… Num período difícil…”

Chegáramos à beira do açude. E o charuto do presidente, jogado com displicência, foi agitar as águas mansas.

[…]

Depois disso, veio o silêncio definitivo. Também o sol desaparecera. E na meia-luz melancólica daquela tarde moribunda, o ex-presidente Vargas perdeu, mais uma vez, o olhar na planície imensa.

A foto que ilustrou a matéria mostrou um Getúlio de sobrancelhas arqueadas, o olhar circunspecto, a comissura dos lábios voltada para baixo. “Aí está o homem que governou o país durante quinze anos”, dizia a legenda. “A fisionomia parece sublinhar uma preocupação.”

Na manhã seguinte, sexta-feira, 2 de novembro, Getúlio cumpriu o ritual que repetiria dali por diante todos os dias, após o alvorecer, em Santos Reis. Pulou da cama às 6 horas, deixando para trás o travesseiro baixo e mole, em cuja fronha se lia o monograma bordado com as iniciais GV. Provou o primeiro gole de chimarrão ainda no quarto, de pijama. Fez a barba, tomou um banho frio, vestiu as bombachas e seguiu para a mesa do café. Depois, mandou selar um cavalo e saiu a campear pela estância.

Não foi sozinho. Entre os companheiros de montaria, três petebistas gaúchos serviram-lhe de escolta. O primeiro era o filho Maneco. O segundo, o primo Dinarte Dornelles, diretor da Caixa Econômica Federal no Rio Grande do Sul. O terceiro, um jovem advogado e fazendeiro de São Borja, amigo da família. Seu nome: João Belchior Marques Goulart – mais conhecido, desde a infância, como “Jango”. A ligação dos Goulart com os Vargas era antiga. O pai de Jango, Vicente Goulart, estudara com Getúlio nos tempos da escola primária do professor Fabriciano Júlio Braga em São Borja. Mais tarde adquirira, em sociedade com Protásio, um frigorífico na cidade vizinha de Itaqui. O empreendimento, todavia, não prosperou. Quando Vicente morreu em 1943, de câncer, quase falido, o filho assumiu os negócios familiares e, por meio de sucessivos empréstimos bancários, passou a comprar gado e arrendar terras ao redor da propriedade original. O método do rapaz fazer dinheiro era tão simples quanto infalível: deixava as vacas no pasto para a engorda – nas chamadas “invernadas” – e depois as revendia para abate, com dilatada margem de lucro. Ao oferecer os próprios animais como garantia, levantava novos créditos e assim, sucessivamente, multiplicava o capital a cada operação. A esse tempo, com 26 anos, calculava-se que Jango já fosse dono de cerca de 15 mil cabeças de gado bovino e outras 5 mil de ovinos, avaliadas então em torno de 10 milhões de cruzeiros (cerca de 16 milhões de reais, em valores atualizados).

Bon vivant, dono do próprio avião Cessna e de um automóvel Ford – um dos únicos dez carros de toda São Borja –, Jango vivia rodeado de belas mulheres. Dado a festas e outros prazeres, contraíra sífilis, doença sexualmente transmissível, o que lhe deixou como sequela uma lesão no joelho esquerdo. Daí o fato de ter manquitolado de uma perna o resto da vida, embora a família preferisse difundir a versão de que o problema fosse oriundo de uma queda de cavalo ou, em outra variante mais prosaica, de um coice de burro. Bem apessoado, dono de uma conversa fácil, não demorou que João Goulart fosse cortejado não apenas pelas moças casadoiras do lugar, como também pelos caciques políticos de São Borja. Protásio tentou arrastá-lo para as hostes do diretório municipal do PSD, mas a amizade com Maneco Vargas influenciou sua decisão de cerrar fileiras no PTB.

A cavalgada daquela manhã serviu para Getúlio debater com Jango, Dinarte e Maneco a atitude do partido em face das eleições presidenciais que se aproximavam. O trio compartilhava de uma mesma opinião. À falta de candidato próprio, o PTB deveria se abster de apoiar qualquer uma das duas candidaturas militares já lançadas. Mas, no âmbito federal, os petebistas estavam rachados. Parte do diretório nacional também defendia a tese da abstenção, posição defendida por dois dirigentes do alto escalão partidário, Paulo Baeta Neves e José de Segadas Viana, respectivamente presidente e secretário-geral da comissão executiva. Havia uma parcela considerável de militantes que preferia, ao contrário, apostar numa aliança estratégica com o PSD, para tentar preservar inalteradas – em um possível governo Dutra – as conquistas da legislação trabalhista.

Sempre que instado a se pronunciar sobre o assunto, Getúlio desconversava: “Meu desejo é permanecer calado até as eleições, para não aumentar a confusão já existente.”

Na volta da campeada, perto da hora do almoço, o grupo foi surpreendido com a presença de outro repórter no galpão da fazenda. Em meio à roda de peões de bombachas e facas na cintura, destacava-se um indivíduo de paletó e gravata, o bloquinho de anotações em punho. Em princípio, Getúlio não atinou para a identidade daquele homem miúdo, de cabeçorra quadrada e máquina fotográfica a tiracolo.

“Bom dia, dr. Getúlio, permite bater uma chapa?”, perguntou o homenzinho, apontando-lhe a objetiva.

Houve um instante de tensão. Maneco olhou para o pai, em estado de alerta. Jango e Dinarte se mostraram igualmente apreensivos.

“Pode bater...”, sorriu, entretanto, Getúlio, desanuviando o ambiente. “Quem é mesmo o senhor?”, perguntou, ao descer do cavalo.

O jornalista apresentou as credenciais. Era Edmar Morel, repórter dos Diários Associados, o grupo de jornais de Assis Chateaubriand, o Chatô. Getúlio não o conhecia pessoalmente. Mas é evidente que já ouvira falar do sujeito. Morel, a esse tempo, era uma lenda viva da imprensa nacional. Suas reportagens lhe haviam rendido notoriedade e prestígio, mas também poderosos desafetos. Entre estes, os censores do Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP. No extenso currículo de proezas jornalísticas, Morel entrevistara o tristemente célebre Manso de Paiva, o assassino do senador gaúcho Pinheiro Machado, morto com uma punhalada nas costas em 1915, no Hotel dos Estrangeiros, no Rio de Janeiro. A entrevista, porém, fora censurada pelo Estado Novo, sob a justificativa de que o mau exemplo do criminoso poderia enfiar caraminholas na cabeça de algum outro “lunático” e, dessa forma, pôr em risco a integridade física do então ditador, Getúlio Vargas.

Morel também tivera problemas com os censores do DIP ao denunciar as precárias condições de vida a que foram submetidos os chamados “soldados da borracha”, os nordestinos despachados à Amazônia para garantir o abastecimento de látex ao exército norte-americano durante a Segunda Guerra Mundial. Outra matéria de sua autoria, ilustrada pela foto de um menino disputando com um vira-lata os restos de comida de uma base militar dos Estados Unidos em Pernambuco, também provocara incômodos aos burocratas da censura. Entre tantas reportagens de impacto, o feito então mais recente de Morel fora a cobertura do último dia do Estado Novo, realizada de dentro de um dos tanques de guerra que, em 29 de outubro, cercaram os jardins do Palácio Guanabara.

Getúlio, é claro, entendeu a situação. Chateaubriand mandara um dos melhores repórteres dos Diários Associados a São Borja para retratar o drama de um inimigo caído em desgraça. No dia seguinte à derrocada do regime, em artigo intitulado “O triste fim de Policarpo Vargas”, Chatô tripudiara: “As circunstâncias que cercam o ocaso do sr. Getúlio Vargas oferecem a sensação do fenômeno da decrepitude de um homem.” Em tom de deliciada vingança, o texto zombara do fato de Getúlio ter supostamente alimentado a ilusão de que as massas tomariam as ruas em protesto contra sua destituição. “Entretanto, não apareceu nenhum ‘Trabalhador do Brasil’, ou mesmo um simples malandro dos morros cariocas, para se despedir dele no Aeroporto Santos Dumont”, aguilhoara Chatô.

Nitidamente aborrecido, Getúlio fechou o cenho para Morel. O jornalista, sem perder a desenvoltura – e para forjar uma intimidade inexistente –, informou que o estava aguardando ali desde o início da manhã, após enfrentar uma maratona iniciada dois dias antes, no Rio de Janeiro. Na quarta-feira, desembarcara em Porto Alegre e, durante 48 horas, viajara de trem, sacolejando por mais de 500 quilômetros, até alcançar a estação de São Borja. De lá, chegara à estância a bordo de um automóvel alugado. Estava exausto, comentou Morel.

“O senhor não cansa quando faz um passeio demorado desses pelo campo?”, perguntou.

“Não! Para descansar o espírito, nada como cansar o corpo”, cortou Getúlio.

“Os jornais estão publicando que o senhor não assinou nenhum documento pedindo renúncia…”, prosseguiu o repórter.

Getúlio apanhou a cuia de chimarrão das mãos de um peão da fazenda, chupou a bomba de prata e, após alguns segundos de estudado suspense, resmungou a resposta entre os dentes: “Isso não tem importância…”

Para não aborrecer de vez o entrevistado, Morel mudou de estratégia. Pediu licença para ficar em Santos Reis alguns dias, a fim de acompanhar a rotina do mais novo e ilustre morador da fazenda. Pretendia realizar uma série de “reportagens apolíticas” – conforme definiu –, para oferecer aos leitores da capital federal um relato completo da nova vida daquele que fora, até há bem pouco tempo, o homem mais poderoso do Brasil.

“Em qual rede de jornais o senhor disse mesmo que trabalha?”, perguntou Getúlio, com entonação irônica, dando-lhe as costas e deixando escapar um muxoxo.

Morel, em ato reflexo, levantou a câmera e o fotografou no momento exato em que caminhava jardim adentro, cruzando o portão em direção à casa.

A imagem de Getúlio de costas, pisando duro, estamparia a capa do carioca Diário da Noite, acompanhada da seguinte manchete: ZANGOU-SE COM O REPÓRTER.

Maneco Vargas, ao perceber que o pai estava sendo fotografado em situação desfavorável, pegou Morel pelo braço e convidou-o a se retirar.

“Faça o favor!”, rugiu Maneco, apontando a saída.

A imprensa do Rio de Janeiro fez um escarcéu. Os principais jornais do país – alinhados à UDN e à candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes – afirmaram que as longas conversas de Getúlio com representantes regionais do PSD e PTB em São Borjafaziam parte de uma insidiosa manobra política. Havia rumores de que pessedistas e petebistas gaúchos disputavam entre si o direito de lançar a candidatura do ex-presidente ao Congresso, informação que gerou uma maré de editoriais, manchetes e artigos indignados.

“Mal apeado do poder, com uma semana apenas entre o Guanabara e São Borja, já está o ditador numa inquietação reprovável”, condenou o Diário da Noite, que lamentava o fato de os militares não terem deportado Getúlio e lhe cassado os direitos políticos logo após tê-lo afastado do Catete, da mesma forma que ele próprio fizera, em 1930, com o ex-presidente Washington Luís.

“O sr. Getúlio Vargas está sendo imprudentíssimo”, avaliou o Diário. “Enquanto suas futricas em Santos Reis não oferecerem possibilidades de ameaça à marcha normal da redemocratização, poderá beber em paz doméstica sua cuia de chimarrão. Mas, desde que se transforme ou pretenda ser elemento de perturbação política, não lhe restará outro caminho senão, ainda uma vez, correr novos riscos.”

O recado era explícito. Os jornais de Chatô garantiam que uma “fonte digna de crédito”, situada na alta cúpula do novo governo, trabalhava com a hipótese de ordenar a deportação de Getúlio a qualquer instante.

Quanto à possível candidatura do ex-presidente a um cargo eletivo, o udenista mineiro Virgílio de Melo Franco, interrogado pelos jornalistas, disse pôr tal hipótese na conta de uma insolente piada.

“Uma gargalhada sacudirá o país”, previu Melo Franco, caso o ex-ditador esboçasse uma volta ao cenário político.

Ao batalhão de repórteres que depois disso continuaria a lhe bater à porta em Santos Reis, Getúlio repetiu a mesma ladainha: não era candidato a nada. E não estaria disposto sequer a montar uma banca de advocacia em Porto Alegre. Os políticos e advogados podiam dormir sossegados. Ele não lhes faria mais nenhuma concorrência.

“Na verdade, vou fazer concorrência é aos pecuaristas de São Borja”, disse a outro jornalista do Correio do Povo, prometendo dedicar-se unicamente à vida do campo durante o tempo que ainda lhe restasse de vida. “Não aceitarei, em hipótese alguma, a designação de meu nome, seja para o que for.” Chegara a hora de se preocupar apenas com bois e vacas, garantiu.

O jornalista Geraldo Romualdo, enviado de OGlobo a Santos Reis, ainda conseguiu lhe arrancar uma declaração por escrito, datilografada e assinada, que foi reproduzida na primeira página do jornal de Roberto Marinho: “Simples cidadão, não sendo candidato a nenhuma função pública e tendo como única arma meu título de eleitor, envio ao povo brasileiro minha comovida saudação, dizendo-lhe que agora, mais do que nunca, estou do seu lado.”

Nem todo mundo levou a sério a formalização do compromisso. Em editorial, o Diário da Noitevoltou a fustigar:

A experiência desses últimos quinze anos, longa experiência que desvendou muitos dos mistérios da personalidade do ex-chefe de governo. […] Agora, em São Borja, após seus longos passeios e horas de meditação, o grande alquimista do despistamento, técnica em que certamente jamais será superado, reafirma seu desinteresse pela política e, consequentemente, pelo poder. […] Volta o sr. Getúlio Vargas à velha técnica: nada desejar, nada querer, desejando e querendo tudo.

A partir daquele momento, qualquer estranho que chegasse a Santos Reis seria barrado à entrada da estância. Para ultrapassar os limites da porteira, teria que apresentar a carteira de identidade. O documento era então confiscado, para que Maneco Vargas o levasse até o pai, a quem cabia pessoalmente filtrar o acesso de eventuais bisbilhoteiros.

“Se for jornalista que vem aí, mando enforcar”, passou a ironizar Getúlio, sempre que outro avião descia na estância.

Leia Mais: Sob o pretexto de explicar Getúlio Vargas, Lira Neto faz sólida radiografia da história do Brasil

Hugo Brockes troca publicidade pela literatura e lança romance de qualidade

Hugo Brockes, de 77 anos, trocou de amor: a publicidade pela literatura. Na terça-feira, 12, às 18 horas, ele vai lançar o romance “O Réveillon de 3001” na Livraria Nobel, no Shopping Bougainville. A surpresa? Brockes, além de escrever bem, é dotado de uma imaginação criadora impressionante. Trata-se de literatura tradicional de qualidade. Trecho do livro: “... nunca gostei da ideia da eternidade, a existência aprisionando a vida na prisão da monotonia. Penso como aquele obscuro poeta, do início do século 21, seu contemporâneo: ‘Jamais suportaria a vida num horizonte infinito, eterno, monótono, brumoso e frio. Eu exigiria o direito sacrossanto e incoercível de praticar suicídio na minha vida eterna’”. (Hugo é publicitário, poeta, prosador, roteirista e ator. Como ator, fez peças publicitárias impagáveis para o Café Cairo. Vale a pena recuperar os filmes da publicidade, na qual brilhava o “Ferrugem”, para divulgá-los na internet.)

Grupo RBS, que edita o jornal Zero Hora, demite 130 funcionários

O maior grupo de Comunicação do Sul do Brasil, o RBS, dono do jornal diário “Zero Hora” e da emissora que retransmite a programação da Globo, demitiu, na semana passada, 130 funcionários. O presidente da empresa, Eduardo Meltzer, afirma que não há crise financeira, e sim busca de “produtividade” e “eficiência”. Meltzer comentou, por meio de uma nota, que o grupo tem 6 mil funcionários, aparentemente sugerindo que 130 demissões não são significativas. Numa entrevista ao Portal Imprensa, o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder, criticou as demissões — “é um problemaço” — e a concentração da comunicação no Sul do país nas mãos do Grupo RBS

Argentinos apostam em Messi mas admitem que é difícil ganhar da Alemanha

Euler de França Belém [caption id="attachment_9871" align="alignright" width="300"]Camisa 10 da seleção, Messi é a aposta dos argentinos Camisa 10 da seleção, Messi é a aposta dos argentinos | Foto: Reprodução/AFA[/caption] Buenos Aires – Os brasileiros estão irritados com o quarto lugar obtido pela Seleção Brasileira na Copa do Mundo. Pudera. Perder de 7 a 1 para Alemanha e de 3 a 0 para a Holanda – e jogando muito mal, apenas com Oscar, aqui e ali, criando algumas jogadas de craque, mas solitariamente; contra a Holanda, até os zagueiros David Luiz (cabeceou mal e entregou a bola para um holandês fazer o segundo gol) e Thiago Silva (fez o pênalti que desestabilizou de vez o time) jogaram muito mal. O ataque não fez gols (um só no vexame contra a Alemanha) e o meio-campo parava as jogadas, devolvendo a bola aos zagueiros, que devolviam a bola ao goleiro ou davam chutões. Mas os argentinos, até porque foram classificados, têm outra interpretação. Primeiro, admiram Neymar, que comparam a Messi. Depois, sugerem que, num campeonato com 32 seleções, um quarto lugar não é tão ruim assim. Ouvi isto de seis argentinos e observei bem para verificar se estavam sendo irônicos. Não estavam. Quase todos disseram que a seleção jogou bem nos primeiros jogos e que seu futebol é “vistoso” mas que, ao perder Neymar, ficou relativamente sem rumo. “Seria como perder Messi”, comparam. Vi o primeiro tempo do jogo contra a Holanda num hotel e o segundo no La Biela, na Recoleta. Os argentinos torciam claramente para o Brasil, pois dizem apreciar o futebol de alguns jogadores, como Neymar, Oscar, Thiago Silva e David Luiz. Para o jogo deste domingo, brasileiros que assistem os telejornais podem acreditar que a Argentina, autossuficiente, acredita que já ganhou (não é difícil arranjar torcedores convictos e muito alegres para fazer imagens para a televisão. As chuvas retiraram os argentinos das ruas; voltarão, mesmo com chuva, se seu time for campeão). Não é bem assim. Nas ruas de Buenos Aires, em cafés, restaurantes e livrarias – na área esportiva, o destaque é Messi –, há mais esperança do que otimismo exacerbado. A maioria admite que, em termos de conjunto, a seleção da Alemanha é mais competitiva e sugere que a seleção da Argentina pode ganhar na raça e, eventualmente, devido às jogadas de gênio de Messi. “Queremos ganhar, e vamos torcer muito, mas sabemos que a Alemanha é o páreo mais duro, porque, além de ter bons jogadores, como Müller, o time está bem entrosado”, diz um taxista de mais de 60 anos, que está muito mais interessado em contribuir para retirar a presidente Cristina Kirchner do poder. “A Argentina não merece uma presidente como Cristina. O problema é que, até o momento, não temos alternativas.” Os argentinos reclamam do “custo de vida” e da falta de norte do governo. As esperanças dos jornais estão no cérebro e nos pés de Messi. Acreditam que, se o maestro ou mestre estiver inspirado, a seleção do país de Jorge Luis Borges, Oliverio Girondo, Ricardo Piglia e Carlos Gardel (por sinal, nascido na França, mas tão argentino quanto o “belga” Julio Cortázar) tem alguma chance de derrotar a Alemanha de Goethe e Thomas Mann. Os argentinos são como os brasileiros: adoram futebol. Mas em geral são racionalistas. Por isso dizem que, se os alemães anularem Messi, a Argentina se tornará um time de menor importância. Frisam que o segredo será fechar o meio-campo e a defesa e jogar no contra-ataque. Os argentinos querem ganhar, avaliam que podem ganhar, mas sugerem que será muito difícil vencer os alemães.      

O volante que parou e provocou expulsão de Pelé

Piazza não deixou o Rei jogar e provocou sua expulsão. Clodoaldo era craque. Falcão talvez tenha sido o maior volante brasileiro

Agência Propeg, da Bahia, vai fazer o marketing da campanha de Ronaldo Caiado para o Senado

A agência Propeg, dirigida pelo jornalista e marqueteiro Luís Costa Pinto, Lula, vai comandar o marketing da campanha do candidato a senador Ronaldo Caiado, presidente do DEM de Goiás. Lula Costa Pinto, de 44 anos, é um jornalista e marqueteiro experimentado. Na revista “Veja”, na qual chegou a chefe da sucursal de Brasília, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, o mais importante do País. Ele também trabalhou na revista “Época” e na “Folha de S. Paulo”. Como marqueteiro, Lula Costa Pinto coordenou as campanhas de Ciro Gomes (para presidente da República), Lúcia Alcântara (para governador do Ceará) e Agnelo Queiroz (governador do Distrito Federal). A Propeg é uma agência de Salvador (BA), mas Lula Costa Pinto é pernambucano de Recife. Caiado é fortemente ligado ao prefeito da capital baiana, ACM Neto. Empolgação Um fato não deixa de ser curioso: a candidatura de Caiado tem empolgado de maneira acentuada os peemedebistas em geral, inclusive os friboizistas. Como sugeriu o Jornal Opção, na coluna Bastidores, o deputado federal está funcionando como oxigênio para o PMDB e para Iris Rezende.

Espião-soviético provocou a Guerra Fria e revelou que Stálin iludia líderes ocidentais

“Como Começou a Guerra Fria — O Caso Igor Gouzenko e a Caçada aos Espiões Soviéticos” (Editora Record, 362 páginas), da doutora em Política Russa (pela London School of Economics) Amy Knight, é uma pequena obra-prima. Knight escreve com o rigor do historiador, apura como o mais preciso dos repórteres investigativos, especula com certa liberdade, mas dizendo ao leitor que está especulando, e explica os limites da documentação. Põe a nu, sem estardalhaço, conclusões sobre, entre outros Alger Hiss, considerado espião pelo FBI. Gouzenko era criptógrafo da Embaixada Soviética em Ottawa, no Canadá, quando, pressionado para voltar para seu país, optou por desertar, junto com sua mulher Anna, em setembro de 1945. Levou vários documentos da inteligência do Exército, o GRU, para o qual trabalhava e entregou-os ao governo canadense. Naquele momento, depois de ter lutado bravamente ao lado das democracias ocidentais, como Inglaterra e Estados Unidos, a União Soviética, apesar do tirano Stálin, era considerada uma nação amiga, com a qual era lícito partilhar informações. Mas o desconfiado Stálin — todo ditador é desconfiado e paranoico — não queria saber de “amizade verdadeira” e colocou um batalhão de espiões para roubar segredos militares e científicos dos ingleses e, sobretudo, dos norte-americanos. Esses espiões recrutaram cientistas, como Klaus Fuchs e Alan Nunn May, que, direta ou indiretamente, contribuíram para que os soviéticos pudessem desenvolver a bomba atômica. Stálin deu autorização para Beria recrutar os melhores cientistas, a quem foram dadas excepcionais condições de trabalho, mas tinha pressa para fazer a bomba atômica, acreditando que, sem ela, o país estaria permanentemente ameaçado pelos Estados Unidos. Como resultado disso, Stálin articulou uma gigantesca operação de espionagem em vários países. O Canadá era usado como base para se obter informações dos Estados Unidos e, também, da Inglaterra. Mas, ao desertar, Gouzenko pôs quase tudo a perder, porque canadenses, ingleses e americanos, além de outros povos, descobriram que Stálin era o mesmo de antes e que não queria relações diplomáticas transparentes. A “ovelha” Stálin havia virado “lobo” novamente. Esta é a grande contribuição de Gouzenko, ao revelar que o ditador soviético trapaceava o tempo todo. A Guerra Fria surge do desencanto dos aliados (ingleses e americanos) com Stálin, de quem o sábio Winston Churchill, embora tenha chegado a elogiá-lo, sempre desconfiou, tanto que criou a expressão Cortina de Ferro. Há quem diga que a descoberta da bomba atômica pelos soviéticos “segurou” os americanos e que a bomba atômica americana “segurou” os soviéticos e que, assim, evitou-se a Terceira Guerra Mundial. Há um filme sobre a história de Gouzenko — “Cortina de Ferro” (The Iron Curtain), de 1948, com direção de William Wellman e os atores Dana Andrews (Gouzenko) e Gene Tierney (Anna). Um dos relatos mais impressionantes do livro tem a ver com o diplomata canadense Herbert Norman. Acusado sobretudo pelos americanos de ter sido comunista, portanto suspeito de espionagem, Norman matou-se. Eis o relato quase literário de Knight: “Na manhã quente e ensolarada de 4 de abril de 1957, Norman acordou cedo, despediu-se da mulher e foi a pé de sua casa no Cairo até um edifício alto no fim da rua, com vista para o Nilo. Tomou o elevador para o último andar e subiu as escadas para a cobertura. Tirou o paletó, os óculos e o relógio. E arremessou-se do terraço para a morte”. Norman nem havia sido comunista, no máximo, sentira-se atraído pelo marxismo, quando muito jovem, na universidade. O cientista americano Arthur Steinberg, também acusado de espionagem pelo FBI de Edgar J. Hoover, foi perseguido e perdeu vários empregos. Não era comunista nem espião. O espião verdadeiro, o inglês Kim Philby, amigo do escritor Graham Greene, passou informações para os soviéticos durante muitos anos e, depois, escapou das garras da espionagem de seu país e morreu, como herói, na União Soviética. Ele próprio era um espião-chefe dos espiões ingleses. Knight é erudita, como observam os historiadores Margaret MacMillan e Simon Sebag Montefiori, autor do ótimo “Stálin — A Corte do Czar Vermelho”, e, como tal, discute os assuntos com extrema facilidade, mas sem o pedantismo de alguns acadêmicos.

Livro garante que piadas ajudaram a derrubar o comunismo na União Soviética e no Leste Europeu

O pesquisador inglês Ben Lewis assegura que as piadas foram importantes para mostrar o fracasso das ações dos governantes comunistas, como Stálin e Leonid Brejnev, e para desnudar sua propaganda

Líder do PT arrola o que chama de pitbull da mídia e espalha sua cota de ódio

O vice-presidente nacional do PT, Alberto Cantalice, publicou um texto e arrolou como “pitbulls da mídia” Reinaldo Azevedo, Arnaldo Jabor, Demétrio Magnoli, Guilherme Fiúza, Augusto Nunes, Diogo Mainardi, Lobão, Gentili, Marcelo Madureira. Azevedo disse que vai processá-lo.

O artigo é fraco, e, se não tivesse citados nomes, certamente teria sido ignorado. Menciona “propagadores do ódio”, mas não que perceber que, ao citar os profissionais — jornalistas e humoristas —, espalha sua cota de ódio.

As nove pessoas citadas pensam da mesma maneira. Alguns dos críticos do governo petistas são mais radicais, ou enfáticos, porém pelo menos dois são mais moderados e analíticos.

Publico o artigo de Cantalice para que o leitor possa avaliar sua fragilidade. Seu título deveria ser outro: muito barulho por nada.

A desmoralização dos pitbulls da grande mídia

Alberto Cantalice Três vezes derrotados nos pleitos presidenciais, por Lula e Dilma e o PT, os setores elitistas albergados na grande mídia, ao se verem na iminência do quarto revés eleitoral, foram ao desespero. Diurtunamente lançam vitupérios, achincalhes e deboches contra os avanços do país visando desgastar o governo federal e a imagem do Brasil no exterior. Inimigos que são das políticas sociais, políticas essas que visam efetivamente uma maior integração entre todos os brasileiros, pregam seu fim. “A hora é de renovar as esperanças e acreditar no Brasil”. Profetas do apocalipse político, eles são contra as cotas sociais e raciais; as reservas de vagas para negros nos serviços públicos; as demarcações de terras indígenas; o Bolsa Família, o Prouni e tudo o mais. Divulgadores de uma democracia sem povo apontaram suas armas, agora, contra o decreto da Presidência da República que amplia a interlocução e a participação da população nos conselhos, para melhor direcionamento das políticas públicas. Personificados em Reinaldo Azevedo, Arnaldo Jabor, Demétrio Magnoli, Guilherme Fiúza, Augusto Nunes, Diogo Mainardi, Lobão, Gentili, Marcelo Madureira entre outros menos votados, suas pregações nas páginas dos veículos conservadores estimulam setores  reacionários e exclusivistas da sociedade brasileira a maldizer os pobres e sua presença cada vez maior nos aeroportos, nos shoppings e nos restaurantes. Seus paroxismos odientos revelaram-se com maior clarividência na Copa do Mundo. Os arautos do caos, prevendo e militando insistentemente pelo fracasso do mundial – tendo, inclusive, como ponta de lança a revista Veja previsto que os estádios só ficariam prontos depois de 2022, assistem hoje desolados e bufando à extraordinária mobilização popular e ao entusiasmo do povo brasileiro pela realização da denominada, acertadamente, de a Copa das Copas. O subproduto dos pitbulls do conservadorismo teve seu ápice nos xingamentos torpes e vergonhosos à presidenta Dilma na abertura da Copa, na Arena Corinthians. Verdadeiro gol contra, o repúdio imediato de amplas parcelas dos brasileiros e brasileiras ao deprimente espetáculo dos vips demonstra que a imensa maioria da população abomina essa prática. Desnudam-se os propagadores do ódio. A hora é de renovar as esperanças e acreditar no Brasil! Alberto Cantalice é vice-presidente nacional do PT e coordenador das Redes Sociais do partido.

Por que não parar o massacre contra Mario Sergio Conti?

Mario Sergio Conti entrevistou um sósia do técnico da Seleção Brasileira de Futebol acreditando que estava entrevistando Felipão. O jornalista admitiu o erro e fez a correção. Por que massacrá-lo? Fica-se com a impressão de que rancores antigos, dada sua posição de mando em pelo menos três redações, “Veja”, “Jornal do Brasil” e “Piauí” — o que sempre gera desgaste com subordinados, mesmo com os mais talentosos (jornalistas detestam ser criticados e corrigidos) —, estão sendo expostos como se fossem críticas isentas.

O erro de Mario Sergio Conti entra para a categoria dos primários, mas possíveis. O que não se deve é avaliar o trabalho anterior e atual do jornalista pela falha — apenas uma. O ex-editor da “Veja” é um dos melhores jornalistas de sua geração, tanto que, sob sua direção, a revista era bem melhor. Assim como a “Piauí”, sua criação, ao lado de João Moreira Salles, é uma publicação de qualidade. Conti escreve muito bem e não é nenhum néscio. Apesar da crítica negativa de Mino Carta, seu livro “Notícias do Planalto” é uma importante crônica dos anos Collor.

Eli Wallach, mafioso de O Poderoso Chefão, “enganou” o sagaz Mike Corleone mas não a Velha Senhora

Don Altobello ilude, num primeiro momento, o hábil filho de Vito Corleone e se aproximou da Igreja que jogava em dois mundos — o legal e o profano

Três livros que Portugal publicou e o Brasil precisa traduzir com urgência

imp6As editoras “brasileiras”, como Record, Objetiva, Companhia das Letras, Leya e Planeta, não são tão ágeis quanto as de Portugal, que já publicaram três livros apresentados como extraordinários por especialistas: “Fortaleza Vermelha — O Coração Secreto da História da Rússia” (Temas e Debates, 664 páginas), de Catherine Merridale, “Continente Selvagem — A Europa no Rescaldo da Segunda Guerra Mundial” (Bertrand Editorial, 528 páginas), de Keith Lowe, e “A Cortina de Ferro — O Fim da Europa do Leste” (Civilização Editorial, 780 páginas), de Anne Applebaum. Em “Fortaleza Vermelha”, Merridale conta a histór ia da Rússia por intermédio do Kremlin, que é o centro do poder no país desde a Idade Média. O palácio foi “construído para intimidar os súditos do monarca e assustar os emissários estrangeiros”, afirma sinopse da editora. O autor do excelente “Stálin — A Corte do Czar Vermelho”, Simon Sebag Mon­tefiore, escreveu sobre o livro: “Esta crônica do Kremlin é na realidade a história fantástica da própria Rússia, desde os primeiros czares passando por Lênin e Stálin até Putin”. A revista “The Economist” cravou: “Merridale é uma historiadora [professora de História Contemporânea no Queen Mary, Universidade de Londres], mas possui um faro de detetive e o talento literário de uma romancista”. “Continente Selvagem” ganha o elogio de um dos maiores estudiosos da Segunda Guerra Mundial e de Hitler, o historiador inglês Ian Kershaw: “Gráfica e horripilante. Esta excelente obra pinta um retrato pouco conhecido e assustador de um continente mergulhado na anarquia e no caos”. Anne Applebaum, conhecida por sua magnífica história do Gulag, agora vasculha, em “A Cortina de Ferro”, a história dos povos do Leste Europeu sob o socialismo e sob a dominação tirânica da União Soviética. O livro mereceu resenhas entusiásticas. “‘A Cortina de Ferro’, de Anne Applebaum, é com certeza a melhor obra de história moderna que alguma vez li”, anotou A. N. Wilson, no “Financial Times”. “A descrição que Applebaum faz deste período notável é tudo o que um bom livro de História deve ser: resultado de uma pesquisa extensa e brilhante, muitíssimo bem escrito, de uma abrangência enciclopédica e meticuloso nos pormenores”, escreveu, no “Sunday Telegraph”, o pesquisador Keith Lowe. “‘A Cortina de Ferro’ é uma obra excepcionalmente importante que põe em causa muitos dos mitos sobre a origem da Guerra Fria. É um livro inteligente, perspicaz, notavelmente objetivo e resultado de uma pesquisa brilhante”, disse Antony Beevor, um dos maiores historiadores ingleses.

Historiador diz que a Primeira Guerra Mundial foi o acontecimento mais importante do século 20

Layout 1A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) faz 100 anos em agosto e o Brasil está publicando bons livros a respeito, como os de Max Hastings e Niall Ferguson. Vale traduzir “La Gran Guerra — Historia Militar de la Primera Guerra Mundial” (Crítica, 563 páginas, tradução de Juan Rabasseda e Teófilo de Lozoya), de Peter Hart. Este escreve e pesquisa tão bem quanto o notável Antony Beevor. Pesquisador do Imperial War Museum de Londres, Peter Hart diz que “a Grande Guerra [assim era chamada até o início da Segunda Guerra Mundial] foi o acontecimento mais importante do século 20”. O historiador frisa que se trata da primeira guerra que efetivamente pode ser chamada de “mundial”. Milhões de homens morreram nas batalhas — muitos por falta de medicamentos, como antibióticos — e pela primeira vez foram usados aviões, tanques, submarinos e gases asfixiantes. Impérios ruíram e novas ideologias surgiram (o fascismo e o nazismo) ou se fortaleceram (o socialismo, com a Revolução Russa de 1917). Peter Hart assinala que a Grande Guerra mudou o mundo e contribuiu, de maneira decisiva, para a Segunda Guerra Mundial.

Em livro cheio de críticas, viúva do jogador Sócrates também fala de amor

Iúri Rincon Godinho

Longe de ser uma bio de Sócrates, esse livro é uma breve história de amor. Kátia Bagnarelli, uma loira belíssima, capturou o coração do doutor. Viveram cerca de dois anos um amor incondicional, que só a paixão explica — ou não rs.

Kátia revela um pouco das explosivas anotações do ex-jogador, que deveriam, essas sim, virar uma biografia. A autora revela a conturbada relação de Sócrates com a família, em especial os filhos. Sua paixão por Cuba e a terrível decadência física de um ex-atleta com cirrose, vomitando litros de sangue pela madrugada. Em duas partes, discretamente, a autora revela que o doutor continuava a beber e a fumar contra todas as recomendações médicas.

Sobram críticas à Confederação Brasileira de Futebol e ao irmão Raí, que teria pedido que Kátia não falasse por Sócrates enquanto ele estivesse hospitalizado. A pequena parte em que narra um telefonema de Lula é emblemática. O ex-jogador preso a um leito hospitalar recebe a visita de José Dirceu, já enrolado com as denúncias do mensalão, e pede para falar com o presidente. Dirceu, denunciado mas poderoso, liga. Lula atende e conversa rapidamente com Sócrates, que cobra do “barba” sua recente aliança com o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira. Lula enrola, diz que explica pessoalmente em um futuro encontro.

No final da ligação, Sócrates vira-se para a mulher e diz: “É, o barba já não é mais o mesmo”. Para quem era apaixonado pelo socialismo e colocou o nome de Fidel num filho, até que Sócrates nem demorou muito a perceber a mudança.

Iúri Rincon Godinho, publisher da Contato Comunicação, é jornalista.

Serviço:

Título: “Sócrates Brasileiro — Minha Vida ao Lado do Maior Torcedor do Brasil”

Autoras: Regina Echeverria e Kátia Bagnarelli

Editora: PRUMO

Páginas: 240 páginas

Preço: R$ 34,90