Proposta enviada à Câmara dos Deputados pelo governo federal altera a relação entre empregados e patrões, o que abre a discussão sobre uma possível flexibilização da relação e condições de trabalho

Projeto de Lei enviado ao Congresso pelo governo federal é analisada no momento em que o desemprego já atinge mais de 12 milhões de pessoas | Foto: Rafael Neddermeyer / Fotos Públicas

Você pode ter ouvido falar alguma coisa sobre ela, talvez não tanto quanto queria para entender melhor do que se trata essa tal Reforma Trabalhista em discussão no Congresso Nacional. Mas a partir de agora ela se torna pauta obrigatória da Câmara dos Deputados e pode render discussões acaloradas em diferentes grupos da sociedade.

No dia 22 de dezembro de 2016, o governo federal convocou uma coletiva de imprensa e anunciou que enviaria ao Congresso uma proposta elaborada pelo Executivo para alterar duas leis que tratam diretamente de direitos e a relação de trabalho entre empregador e empregado. Trata-se do Projeto de Lei número 6.787, de 2016 (PL 6.787/16), que prevê mudanças no Decreto-Lei número 5.452, de 1º de maio de 1943, e na Lei número 6.019, de 3 de janeiro de 1974.

São nove páginas com alterações e justificativas do governo federal para tentar promover uma reforma nas leis trabalhistas. O Decreto-Lei 5.452/43 é mais conhecido como o texto que aprova a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). De forma geral, a CLT é a responsável por reger a maior parte das relações trabalhistas no Brasil. Apesar de ter sido assinado em 1º de maio de 1943, a legislação autorizada pelo presidente Getúlio Vargas só entrou em vigor no dia 10 de novembro do mesmo ano.

Já a outra legislação que vem a ser discutida pelo PL 6.787/16, a Lei 6.019/74, entrou em vigor com a sanção do presidente militar Emílio Garrastazu Médici, durante a ditadura, no dia 3 de janeiro de 1974. Essa legislação inclui 20 artigos que dispõem sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas. E é justamente nessas duas regras que envolvem relações trabalhistas que o Projeto de Lei do Poder Exe­cutivo pretende mexer.

Comissão Especial

Presidente da Comissão Especial da Reforma Trabalhista, deputado Daniel Vilela (PMDB) prevê aprovação tranquila da proposta
| Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Apesar da expectativa, não houve pedido de tramitação em caráter de urgência para análise do Projeto de Lei da Reforma Traba­lhista. No dia 9 de fevereiro, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), determinou por ato da Presidência da Casa, a criação e composição, de acordo com acordado pelas bancadas, da Comissão Especial da Reforma Trabalhista. Os trabalhos foram iniciados às 15 horas do mesmo dia.
Com três audiências públicas realizadas até o momento, a Co­missão Especial, que é presidida pelo deputado federal goiano Daniel Vilela (PMDB), prevê a realização de 16 discussões com as diversas partes interessadas em analisar a proposta apresentada ao Congresso pelo governo federal. O relator escolhido para analisar as nove páginas do PL 6.787/16 é o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), que acredita que terá condições de apresentar seu parecer sobre o projeto no dia 4 de maio.

A votação na Comissão Especial da Reforma Trabalhista está prevista para acontecer no dia 11 de maio. Tanto o relator Rogério Marinho quanto o presidente Daniel Vilela dizem acreditar que em abril isso deva acontecer. “É um projeto que deve passar com folga na Câmara, diferente da Reforma da Previdência, cuja tramitação é uma incógnita”, observa o peemedebista.

Composta por 37 deputados titulares e 37 suplentes, a Comissão Especial da Reforma Trabalhista recebeu, de acordo com Daniel, mais de 100 pedidos de convites para que pessoas diferentes participem das audiências públicas por meio de requerimentos dos parlamentares. Além dos eventos realizados pelo grupo de trabalho na sala destinada à análise da proposta na Câmara, reuniões em outras cidades também serão realizadas.

“Vamos fazer uma reunião em Goiânia, no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO). A data ainda não está definida.” Segundo o presidente da Comissão Especial, todos os lados poderão discutir o tema enquanto durarem os trabalhos do grupo de deputados destinados a analisar a proposta de Reforma Trabalhista. “Do jeito que ela está apresentada hoje não vejo dificuldade na sua aprovação, até por ser uma reforma muito tímida”, explica Daniel.

O que muda

O PL 6.787/16, de autoria do go­verno federal, modifica sete artigos do Decreto-Lei 5.542/43 (CLT). Veja as principais alterações:

Manter empregado não registrado incidirá em multa de R$ 6 mil por funcionário irregular ao empregador; para micro e pequenas empresas, a multa será de R$ 1 mil;

Trabalho em regime de tempo parcial passa a valer para uma carga horária de 30 horas semanais sem hora-extra ou 26 horas por semana com até 6 horas suplementares semanais;
Contratos de tempo parcial com carga horária menor a 26 horas semanais, as horas a mais serão consideradas horas-extras com limite estabelecido também em 6 por semana;

O trabalhador poderá dividir suas férias em até três vezes por ano, com a pos­sibilidade de venda de um terço do tempo total das férias;

Empregado eleito em assembleia como representante dos trabalhadores de empresas com mais de 200 trabalhadores terão mandatos de dois anos com possível reeleição e ficam impedidos de serem demitidos até seis meses após o fim do mandato.

Convenções e acordos coletivos de trabalho passam a ter valor de lei em 13 casos: parcelamento das férias em até três vezes, cumprimento da jornada de trabalho (carga máxima de 220 horas mensais), participação nos lucros e resultados da empresa, tempo gasto para ir e voltar do trabalho quando não há transporte público ou região de difícil acesso, intervalo com respeito ao mínimo de 30 minutos, plano de cargos e salários, inclusão no Programa Seguro-Emprego, ultratividade da norma ou do instrumento coletivo de trabalho da categoria, regulamento empresarial, banco de horas, trabalho remoto, remuneração por produtividade e gorjetas, além do registro da jornada de trabalho.

Na Lei 6.019/74, do trabalho temporário, são as principais mudanças:
O contrato de trabalho temporário passa de 90 dias para até 120 dias, que não inclui empregados domésticos;

O contrato temporário poderá ser prorrogado, desde que não supere o máximo de 120 dias estipulados como limite;
Ao fim do contrato temporário, a empresa não pode firmar novo contrato de trabalho temporário;

O contrato deve ser feito de forma escrita, com previsão de multa de até 20% à empresa que descumprir a norma com base de cálculo no salário básico estabelecido na contratação.

Empresários e sindicatos não falam a mesma língua ao discutir proposta

“O governo federal acertou em citar quais as situações o acordado vai valer acima do legislado quando propõe mudanças na relação entre empregado e empregador.” A afirmação do presidente da Comissão Especial da Reforma Trabalhista na Câmara, o deputado federal goiano Daniel Vilela (PMDB), mostra que o Projeto de Lei do Executivo número 6.787 de 2016 (PL 6.787/16) caminha com negociação para que sua aprovação aconteça sem grandes imprevistos na Casa.

De acordo com o parlamentar, a proposta, que tem condições de ser aprovada com facilidade pela Câmara dos Deputados, terá seus pontos considerados mais polêmicos amplamente discutidos nas 16 audiências públicas. “O discurso contrário é mais político do que técnico. Inclusive algumas frentes sindicais já entenderam que o projeto é positivo para o mercado de trabalho brasileiro.”

Na justificativa da proposta, o governo afirma que, desde a redemocratização, ocorrida em 1985, houve uma evolução no diálogo que define a relação entre trabalhadores e empregadores no Brasil. O texto enaltece o fato de a Constituição Federal, em seu artigo 7º, ter incluído as convenções e acordos coletivos. “O amadurecimento das relações entre capital e trabalho vem se dando com as sucessivas negociações coletivas que ocorrem no ambiente das empresas a cada data-base, ou fora dela.”

Ele complementa que a atuação do governo se faz cada vez menos necessária nessa área pelo fato de que “há muito tempo” categorias diversas de trabalhadores têm se entendido com as empresas em que atuam. “Con­tudo, esses pactos laborais vêm tendo a sua autonomia questionada judicialmente, trazendo insegurança jurídica às partes quanto ao que foi negociado. Decisões judiciais vêm, reiteradamente, revendo pactos laborais firmados entre empregadores e trabalhadores, pois não se tem um marco legal claro dos limites da autonomia da norma coletiva de trabalho”, aponta a justificativa do projeto.

Discordância

Renaldo Limiro (Acieg) e Pedro Alves (Fieg) defendem o fortalecimento da relação trabalhista por meio de acordos coletivos | Fotos: Fernando Leite / Jornal Opção

É justamente a relação entre empregado e empregador que gera a grande discussão em torno do PL 6.787/16. De um lado, o setor produtivo, representado pelos empresários, defende um entendimento maior por meio de acordos e convenções coletivas com valor terminativo firmados entre trabalhadores e patrões. Já os sindicatos que representam os empregados entendem que as mudanças previstas na reforma em tramitação na Comissão Es­pecial tornam cada vez mais precárias as condições de trabalho.

Para o vice-presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços do Estado de Goiás (Acieg), Renaldo Limiro da Silva, o setor produtivo aposta nas melhorias das condições de trabalho que serão proporcionadas a partir do fortalecimento do que for acordado entre empregadores e empregados. “Acordos coletivos firmados, ou convenções coletivas, com sindicatos adicionam direitos aos trabalhadores. Não há redução de direitos, sim a flexibilização da relação entre os dois lados.”

Limiro afirma que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, ainda do governo Getúlio Vargas, entendia que toda a legislação deveria ser benéfica ao trabalhador, já que considerava o empregado como hipossuficiente. O vice-presidente da Acieg entende que essa carência ou desprovimento de direitos deixou de existir há muitas décadas, com uma enormidade de leis que resguardam os trabalhadores.

“Quando um acordo feito entre empregado e empregador é respeitado, sem infringir qualquer legislação, dá a possibilidade ao empregador de se adequar. É isso que o setor produtivo defende, que prevaleça o avanço na negociação entre as partes.” Limiro critica a atuação dos sindicatos, que ele define como “cabide de emprego”. “Deveria haver uma reforma sindical para discutir a atuação dessas entidades”, observa.

Carga horária maior
Precarizar as condições e direitos de trabalhadores não é o que defendem os empresários, segundo o vice-presidente da Acieg. “Temos situações de adequações da carga horária de trabalho que podem ser compensadas com banco de horas ou pagamento de hora-extra”, afirma. Outra medida prevista na reforma discutida por Limiro é o contrato temporário de até 120 dias, que serviria para atender a demandas diferentes de necessidades do mercado. “No caso dos resorts, por exemplo, que têm temporadas, em que há a necessidade de ter mais funcionários do que em outras épocas do ano, superam os 90 dias.”

O ponto em que sindicatos e empresários concordam é o de aplicar multas mais caras para empresas que não registram seus funcionários. “Ninguém vai poder se usufruir de trabalhadores em situação irregular. É resguardado também ao temporário o direito a ter sua carteira assinada, recolhimento de FGTS, recebimento de um terço de férias”, diz Limiro.
Da mesma forma pensa o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg), Pedro Alves, que defende a revisão de uma legislação criada em 1943. “Há 74 anos, a maioria da população brasileira estava no campo. Hoje o mercado tem a maior parte de suas atividades nas cidades. Por isso é preciso melhorar as relações de trabalho na lei.”

Desemprego
Com mais de 12 milhões de desempregados no Brasil, o presidente da Fieg alerta que estão afundando no mesmo barco empresários e trabalhadores, com empresas em processo de falência, recuperação judicial, fechadas e postos no mercado deixando de existir. “Quando as negociações coletivas passarem a prevalecer, os empresários serão obrigados a negociar. Funcionários e empregadores não podem ficar em lados opostos”, alerta.

O presidente da Fieg prega que haja bom senso e entendimento das duas partes para encontrar um caminho para um melhor relacionamento entre empregadores e empregados.

O outro lado

Bia de Lima e Mauro Rubem, presidentes do Sintego e da CUT-GO, não aceitam que direitos trabalhistas sejam ameaçados | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Mas não é o que entende Maria Euzébia de Lima, a Bia de Lima, presidente do Sindicato dos Traba­lhadores em Educação de Goiás (Sintego). Para ela, não há outra posição a se colocar a não ser estar terminantemente contra o PL 6.787/16.

“Essa reforma joga fora todas as conquistas dos trabalhadores. Preci­samos aperfeiçoar a CLT. Não podemos aceitar que sejam enfraquecidas as leis trabalhistas.” Bia entende que há uma tentativa de afastar os sindicatos das negociações com empregadores. “É necessário que tenhamos negociações coletivas aprovadas em assembleia. Não dá para flexibilizar direitos”, declara.

Sobre a justificativa apresentada pelo governo federal de que a reforma garantirá um novo aquecimento do mercado de trabalho, com a possibilidade de diminuir o desemprego no País, Bia afirma que “os interesses não são esses, mas outros”. “Isso é desculpa, dizer que vai garantir postos de trabalho. No governo Dilma, houve desoneração da folha de pagamento, que diminuiu a arrecadação de impostos. Essa mesma ação foi usada para criar a mentira do rombo da Previdência.”

Antes do impeachment, houve uma série de demissões, com a decisão de retirada de encargos, o que não gerou novos postos de trabalho, de acordo com a presidente do Sintego. “O que o governo quer é facilitar a vida dos empresários. Quem perde sempre é o trabalhador”, critica. Bia diz ser contra qualquer possibilidade de enfraquecimento da CLT, inclusive com a possibilidade de acordos e convenções coletivas terem valor legal superior à Consolidação das Leis do Trabalho.

Volta à escravidão
“O que estamos vendo é a volta para a escravidão sem senzala ao apresentar uma proposta de reforma como essa.” A declaração contrária ao PL 6.787/16, dada pelo presidente da Central Única dos Trabalhadores de Goiás (CUT-GO), o ex-deputado estadual Mauro Rubem, em nada concorda com o discurso das entidades patronais entrevistadas pelo Jornal Opção. Ao contrário. Mauro Rubem diz não ver qualquer possibilidade de avanço ou melhoria no quadro de desemprego com mudanças como as previstas na proposta do governo federal.

O presidente da CUT-GO afirma que o trabalhador precisou de 150 anos para conseguir que fosse fixada uma jornada de trabalho justa. “Quando o patrão fala em até 12 horas de carga horária diária é para estabelecer que se trabalhe quando ele quiser. Querem quebrar o limite estabelecido pela CLT. A intenção é estabelecer cargas maiores nos dias em que eles acham interessantes.”

Mauro Rubem afirma que o erro não está só na atual proposta de Reforma Trabalhista, mas no eixo central dos 55 projetos que tentam modificar as condições de trabalho no País. “O ideal é reduzir a carga horária sem diminuir salários, como acontece em outros lugares do mundo. Eles querem acabar com sindicatos, fazer com que acordados valham mais do que o legislado. Isso é inaceitável”, declara.

Fuga de empresas
Na visão do presidente da CUT-GO, não há saída que não caminha para o lado de apostar no investimento nos ciclos produtivos, na exploração das riquezas econômicas. “As empresas brasileiras estão indo para outros lugares em procura de mão de obra mais barata, como é o caso do Paraguai. Isso é oficializar a precarização das condições de trabalho.”

Ter 90 dias como prazo máximo de um contrato temporário já é muito, diz Mauro Rubem. Para ele, a solução está no investimento e incentivo na economia, não na tentativa de mexer na relação de trabalho. Está marcado para 15 de março o Dia Nacional de Protesto e Paralisação contra as reformas do Trabalho e Previdenciária pelas forças sindicais. E em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, serão realizadas ações contra a reforma da Previdência. l