Voto distrital puro é o melhor, mas tem chance zero de passar
17 janeiro 2015 às 11h13

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Cientista político Paulo Kramer diz que o grande mal no País é que os políticos têm liberdade para regular a própria atividade

Cezar Santos
Há uma grande variação de pensamentos quando se trata de reforma política, que é uma necessidade para a qual praticamente todos os atores políticos consideram urgente no Brasil. O problema é que essa variação de pensamentos faz com que a reforma política que cada um tem na cabeça seja diferente, com alguns priorizando determinados aspectos da mudança do sistema eleitoral, e outros do sistema partidário.
A avaliação é do cientista político Paulo Kramer, professor da Universidade de Brasília (UnB), consultor e conferencista em marketing político-eleitoral. Segundo o acadêmico, essa diversidade de conceitos estabelece diretamente a dificuldade de chegar a consensos sobre o tema, o que tem empacado dezenas de propostas que dormitam no Congresso.
Paulo Kramer diz que, na verdade, quase se pode dizer que há um sistema eleitoral para cada país; mesmo com sistemas eleitorais muito semelhantes, há diferenças pontuais entre si. Quando mais se aproxima do sistema de representação proporcional, começa a fragmentação partidária, até chegar ao ponto máximo que é o brasileiro, reconhecidamente um problema que distorce nosso sistema. “Veja que nessa legislatura que começa em 1º de fevereiro, teremos 28 partidos representados — na que termina agora são 22”, lembra.
Segundo ele, uma solução de meio termo é o sistema que chamam de alemão, que é o voto distrital misto, que reúne características do distrital puro com o proporcional. O eleitor tem dois votos: num candidato da lista partidária e num candidato do distrito dele. Cinquenta por cento do Parlamento alemão, o Bundestag, é formado por voto nominal e por quem chegou eleito por lista.
Mas Kramer, um estudioso do tema, tem sua preferência: o voto distrital puro. Ele explica que é favorável a esse sistema principalmente por diminuir a distorção na representação eleitoral. Compara com os Estados Unidos, por exemplo, onde são 435 cadeiras na Câmara dos Deputados e cada uma delas corresponde a um distrito.
Os distritos têm de ser comparativamente aproximadamente do mesmo tamanho em números de população ou de eleitores. Isso faz com que alguns Estados tenham um grande número de distritos — nos EUA, o maior é a Califórnia, o mais populoso, tem 55; o Texas, 38; Nova York e Flórida, 29 cada. Os Estados menores têm no mínimo três distritos.
Distorção representativa
Paulo Kramer considera praticamente impossível que o voto distrital puro passe no Brasil. O problema é que em nosso País há um viés de proteger os Estados menos populosos. Como qualquer Estado, por menor que seja, tem de ter pelos menos oito deputados, isso cria distorção representativa. “A chance do distrital puro passar é zero. Por isso se diz que um voto em Roraima vale não sei quantas centenas ou milhares de votos de São Paulo.”
Paulo Kramer diz que na ciência política há quase um axioma estabelecido de que o sistema eleitoral condicional, não determina totalmente, em grande medida o sistema partidário. Um exemplo: países que adotam o voto distrital puro, como Estados Unidos e Inglaterra, os anglo-saxônicos de maneira geral, tendem a produzir um sistema bipartidário.
“Nesse sentido, o voto distrital puro é o máximo de majoritarismo, porque o vencedor ganha tudo. Num distrito quem tem 51% dos votos é eleito, e os que ficam com 49%, uma minoria parruda, vão para o lixo”, lembra o professor.
O que o cientista político definitivamente reprova são as coligações proporcionais, que ele chama de “verdadeira palhaçada” que precisa acabar. Ele lembra que essas coligações não têm absolutamente nada de programáticas e ideológicas e se desfazem no dia da contagem dos votos, no dia da eleição mesmo.
O acadêmico afirma com essa falta de lógica das coligações proporcionais, o sistema proporcional à brasileira produz muita fragmentação — estão aí os 28 partidos na próxima legislatura— e leva à necessidade de o Executivo “comprar” a maioria das siglas.
“Nas minhas aulas costumo dizer o seguinte: no parlamentarismo britânico, a maioria dos eleitores forma o governo, uma vez que o governo é formado pelos partidos majoritários; aqui é o contrário, o governo é que tem de formar a maioria depois da eleição. Para isso usa aqueles recursos que a gente sabe: mensalão, emendas ao orçamento, distribuição de cargos, criação de excesso de pastas. No governo de Dilma, talvez os 39 ministérios nem sejam suficientes para contemplar a base governista”, afirma.
O acadêmico tem razão. No apagar das luzes de 2014, o Congresso Nacional cometeu mais um ato que mostra que o chamado presidencialismo de coalizão, ou de cooptação, chegou à sua expressão mais acabada. O governo “comprou” o Congresso, que aprovou o Projeto de Lei (PLN) 36/2014, anistiando a irresponsabilidade fiscal da primeira gestão de Dilma Rousseff, aprofundando a já combalida imagem da economia brasileira.
Os parlamentares que aprovaram o golpe na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) receberam por isso, na forma de nomeações de ministros e na liberação de emendas. Essa liberação constava de um escandaloso decreto presidencial que condicionava a aprovação do golpe na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
“Financiamento de campanha já é público em grande parte”
Paulo Kramer se diz contra financiamento exclusivamente público de campanha, lembrando que muita gente, principalmente petistas, vendem isso como uma panaceia. Afirma que já chegou a “namorar” essa ideia, mas na observação da vida prática, indo um pouco além das teorias políticas, pôde ver que “o buraco é mais embaixo”.
Ele diz que levando em conta aquela premissa de que o político tem uma liberdade quase total para regulamentar a própria atividade, pode-se concluir que aquele valor de 7 reais por eleitor, calculado pela Justiça Eleitoral, nada impede que na próxima eleição, os parlamentares coloquem isso valendo 10 reais, na outra 14, na outra 20 e assim por diante. “E aí, realmente, vai começar a faltar dinheiro para saúde, educação e segurança pública.”
Kramer afirma ainda que não se pode esquecer que o financiamento da campanha já é parcialmente público. Uma parte vem do fundo partidário e quando o Estado abre mão do imposto das emissoras de rádio e TV no período do programa eleitoral gratuito, logicamente quem banca esse subsídio tributário é a sociedade.
Ele diz que é preciso no Brasil descriminalizar o financiamento privado, pôr fiscalização mais rigorosa. Considera que seria um avanço proibir pessoa jurídica de fazer doação, mesmo consciente de iria trazer um transtorno enorme no início, porque todas as regras, todo o costume político está baseado nisso. Como se sabe, hoje as grandes empresas é que contribuem para as campanhas, são elas os doadores de sempre.
“Por isso, é mais um motivo pelo qual se precisa dar um tempo antes da reforma política entrar em vigor, para que possa haver uma adaptação por parte dos políticos e dos doadores a esse novo ambiente. É bom lembrar que nos Estados Unidos, onde não existe programa eleitoral gratuito e tudo é pago, e rola muito dinheiro nas eleições, a doação por pessoa jurídica é proibida. Quem pode doar é a pessoa física do empresário, do sindicalista, mas não a empresa”, lembra Paulo Kramer.