Ex-prefeito de Senador Canedo acreditou demais na própria capacidade e depois fez alianças erradas na política

Henrique Morgantini
Especial para o Jornal Opção

Vanderlan Cardoso, a novidade velha da política goiana: terá de renegar o que disse em passado recente | Fernando Leite/Jornal Opção
Vanderlan Cardoso, a novidade velha da política goiana: terá de renegar o que disse em passado recente | Fernando Leite/Jornal Opção

Vanderlan Cardoso foi uma novidade. Assim como “A Novidade”, música de Gilberto Gil de grande sucesso radiofônico, na qual seus versos mesclam a poesia singular do baiano e fortes versos de apelo social para um Brasil dos anos 1980, perdido em desigualdade. Tão antiga, tão atual. E, tal qual a novidade, a que “veio dar à praia na qualidade rara de sereia”, Vanderlan Cardoso um dia foi o novo que surgia nas areias da metafórica praia da política estadual.

Pelo menos foi nesta postura que ele se apresentou em 2010 quando foi candidato ao governo de Goiás pela primeira vez. Mais do que novidade, ele era a renovação, a reinvenção da forma de fazer política e de gerir. Com Vanderlan, a terceira via nunca soou tão viável. Era o Marconi 2.0.

Afinal, ele era “pop” por assim dizer. Por pelo menos dois motivos:

Cardoso vinha de duas gestões de grande aprovação e com a realização de mudanças na cidade de Senador Canedo para além dos tradicionais discursos. Vanderlan realmente fez. Fez para si e para a cidade, tendo em vista que ao construir seu patrimônio político a partir do tímido mas pujante município, o empresário também colocou a cidade da região metropolitana de Goiânia em um patamar que ela jamais havia sido considerada em termos de participação na agenda política regional.

A outra razão é sua própria biografia. Vanderlan é o perfil exato, milimétrico, do self-made man. O sonho conceitual americano É a representação dos homens que se fizeram pessoal e economicamente sozinhos. Aqueles que saíram da pobreza ou da realidade sem grandes perspectivas e se tornaram personalidades poderosas, homens ricos solidificados na força da própria vontade, do empreendedorismo e na astúcia.

Vanderlan seria um personagem clássico de Horatio Alger, o difusor – se não curador – do conceito do sonho americano. O escritor que di­fundiu o “Rags to Riches” (algo como dos trapos à riqueza). Van­der­lan Cardoso é de Iporá e sua declaração de bens para as eleições de 2014 passa da casa dos R$ 30 milhões. O PIB de Iporá é pouco acima dos R$ 211 milhões e só um filho da cidade tem mais de 14% de sua geração anual.

Horatio Alger ficaria extasiado com o goiano.

Tudo isto fez/fazia/poderia ter feito de Vanderlan um político diferente, uma novidade como ele queria e tinha razão para reivindicar ser.

Mas, acontece que Vanderlan se perdeu. Talvez o excesso de confiança e fé no sucesso que tão bem o serviu ao longo da vida o fez cair numa dura realidade de derrota depois do resultado das urnas de 2010. Talvez esta combinação tenha feito o golpe doer ainda mais. E então, o empresário que se tornou milionário sem depender de relações de poder da política, que se tornou prefeito sem ser um político profissional, repentinamente quis mudar a estratégia. A novidade que, como na música de Gil, “era o máximo”, acaba-se por começar a se metamorfosear em “o paradoxo estendido na areia”.

Vanderlan era esta sereia bonita na política. E pode se tornar apenas um sonho que Goiás teve.

Isto porque após o pleito, o de­tentor da mensagem da renovação se comportou como um adversário menor, abatido. Deixou de lado o conceito do novo para se tornar mais um. Vanderlan deixou de bancar uma imagem própria para se tornar um político profissional: mais do mesmo.

Bancar uma derrota não é fácil. Seguir firme no mesmo após a derrocada é para os obstinados. E dizer que um sujeito pobre que se torna o mais rico candidato de Goiás não tem foco e determinação seria piada. Mas, talvez por falta de opções e orientações que fugissem do óbvio, Vanderlan caiu na vala comum. Foi buscar abrigo não somente em políticos escolados, professores do vício, medalhões. Ele foi além e deu dois passos para trás no tabuleiro. Ao entrar no PMDB pós-derrota de 2010, Vanderlan encontrou aconchego no grupo que já tinha perdido quatro disputas. Mais do mesmo ao quadrado.

Se aliar-se a Perillo seria ruim, ao PMDB de Iris era uma tragédia.

A partir de então, se envolveu em dis­putas inglórias e inférteis com quadros como Adib Elias e outros nomes satélites do PMDB. Não é questão de menosprezar a trajetória de qualquer político goiano, mas a impressão que se tinha era que Vanderlan não era disso, não era para se tornar mais um na multidão. Ain­da mais na multidão pra lá de batida, desgastada e vencida do PMDB. Política é feita se escolhendo lados. Mas o determinante é deixar claro para quais lados você não deve ir.

Ir para todos os lados não é escolher, é sobrar.

Quando tudo parecia ter chegado ao limite do desgaste, Cardoso conseguiu se superar: aliou-se de forma quase consanguínea a Ronaldo Caiado. Se tinham em comum uma espécie de “ódio” a Marconi Perillo, o empresário não precisava ostentar uma paixão fraternal tão intensa pelo recém-aliado Caiado. A Novidade havia feito escola no PMDB e se formado no PFL. Era mais um episódio do triste fim de uma trajetória de renovação, que prometia ser brilhante.

Ao fazer este movimento, Van­derlan não somente sucumbiu à roda da política tradicional como também deixou um recado para os futuros políticos que querem fazer algo de diferente: não tentem, não compensa. E, por isto, Vanderlan Cardoso tornou-se, nas eleições de 2014, uma versão do Pneu­motórax de Bandeira: o político que poderia ter sido e não foi. O resultado foi o mes­mo: o que poderia ter sido e não foi: mais do mesmo ao cubo.

Agora, não mais numa tentativa de ser novidade, mas de obter apenas uma sobrevida política – e quem sabe obter a chance de um recomeço – o ex-prefeito de Senador Canedo refugia-se novamente onde já foi lombo e chicote. Busca conforto em quem ele deveria ter sido e não foi. Se, antes, se anunciava como o novo do novo, agora tenta encontrar remédio para suas enfermidades em Marconi Perillo. Deixa de ser planeta para se candidatar a satélite numa triste órbita já viciada e com excesso de contingente.

Se até o primeiro trimestre de 2010 Cardoso era aliado de Perillo, tornou-se seu adversário por duas eleições e agora terá dificuldades para tentar apagar da memória do seu próprio eleitor tudo o que ele já disse sobre o Estado gerido pelo tucano. Terá de desdizer opiniões como “governo atrasado e pouco transparente” e por aí vai. Nada mais profissional e típico num político de carreira: tentar apagar o que se disse.

Lá se vai a novidade, perdendo-se na praia já sem a “qualidade rara de sereia”. Vanderlan abriu mão de tentar ser o único para, agora, arriscar ser mais um.

A desistência de Cardoso gera uma silenciosa massa de órfãos que esperam, ainda, por uma novidade que não respire os ares da política feita em portas fechadas e com alianças de oportunidade. “Esque­çam o que eu falei”, começa a repetir o mantra de Cardoso. Nada novo, tudo igual e todos.

A Marconi, resta recolher Vanderlan Cardoso em seu pedido de abrigo com vistas às eleições metropolitanas do próximo ano. O persistente Vanderlan, que já disse estar cansado de concorrer sem aliados, mas se esquece de que suas alianças foram fruto de suas escolhas, sonha em ter a estrutura de Marconi numa possível disputa à Prefeitura. Sem precisar fazer qualquer compromisso, resta ao governador dar o abraço do vencedor no derrotado e, aos amigos, soltar um sorriso de canto de boca, como quem diz “eu já sabia”.

Na canção de Gil, a disputa entre o poeta e o esfomeado acaba por es­traçalhar a tal sereia bonita. O sonho, acaba sendo despedaçada pela realidade da fome, da ganância, da vaidade.
Não há tanta poesia, tampouco poetas, na política, mas o que mais se tem são esfomeados pelo poder despedaçando sonhos e projetos. São os verdadeiros “paradoxos estendidos ali na areia”.

Resta-nos observar e saber se a novidade, que seria um sonho, um milagre risonho da sereia, irá se tornar um pesadelo tão medonho…