Carta Branca de Bolsonaro tem senões e porquês
03 maio 2020 às 09h51
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Se negociou mesmo a queda do ministro e da cúpula da PF em troca de governar em paz até 2022, o presidente agido à semelhança de seus antecessores
Após a poeira baixar e os ânimos se reequilibrarem, está na hora de refletir e analisar a saída do ex-juiz federal Sérgio Moro do governo de Jair Bolsonaro. Talvez ambos erraram, mas logicamente, os dois tem lá suas razões.
Sob o prisma do ex-juiz, é fato que Moro não abandonaria a próspera e consolidada carreira na magistratura para se embrenhar numa aventura política. Certamente o presidente eleito prometeu a ele “carta branca” para comandar o Ministério da Justiça e Segurança Pública. É que Bolsonaro teve a honradez de confessar, durante a campanha eleitoral, que não era “expert” em tudo e que, em cada área, seria nomeado uma pessoa competente para o cargo.
Foi assim que, após a análise da longa folha corrida e serviços prestados, a deputada Tereza Cristina ascendeu à pasta da Agricultura; Marcos Pontes ao Ministério da Ciência e Tecnologia; Sérgio Moro na Justiça e, entre outros, o “primeiro-ministro” Paulo Guedes, o chefe da Economia.
A título exemplificativo, na segunda-feira, 27, em entrevista coletiva após reunião de cúpula no Palácio da Alvorada, o presidente Bolsonaro voltou a afirmar que “quem decide sobre economia no Brasil é o Guedes”. Ele já havia dito frase semelhante quando se referiu ao ex-ministro Sérgio Moro.
Circula pela imprensa e redes sociais que Moro havia exigido – além da carta branca no Ministério da Justiça – que Bolsonaro lhe indicasse para ser ministro do STF a partir de novembro, quando o decano José Celso de Mello Filho será compulsoriamente aposentado, por ter atingido 75 anos.
Sérgio Moro desmente tal negociata, em que pese o presidente da República tenha afirmado que ela existiu ou, pelo menos, foi ventilada. Todavia, se Moro fosse alçado ao STF seria apenas em razão do “status”, visto que a fama de impecável jurista não lhe falta, como também é possível que fique milionário ministrando palestras ou advogando para “tubarões” em Brasília, Curitiba, Rio de Janeiro ou São Paulo.
Não faz muito sentido, portanto, Moro condicionar sua participação no governo a uma indicação para o STF. E mais: essa tese cai por terra quando ele se recusa a permanecer no governo e manter o relacionamento institucional com o presidente. Definitivamente, esse não era o alvo de Moro ao aceitar o encargo.
Que o jogo da política é traiçoeiro e que não há “prostitutas virgens” no âmbito do poder, todos os brasileiros sabem. Tanto Moro conhecia bem o passado de Bolsonaro, como também o contrário. Era muito mais do que esperado, portanto, que Moro fizesse uma coletiva para expor o seu descontentamento.
Quem não se lembra que Moro foi capaz de “peitar” o STF, arriscar ser punido pelo CNJ, após enquadrar a ex-presidente Dilma e impedir a nomeação de Lula da Silva como ministro do governo, que traria o foro privilegiado? O ex-magistrado já tinha demonstrado ser um homem de coragem. Nessas circunstâncias, mais um desafio à República foi muito mais do que natural, pelo menos na concepção dele.
Entretanto, quem em sã consciência não sabia que – pela personalidade de Bolsonaro – ele iria responder no mesmo tom? O jogo do “disse-me-disse” e as acusações mútuas nortearam o noticiário e, naquele dia, fez o jornalismo nacional esquecer, até mesmo, a pauta do coronavírus.
Não há dúvidas que o presidente Bolsonaro perdeu uma das reservas morais do seu governo. Moro foi gigante e, praticamente, deu início a uma nova forma de combater a corrupção no Brasil. A confiança dos brasileiros, que o governo federal estava no caminho certo, ruiu para alguns eleitores. Muitos deles – até alguns que sequer votaram em Jair em 2018 – passaram a apoiar o governo, após o ex-juiz aceitar o encargo de gerir o Ministério da Justiça.
Mas Bolsonaro deu mesmo a tal “carta branca”, que prometera a Moro ainda em novembro de 2018? O presidente zelou – de verdade – para que o pacote anticrime de Moro fosse aprovado no Congresso? E o fato de o presidente não vetar o voto de qualidade na CARF? E quanto à retirada do COAF do Ministério da Justiça, transferindo-o para o da Economia? O que dizer do contravapor dos parlamentares federais, ao aprovarem a lei do abuso de autoridade? Não foi um “tapa na cara” de Moro e do próprio Bolsonaro, que elegeu sob essa égide?
Ao exigir que a Polícia Federal lhe municiasse de informações sobre operações policiais, o presidente foi, no mínimo, antirrepublicano. Quais interesses ele estaria defendendo? Ora, se Dilma houvesse interferido na Polícia Federal – como agora quer Bolsonaro – nem a Operação Lava-Jato tinha logrado êxito e nem tampouco Lula teria sido preso!
Escolher o Diretor Geral da Polícia Federal é sim prerrogativa da Presidência da República, contudo, em razão da obrigatoriedade do exercício deste cargo ser exclusivo de delegados da Polícia Federal, exigir essa subserviência e vazamento de informações sigilosas é imoral, irracional e politiqueiro.
Observando o outro lado, o leitor já parou para pensar no reverso dessa moeda? É fato que Bolsonaro foi eleito sob a insígnia da moralidade, do combate à corrupção, do enfrentamento ao crime organizado, entre outras bandeiras que os brasileiros adoraram ouvir. Mas e se o presidente da república, após militar por 27 anos no Congresso Nacional – conhecendo o parlamento como ele conhece – finalmente “acordou” e concluiu que não será possível governar se os presidentes das duas Casas Legislativas – com o apoio dos três maiores partidos DEM, PSDB e MDB – não quiserem?
Pode parecer “teoria da conspiração” ou uma “elucubração inimaginável”, mas, e se o presidente resolveu parar de “dar murro em ponta de faca” e resolveu negociar com o Congresso Nacional, em troca da governabilidade?
É possível que Bolsonaro tenha rifado Sergio Moro? Sabendo que ele não aceitaria a interferência na PF, demitiu mesmo assim o delegado Maurício Valeixo, que acabou por culminar com a saída de Moro. É fato notório que a Polícia Federal mantém inquéritos, não apenas contra filhos de Bolsonaro, mas também contra vários congressistas.
E se o presidente trocou a cabeça de Moro e Valeixo, além da paralisação ou o retardamento das investigações, pela governabilidade?
O presidente eleito com 57 milhões de votos poderia cair, neste caso, na vala comum. Se negociou mesmo a queda do ministro e da cúpula da PF em troca de governar em paz até 2022, terá agido à semelhança de seus antecessores.
Como os brasileiros terão a certeza disso? Fácil. Se líderes do “Centrão” começarem a ocupar cargos estratégicos e as mais de duas dezenas de pedidos de impeachment forem solenemente arquivadas ou esquecidas, essa teoria fará todo sentido.
Entretanto, se a investidas do Congresso contra o seu governo persistirem, será o sinal claro que o presidente foi inexperiente, imaturo, amador e, por fim, jogou toda a confiança de um povo sofrido, na lata do lixo.