Guia Direitos das Pessoas Privadas de Liberdade: CNJ lança documento para garantir dignidade aos presos
17 dezembro 2024 às 09h53
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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou um documento que reúne os direitos de pessoas encarceradas em todo o país. O Guia Direitos das Pessoas Privadas de Liberdade se fundamenta em estudo de decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e em parâmetros definidos pela Comissão homônima. O objetivo do documento é orientar a atuação do Judiciário no atendimento a pessoas que cumprem penas nos presídios do Brasil.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do CNJ, Luís Roberto Barroso, coloca que: “Ao afirmar a dignidade como um valor intrínseco a toda e qualquer pessoa, este guia consolida a vocação maior do Poder Judiciário de proteger direitos e conter o arbítrio, com a estrita observância dos parâmetros protetivos constitucionais e internacionais”.
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O texto foi desenvolvido pela Unidade de Monitoramento e Fiscalização das decisões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, do CNJ. Foram considerados assuntos recorrentes no Sistema Interamericano de Direitos Humanos como prática de tortura, mortes nas prisões, superpopulação carcerária, prisões provisórias, violação ao direito à saúde e perfilamento racial, chamando atenção para reprodução do racismo estrutural.
“Esta publicação ambiciona constituir valioso instrumento para uma atuação do sistema de justiça, em especial do Poder Judiciário, no dever institucional de salvaguardar direitos”, resumiu o presidente do CNJ.
Obrigações do Estado
O Guia elenca algumas obrigações do Estado com relação às pessoas privadas de liberdade. São elas: garantir o direito à vida e à integridade pessoal, resguardar direito à saúde e ao bem-estar, garantir as condições mínimas compatíveis com a dignidade humana, e se certificar de que o método de privação de liberdade “não exceda o nível de sofrimento inerente às condições de detenção”. Além disso, o documento é categórico ao afirmar que “há presunção de que o Estado é considerado responsável por lesões que uma pessoa custodiada apresente”, observação que busca combater violência dentro dos presídios.
O documento
De uma forma geral, o Guia traz uma parte destinada ao Controle de Convencionalidade, na qual se explica como se dá a integração entre as normas internacionais e o ordenamento jurídico brasileiro, com base no artigo 5° da Constituição Federal.
Em destaque, é possível ver casos brasileiros de relevância na Corte IDH. É feita análise de jurisprudência sobre casos que ocorreram no país contendo violações como tortura, superlotação carcerária e violação do direito à saúde, por exemplo. Esse trecho inclui medidas provisórias sobre situações de gravidade e urgência no Brasil, considerando dano irreparável às vítimas. Se elenca os direitos violados, os deveres do Estado e a reparação prevista.
Um dos pontos destacados no documento aborda as prisões provisórias. Veja abaixo um quadro elaborado voltado para atuação dos agentes de Justiça no momento da decretação ou não desse tipo de prisão:
“A cada reavaliação de uma prisão provisória, o juiz deve fundamentar as razões pelas quais considera que a medida deve ser mantida. Mesmo quando existirem razões para manter uma pessoa em prisão provisória, o período de privação de liberdade não deve exceder a razoabilidade”, coloca o documento.
O Guia se complementa trazendo as garantias processuais e o direito à integridade pessoal, que devem ser respeitados em todos os casos, com enfoque, inclusive, para grupos específicos como a população LGBTQIA+, povos indígenas, idosos, Pessoas com Deficiência, entre outros.
O documento do CNJ traz ainda lista de tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e tratados contra tortura, a fim de delimitar quais as normativas internacionais que devem influenciar a condução da Justiça Brasileira.
Por fim, o Guia traz ainda alguns princípios do Soft Law, normativas que, apesar de não serem consideradas obrigatórias, acabam guiando os princípios internacionais. Entre elas estão as regras Mandela (baseada na experiência do líder sulafricano), regras de Bangkok, e outras regras definidas pelas Nações Unidas.
Mulheres
O Guia elaborado pelo CNJ traz orientações específicas para grupos mais vulneráveis. Dentro dessas especificações, está o tratamento previsto para mulheres. “As mulheres em privação de liberdade devem ser supervisionadas e examinadas por funcionárias femininas, e às mulheres grávidas e lactantes devem ser oferecidas condições especiais durante a detenção”, colocam no documento.
O texto considera sempre que existem desigualdades estruturais no tratamento de homens e mulheres, como acesso à educação e recursos econômicos, o que leva a desvantagens estruturais que impactam na vitimização de mulheres.
Entre as recomendações para o grupo, está a adoção de penas alternativas ou substitutivas de aplicação e execução de pena para mulheres grávidas, em parto, ou no período de amamentação, da mesma forma quando a mulher é a principal cuidadora de menores. “Na falta dessas opções, adotar as formas de detenção mais brandas, como prisão domiciliar, ou o uso de braceletes ou tornozeleiras, levando-se em consideração a gravidade do crime”, exemplificam.
O documento avalia outros pontos como combate à violência obstétrica, garantia do acesso à higiene, separação de homens e mulheres, garantia do direito de visitação, entre outros pontos pensados para garantir os direitos básicos das detentas.
População LGBTQIA+
Dentro das normativas estabelecidas pelo documento para pessoas da comunidade LGBTQIA+ estão: não discriminação, separação por autodeterminação, garantia do direito à saúde, adoção de medidas que contribuam para a reinserção social, além de prevenir e investigar todo e qualquer registro de violência.
No entendimento da Corte IDH, “os preconceitos pessoais e os estereótipos de gênero afetam a objetividade dos funcionários estatais encarregados de investigar as denúncias que lhe são apresentadas, influindo em sua percepção para determinar se ocorreu ou não um ato de violência, em sua avaliação da credibilidade das testemunhas e da própria vítima”. No intuito de garantir o respeito aos Direitos Humanos, a Corte IDH considera ainda a existência de crimes de ódio voltados ao grupo, determina a impossibilidade do Estado em agir por motivo de orientação sexual, identidade de gênero e/ou expressão de gênero dos detentos.
O CNJ cobra da atuação do sistema de Justiça medidas que garantam a prevenção, investigação e registro de casos de violência motivada por lgbtfobia. O direito ao início ou continuação do processo de transição de pessoas transexuais também é garantido pela normativa.
Povos indígenas
Pensando nas especificidades dos povos indígenas, o Conselho entende que é preferível adotar medidas alternativas, caso a infração seja compatível, ao entender que “o vínculo dos povos indígenas com sua comunidade é determinante na estruturação da identidade individual e coletiva de seus membros”.
Outro ponto que se busca garantir aos detentos indígenas é a preservação de sua identidade cultural. O sistema brasileiro de Justiça deve “garantir que, no cumprimento de pena privativa de liberdade da pessoa indígena, as instalações e serviços prisionais sejam adequados, na maior medida possível, para assegurar a preservação da sua identidade cultural, em especial seus costumes, rituais, alimentação e acesso a medicinas tradicionais”.
Por fim, o texto coloca a adoção de medidas que visam combater a violência contra detentos indígenas como fundamental para preservação da cultura dos povos originários. Capacitação dos guardas, contratação de profissionais de custódia indígenas e desenvolvimento de políticas prisionais para essa população que contam com participação de outros indígenas foram alguns dos pontos elencados para esse fim.
Pessoas idosas
Assim como orientado para mulheres e pessoas indígenas, também é recomendado a adoção de penas alternativas, caso possível, para pessoas idosas.
Caso seja necessária a prisão, o CNJ estabelece medidas para garantir acesso à saúde, à acessibilidade, à comunicação com familiares, e à reinserção social do detento. Para esse fim, se recomenda a adaptação de ambientes utilizados por essas pessoas, avaliações médicas e psicológicas recorrentes (considerando inclusive problemas crônicos), e programas de educação profissional foram algumas das orientações colocadas.
Em caso de doença terminal, o Guia é categórico ao afirmar: “As pessoas que sofrem de uma doença em estado terminal e recebem cuidados paliativos não devem permanecer em estabelecimentos prisionais, a menos que este conte com esses serviços, caso contrário, o cumprimento da pena deve ser realizado em prisão domiciliar ou em um centro especializado”.
PcD
Da mesma forma como foi posto para idosos em privação de liberdade, o Guia coloca adaptações que buscam acessibilidade como essenciais. Além disso, a garantia de acesso às oportunidades iguais e à saúde é posta como fundamental.
“Os Estados devem adotar medidas efetivas e apropriadas de habilitação e reabilitação para possibilitar que as pessoas com deficiência conquistem e conservem o máximo de autonomia e plena capacidade física, mental, social e profissional, bem como plena inclusão e participação em todos os aspectos da vida”, estabelece entendimento da Corte IDH.
Sintetizando o espírito do documento, o ministro Barroso conclui: “Por fim, o guia conjuga a normatividade internacional sobre o tema, compilando os principais tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro e a soft law amparada nos princípios e nas regras básicas adotadas pela ONU e pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos”.