Apesar da crescente indignação, o compromisso do cidadão com a fiscalização dos gastos públicos ainda é muito pequeno

Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, e a maquete das novas estruturas para seus colegas: gasto de bilhões em meio a ajuste e manifestações
Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, e a maquete das novas estruturas para seus colegas: gasto de bilhões em meio a ajuste e manifestações

Elder Dias

Acabo de mandar para a diagramação uma longa matéria sobre como é a relação dos suecos com seus poderosos: políticos, magistrados e demais autoridades. Em Estocolmo, não tem essa de “vossa excelência” ou de “meritíssimo”. Todo mundo é chamado de “você”, do juiz ao condenado, do primeiro-ministro ao mais isolado cidadão. Doutor lá é quem tem doutorado e, mesmo assim, não passa um título da esfera acadêmica, respeitado puramente por seu valor científico. Não tem capital diante da sociedade, não é arma de “status”, não vão abrir por causa dele um tapete vermelho a seu detentor nem lhe dar o poder da amnésia intimidatória diante de um semelhante — o famoso “você sabe com quem está falando?” —, exatamente por seu semelhante ser um igual.

Ao mesmo tempo, o assunto da semana em Brasília, é a aprovação da construção de um novo prédio para o Poder Legislativo. Faz tempo que os deputados acham que não cabem mais em si, literalmente: durante as décadas, à estrutura original já foram ajuntados três novos prédios, chamados anexos. Para ganhar a eleição à presidência da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) se dispôs a bancar mais edifícios. O objetivo: dar mais conforto aos deputados.

maqueteQuando a capital federal foi transferida do Rio, em 1960, o País tinha 326 deputados federais. Hoje, são quase 200 a mais: 513. Há 30 anos, o Legislativo tinha 10 mil servidores a menos, entre concursados e comissionados, do que os 18 mil atuais. Realmente, há uma explosão populacional por aqueles lados da Praça dos Três Poderes. Não só lá, claro, mas ironicamente grande parte dos legisladores critica o inchaço da máquina pública no Executivo, comandado por quem está ali do lado, no Palácio do Planalto.

Para buscar cumprir seu trato com seus eleitores — não as centenas de milhares do Rio (ele teve 232.708 votos), mas as centenas de deputados de Brasília —, Eduardo Cunha usou uma artimanha conhecida na gíria parlamentar como “jabuti”: enfiou um artigo que permitia a realização de parcerias público-privadas (PPPs) pelo Legislativo como adendo de uma medida provisória que tratava da tributação sobre produtos importados. Estranho, confuso, escandaloso? Sim, mas com efeito legal. Algo tão coerente como aprovar uma reforma política com um parágrafo destinado a autorizar ajuda financeira para a restauração das estátuas da Ilha de Páscoa.

É o pior do “jeitinho brasileiro” elevado ao grau da desfaçatez impune: fazem assim — e fazem coisas ainda mais graves — porque os olhos de seus supostos representados estão distantes de seu dia a dia. Aí chegamos a um ponto nevrálgico: apesar das recentes e massivas manifestações de 2013 e 2015, que serviram para mostrar um crescente no coeficiente de indignação da população, o grau de compromisso do cidadão brasileiro médio com a defesa do que gasta do próprio bolso para sustentar o poder público ainda é muito pequeno. Ou seja: no fundo, a culpa de Eduardo Cunha estar construindo um shopping para servir aos deputados e seus assessores é do eleitor. Minha, sua, nossa.

De fato, não é somente o hábito cultural que faz um político sueco ter tanta probidade. Muito mais do que qualquer sentido ético-moral, o que faz um dono de cargo público da Escandinávia agir de forma totalmente oposta em relação ao erário do que um colega seu dos trópicos é a intensa vigilância da população. Não há vistas grossas sobre o destino do dinheiro do contribuinte. Pelo contrário, paira sobre os responsáveis por administrá-lo uma espécie de superlupa.

Preocupado com a corrupção no varejo, na sanha de sempre buscar um judas (Dilma? José Dirceu? Collor?) para malhar na mesma proporção da caça ingênua e inócua por um messias (Lula? Joaquim Barbosa? Collor?) para salvar a Pátria, o brasileiro não aprendeu a fiscalizar os rombos institucionalizados. Aqueles que passam por votação, por decreto, os que são aprovados legalmente. O resultado: só um dos anexos vai custar em torno de R$ 1 bilhão.

Procurado pela imprensa para dar explicações sobre as novas edificações da Câmara, que incluem um centro de compras, Eduardo Cunha não se furtou a justificar: não será dinheiro da Câmara, mas do grupo que vencer a licitação para a PPP. Sim, ele quer convencer alguém de que dinheiro público não entrará na roda da fortuna. E vai ter gente para acreditar.

Outro que em vez de se esquivar acabou se vangloriando do feito obtido para os colegas foi o primeiro-secretário da casa, Beto Mansur (PRB-SP) — acusado de trabalho escravo, inclusive de menores, em fazendas que mantém em Goiás —, cujo próprio site alegou que o caminho da parceria público-privada “tem a finalidade de dar agilidade e segurança jurídica para a Câmara escolher a melhor proposta para a construção dos novos anexos”.

Enquanto isso, o Brasil ocupa o último lugar entre 30 países no que diz respeito ao Índice de Retorno de Bem-Estar Social (Irbes). Em resumo, é a medida que se usa para medir o custo-benefício entre o que se paga de impostos (carga tributária) e o que isso volta em forma de benfeitorias para a sociedade.

A cada ano, cada cidadão do País trabalha 5 dos 12 meses para pagar impostos. Mas não faz muita questão de fiscalizar sua aplicação. Não sabe da qualidade do material comprado para a escola, dos equipamentos para o posto de saúde, da espessura do asfalto. Também não entende a dimensão dos gastos dos políticos com eles mesmos como sendo um ataque a seu próprio bolso.

Brasileiros nunca serão suecos. Mas os políticos daqui poderão um dia agir como os de lá, em relação ao trato do dinheiro público — se nesse dia o cidadão daqui for, como o de lá, zeloso por aquilo que é tirado de seu salário para virar imposto. Antes disso, quantos shoppings serão erguidos por Eduardos Cu­nhas país adentro?

E se fosse na Suécia?

Declarações de deputados durante aprovação das novas construções da Câmara provam: rubor na face não é algo comum no Legislativo nacional

2“Quando JK veio construir Brasília foi criticado por todo mundo. Quase todo Parlamento criticou JK. Ele teve um ato de coragem. E Vossa Excelência está mostrando a mesma coragem que JK mostrou nos anos 60. Futuramente o senhor será aplaudido.”
Deputado Edson Moreira
(PTN-MG)

 

3“Não temos sequer um restaurante para almoçar. Quando vamos almoçar, onde é bom, tem uma fila enorme. Nós não temos sala. Sou coordenador da bancada gaúcha e nós ão temos sala para fazer reuniões da bancada gaúcha aqui dentro. Não tem espaço. Parabéns senhor presidente. O senhor está sendo um presidente do Sindicato dos Deputados.”
Deputado Giovani Cherini (PDT-RS)

4“Quando este Colégio foi criado, éramos 243. Hoje somos 513. E passamos a viver em puxadinhos. Será que nós temos condições dignas para receber delegações estrangeiras nas dependências desta Casa? Será que podemos receber um convidado no cafezinho da Câmara?! Não! É preciso fazer essa ampliação. Não é shopping center. Não podemos viver eternamente com complexo de vira-lata.”
Deputado Heráclito Fortes (PSB-PI)