PT, uma sigla partida
05 junho 2015 às 15h45
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Constante perda de popularidade de Dilma Rousseff faz a legenda se voltar contra seu próprio governo
Cezar Santos
Oito em cada dez brasilienses reprovam o governo da presidente Dilma Rousseff (PT). Na verdade, é mais que isso. Um levantamento realizado pelo instituto Paraná Pesquisas, divulgado no início do mês, aponta que 84% dos moradores do Distrito Federal (DF) reprovam a gestão da petista. O instituto ouviu 1.280 eleitores entre os dias 25 e 28 de maio. A pesquisa tem grau de confiança de 95% e margem de erro de três pontos porcentuais.
Segundo a aferição, apenas 12,2% dos brasilienses aprovam o segundo mandato da presidente Dilma, enquanto 3,8% disseram não saber opinar ou não responderam aos questionamentos. Na verdade, em todo o Brasil cresce paulatinamente a reprovação ao pior governo federal desde a redemocratização, para não voltarmos muito no tempo.
Dilma Rousseff tem sofrido vaias quando aparece em público, o que a levou a um estado de quase reclusão nos aposentos palacianos. E o Palácio do Planalto já sentiu o cheiro de queimado. No dia 1º, o blog do jornalista Gerson Camarotti, comentarista da Globo News, publicou uma nota dando conta de que o Palácio do Planalto teve acesso a uma pesquisa que avaliou a popularidade do governo. E pela primeira vez, a aprovação está abaixo dos 10%. Segundo o jornalista, um auxiliar da presidente que teve acesso aos números, disse que o resultado é preocupante.
Com a popularidade da presidente despencando a cada dia, o PT tem se voltado contra o governo. Do ponto de vista estritamente pragmático, talvez esteja certo o PT, porque ninguém, seja pessoa ou instituição, quer estar ligado ao que é ruim. O governo de Dilma Rousseff, e por extensão, do PT, é ruim.
O pior nessa história é quem está torpedeado o governo Dilma tem sido Lula da Silva, que bancou a eleição e reeleição de sua cria política. Lula quer voltar a ser candidato em 2018, por isso, assume cada vez mais o papel de oposição nos bastidores.
Ficou lugar comum falar dos inúmeros erros que o PT cometeu — e insiste em continuar cometendo, em alguns casos, aprofundando ainda mais os equívocos — nesta quase década e meia de governo. A economia do País em frangalhos — inflação beirando o descontrole, crescimento pífio — fala por si.
No quesito economia, ilustra a avaliação ruim do governo federal o Índice de Confiança do Empresário Industrial Goiano (ICEI), pesquisado mensalmente pela Federação das Indústrias de Goiás (Fieg), que recuou em maio, após apresentar avanço de 4,6 pontos no mês anterior. A redução foi de 3,6 pontos na comparação com abril/2015, quando o índice apurado foi de 43,7.
“Em abril, com o avanço considerável que pôs fim a uma sequência de dois resultados negativos consecutivos e elevados, imaginou-se que a confiança empresarial havia mudado a tendência e que haveria melhora gradual para os próximos períodos. Porém, de forma surpreendente, o ICEI de maio/2015 caiu, revertendo, quase na totalidade, o avanço apurado em abril/2015”, comenta o economista da Fieg, Cláudio Henrique de Oliveira, responsável pela pesquisa.
Governo se torna refém do PMDB
Em termos estritamente políticos, com a sigla atolada na corrupção, seus parlamentares estão em total desarticulação no Congresso, o que deixa o governo refém do PMDB, especialmente dos caciques Renan Calheiros e Eduardo Cunha, respectivamente presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados.
Desarvorado, o PT perde líderes representativos e entra numa espiral de contradições. Não se sabe se é governo ou oposição, porque ora faz um papel, ora faz outro.
Na semana que passou, um dos mais credenciados analistas da política nacional, testemunha privilegiada do nascimento, ascensão e derrocada do PT, escreveu um artigo em seu blog no “Estadão” valioso para entender a realidade do partido. O sociólogo Marco Aurélio Nogueira é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, pós-doutor pela Universidade de Roma e Professor Titular da Universidade Estadual Paulista, entre outras credenciais acadêmicas.
O artigo de Nogueira, intitulado “Para voltar a ser visto como partido, PT critica Levy e ensaia autocrítica”, define justamente o mar de contradição em que o partido está mergulhado. A rigor, o acadêmico não diz nada novo, mas a constatação feita por alguém que, inclusive, certamente convive com petistas paulistas de alto coturno, é ainda mais valiosa para entender o fenômeno.
Segundo ele, o PT parece decidido a fazer uma cruzada contra o ajuste fiscal capitaneado por Joaquim Levy. Observa que, nos últimos dias, aumentou a dose de críticas ao ministro da Fazenda. De tabela, afasta-se do governo Dilma, visto como uma ameaça aos planos futuros do partido. “Dessolidariza-se daquela que era, até pouco tempo, tratada como sua criação mais genial.”
Nogueira afirma que no comando desta operação de desembarque está ninguém menos do que Lula, maior liderança política do PT, sob a alegação de que a agenda do ajuste colide com tudo o que o partido sempre defendeu, prejudicando a relação com sua base histórica de sustentação. “Como é incômodo bater de frente com a presidente, pede-se a cabeça do ministro. Sua política é traduzida como sendo excessivamente conservadora e não desenvolvimentista, carregada de consequências que tenderiam a demolir os apoios que o PT acumulou ao longo do tempo. Não se bate na presidente, mas muitos estilhaços respingam nela.”
O sociólogo anota que há coisas boas e outras nem tanto neste posicionamento. Segundo ele, o bom é que o PT pode voltar a se ver como partido, um personagem autônomo perante o governo e dotado de orgulho próprio. “Por esta trilha — anota — terá boas chances de reconstruir sua trajetória e voltar a olhar para o conjunto da sociedade e não somente para seus próprios pés.”
Na avaliação de Marco Aurélio Nogueira, esse caminho pode ser comparado à guinada que faz o próprio governo Dilma: ao perceber a falência de um modelo de atuação partidária, opta-se por um “ajuste” corretivo, no qual algum sangue escorrerá em benefício de um saneamento regenerador. “Não se trata de operação fácil, mas nenhum partido que preze sua história poderá dizer que desta água não beberá. Quando sinceras e profundas, as autocríticas (assim como a justa consideração das críticas externas) são o melhor caminho para a reconstrução.”
Nogueira diz que esse ajuste petista terá de passar a limpo a cultura do partido e sua teoria política. “Terá de verificar se foi boa estratégia amarrar a dinâmica partidária aos recursos de poder fornecidos pela posse do governo, coisa que afastou o PT não somente de suas bases sociais, mas das mudanças sociais como um todo, enfraquecendo-o como ator de pensamento, vontade e ação e embaralhando seu futuro.”
O analista observa que há problema nessa operação, que ele concede — está sendo, ao que tudo indica, capitaneada por Lula, maestro quase único da estratégia que hoje se considera fracassada. Ele avalia que não se sabe, por enquanto, se o empenho de Lula levará em conta mais o reposicionamento radical do partido ou mais sua própria agenda como líder político.
E pergunta: Terá o partido força e coragem para “enquadrar” e “desidratar” o protagonismo de sua maior liderança? Lula aceitará um novo arranjo interno de caráter mais democrático, menos submisso à sua personalidade e a seus planos pessoais?
O lado ruim da operação, registra Marco Aurélio Nogueira, tem a ver com o país e o governo, não propriamente com os problemas internos do PT. Segundo ele, passa pela responsabilidade que o PT imagina ter nos desdobramentos que podem advir do prolongamento da crise do governo Dilma. E faz mais perguntas: O partido agiria bem se saísse de cena e entregasse Dilma aos leões, como se ela não fosse carne da sua carne? Ajudaria, com isso, a ampliar a governança e a governabilidade de que tanto se necessita? Não se estaria a empurrar o governo para o precipício, desinteressando-se de sua sorte em nome de uma retomada partidária exclusivista mais à frente? Que consequências a decisão trará para a democracia e o sistema político?
Nogueira lembra que os petistas majoritários – tendência Construindo um Novo Brasil (CNB) – levarão um manifesto com este teor ao próximo congresso nacional do PT, de 11 e 13 de junho, em Salvador (BA). “Certamente incluirão no texto algum tipo de autocrítica, sem a qual nenhum esforço de ‘reinvenção’ do partido fará sentido ou decolará. Não será a única corrente a esboçar este movimento. A Mensagem ao Partido, de Tarso Genro, José Eduardo Cardozo e Fernando Haddad, entre outros, já está em campo há tempo, com uma crítica dura às práticas de direção e organização partidária.
Entre outras considerações, o sociólogo finaliza dizendo que o PT perdeu o protagonismo de que sempre se vangloriou e que teve importante peso específico na democratização do País. “Para permanecer ativo no campo da esquerda democrática, terá de lavar muita roupa suja e assumir com clareza uma plataforma de autorreforma.”