Ideia fomentada por conspiradores é de que a União Democrática Nacional, agora em fase final de criação, garantirá o afastamento dos Bolsonaros dos problemas internos do PSL

Lideranças do PSL goiano. Da esquerda para a direita: deputado federal Delegado Waldir; deputados estaduais Paulo Trabalho e Major Araújo; e o vereador Lucas Kitão I Foto: Reprodução/Colagem

É cedo para colocar em cheque a resistência e fidelidade político partidária do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e sua prole. Porém, com os holofotes da imprensa direcionados ao possível desvio de dinheiro público para candidaturas laranjas da sigla que o consolidou presidente — as investigações da Polícia Federal (PF) ainda estão em curso —, a possibilidade de mudança de nome é, no mínimo, considerável.

Enquanto o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) gesta diversos novos partidos —  são 75 atualmente —, lideranças estudam calmamente o processo de formação de cada um dos embriões. É preciso cautela para definir aqueles que irão amamentá-los. Dentre os partidos que vem por aí, um deles é tido como uma espécie de reencarnação: a União Democrática Nacional (UDN). Sim, o partido da direita liberal da era Vargas (o PT chegou a ser chamado de “UDN de macacão” — dado o radicalismo).

Políticos comentam, nos bastidores da política e na imprensa nacional, que a família Bolsonaro estuda migrar para o novo e, ao mesmo tempo, velho partido. As principais articulações pró-UDN estariam supostamente ligadas à figura do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL). Especula-se que o parlamentar conta com o apoio do irmão, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC), do Rio de Janeiro.

Voz das lideranças

Em entrevista ao Jornal Opção, o presidente do PSL em Goiás, Delegado Waldir Soares, garante que as informações ventiladas sobre a possível relação do nome de Eduardo Bolsonaro com a recriação da UDN não passam de “fake news”. “Qual deputado sairia do PSL, ou de qualquer partido, para se vincular à UDN — que não possui tempo de televisão, tempo no rádio? Esquece. Chance zero. É ‘fake news’.” E indagou: “Qual partido sobrevive sem tempo na mídia?”.

Delegado Waldir Soares: “Recriação da UDN pelos Bolsonaros é fake news” | Foto: Fábio Costa / Jornal Opção

Para o deputado a previsão é de se reduzir o número de partidos no Brasil e não de “ficar criando mais partidos de aluguel”. “A palhaçada tem de acabar. O país não precisa mais do que três, quatro, cinco partidos. Se a ideia é representar a extrema direita não tem nada a ver conosco. Os parlamentares do PSL são de direita e não de extrema direita.”

Delegado Waldir fria que “o PSL é fortíssimo. É o partido do presidente. Notícias plantadas para tentar desestabilizar o PSL é covardia de parte da imprensa. Quando começa a divulgar esse tipo de notícia, o jornalista tem de levar cartão vermelho, como os jogadores de futebol. Tem de afastar o jornalista por três ou seis meses. Não pode o jornalista publicar fake news e não acontecer nada. Qual é a fonte dele?”.

Paulo Trabalho: “A criação do partido pode não ser ruim. Seria mais um para representar a direita brasileira” I Foto: Fábio Costa / Jornal Opção

Líder do PSL na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego), Paulo Trabalho, diz acreditar que a criação da UDN não será tão simples quanto parece. “Existem vários boatos em torno disso.” Diferentemente de outras lideranças ligadas à sigla, o parlamentar busca avaliar a especulação com outros olhos. “A criação do partido pode não ser ruim. Seria mais um para representar a direita brasileira.”.

Para Paulo Trabalho, mesmo que as hipóteses se concretizem e o presidente deixe o PSL, o partido jamais será o mesmo. “Bolsonaro transformou a sigla. Ele trouxe muitas lideranças alinhadas ao seu perfil. O PSL tende a manter o  viés deixado pelo presidente. E, se for para a UDN, irá fortalecer o partido — assim como fez com o PSL. Sendo assim, todo o grupo de partidos com esse mesmo alinhamento acabaria sendo beneficiado também.”

O deputado estadual Major Araújo considera provável a possibilidade de a família Bolsonaro migrar para a UDN. Ele explica que a criação de uma nova sigla abre janela para que todos os parlamentares possam fazer o mesmo, sem nenhum prejuízo. “Se todos forem, eu também migrarei.”

Major Araújo, que está em fase de transição para o partido, diz que a decisão de ir para o PSL foi tomada com base na confiança no governo Bolsonaro e na ideologia do partido. “Para falar a verdade, a legenda é só um detalhe. […] já passei por vários partidos políticos e tenho propriedade para afirmar que os estatutos são, basicamente, cópias uns dos outros.”

Major Araújo: “Se todos forem, eu também migrarei.” | Foto: Marcos Kennedy / Agência Assembleia de Notícias 

Apesar de assegurar que “o PSL não confirma a afirmação” (de que Eduardo Bolsonaro estaria estudando uma maneira de viabilizar a mudança), Major Araújo alega que, se o presidente migrar para a UDN, o PSL tende a não sobreviver. “Voltaria a ser um novo partido político nanico, e será condenado a extinção como aconteceu com o PRP, meu atual partido.” O deputado frisa que é preciso ter “cautela” neste momento. “Um passo errado e trazer um prejuízo muito grande.”

Segundo o vereador Lucas Kitão (PSL), “a impressão é que se trata de especulações sem fundamento”. O parlamentar diz acreditar que este não é o momento de a sigla se dividir e que, caso isso ocorra, poderia enfraquecer a base tanto na Câmara quanto no Senado. “Isso certamente resultaria em grandes dificuldades na aprovação das reformas que o governo se propõe a fazer.”

Quanto às articulações em prol da migração de lideranças do PSL para a nova UDN, Lucas Kitão considera que talvez esses comentários sejam até “uma especulação da própria oposição na  intenção de fragilizar a sigla”. “A ideologia do PSL é muito atual. O partido só tem a crescer, tanto pelo fato de termos um presidente quanto pelo fato de representarmos os atuais e principais anseios da sociedade.”

Lucas Kitão: “A impressão é que se trata de especulações sem fundamento” I Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Questionado sobre os atritos internos, o vereador disse que o pensamento, em qualquer sigla, nunca será homogêneo. “Mesmo criando uma nova UDN, ainda assim se terá divergência interna. Isso é natural em toda sigla.” No seu ponto de vista, o PSL não enfrenta uma crise, e sim um período de amadurecimento. “Um amadurecimento de um partido que se tornou grande em pouco tempo. A criação desse novo partido pode até acontecer, mas duvido que a sigla se divida e que as principais lideranças deixem o PSL.”

Ressalte-se que, antes da disputa pela Presidência em 2018, Bolsonaro, com o objetivo de encontrar uma sigla para lançar sua candidatura, chegou a cogitar sua incorporação à UDN. No entanto, o partido precisava se adequar a algumas medidas para viabilizar sua consolidação. Com pressa, Bolsonaro quase se tornou um Patriota — em termos partidários —, se vinculando, por fim, ao PSL.

À época, a não consolidação da criação da UDN se deu por diversos fatores. Dentre eles, o fato de a sigla ainda não ter sido validada junto ao TSE. A UDN conta atualmente com mais de 380 mil assinaturas, sendo necessárias 497 mil para viabilizar o registro. Contudo, apesar de ainda contar com um número insuficiente de assinaturas, o partido já possui diretórios em nove Estados brasileiros, além de CNPJ. Na prática, está criado — só falta a legalização no TSE.

Sendo a UDN um novo partido, políticos poderiam migrar para a sigla sem nenhum prejuízo ou impedimento (não perderiam o mandato, por exemplo). Perante a legislação eleitoral vigente, os interessados só podem mudar de time nas janelas partidárias. Tratando-se de um novo partido, a regra vai por água abaixo.

A UDN poderia, nada mais nada menos, reviver a direita liberal do Brasil (o PSL não tem o peso ideológico do udenismo — é mais um partido de oportunidade eleitoral, como o PRN de 1989, quando Fernando Collor foi eleito presidente). O peso histórico do partido poderia também ser um  fator fundamental para a decisão de migração do presidente e seus aliados, tendo em vista que, ao mesmo tempo, o PSL não goza do mesmo respaldo ideológico. Dentro do próprio partido, Bolsonaro não conta com o apoio integral de seus membros, o que poderia ser encarado também como um fator de peso para a decisão. 

Apesar das inúmeras teorias envolvendo o nome do parlamentar e a possível articulação em prol do renascimento e migração para o partido de perfil heterogêneo, Eduardo Bolsonaro veio às redes sociais no início da semana negar a formação de um novo partido. Confira o que disse no Twitter:

Reprodução de publicação feita por Eduardo Bolsonaro no Twitter

A ideia fomentada entre articuladores políticos é de que o partido, agora em fase final de criação, garantiria o afastamento dos Bolsonaros dos problemas internos do PSL.

Apesar de não possuírem ligação com os escândalos de desvio de verba em Pernambuco, a família Bolsonaro aparentemente teme que a contaminação do partido possa refletir negativamente no perfil de cada um e, claro, no resultado das futuras eleições. Cabe considerar que, na UDN, os políticos poderão trabalhar de maneira mais segura pela centralização das forças da direita.  

Racha interno

Apesar de o PSL ter lançado Bolsonaro como candidato à Presidência, nem todas as lideranças da sigla Brasil afora, de fato, o apoiaram. Além disso, Bolsonaro foi surpreendido recentemente com os supostos desvios de dinheiro público para candidaturas laranjas do partido. Não é de hoje que a relação interna entre membros do partido tem sido gradativamente desgastada.

Ex-minisitro Gustavo Bebianno (à esq) e presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL) I Foto: Marcos Corrêa/PR

O maior entrave entre dois gigantes do PSL atingiu o ponto de ebulição na tarde de terça-feira, 19. A exoneração do ex-ministro Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral da Presidência da República, não colocou um ponto final no imbróglio entre ele e o presidente. Pelo contrário, o desacordo foi oxigenado quando a revista “Veja” publicou, com exclusividade, áudios que desmentem as afirmações de Jair Bolsonaro (PSL) e um de seus filhos, o vereador, Carlos Bolsonaro (PSC). Bolsonaro disse que não havia conversado com Bebianno, mas ele provou, com os áudios, que, sim, haviam conversado. O desacordo entre ambos fica evidente nas mensagens de texto trocadas via aplicativo.

Aparentemente, a relação complicada entre Bebianno e Bolsonaro continua se arrastando. O ex-ministro enviou cartas a amigos e avisou: “Se algo acontecer comigo, abram”. Não se sabe exatamente o conteúdo, mas tem a ver, tudo indica, com a campanha do presidente Jair Bolsonaro e com a montagem do governo. A história foi revelada pela coluna “Radar”, da “Veja”.

UDN na história

O partido político, de atuação voltada aos interesses da direita conservadora, atuou ao longo de vinte anos, entre as décadas de 1940 e 1960. Partido criado depois da crise do Estado Novo (1937-1945), a UDN, formada pelos liberais, não só atraiu como também unificou forças contra Getúlio Vargas e seus aliados políticos.

A UDN foi responsável por reunir siglas importantes pautadas pelos mesmos ideais. O principal dentre os objetivos era combater veementemente o Estado Novo.

O estranhamento entre ambos os lados se estendeu ao longo dos anos. Em 1954, uma das principais lideranças da UDN, Carlos Lacerda, foi surpreendido em um atentado no Rio de Janeiro. A ação resultou na morte do major da Aeronáutica Rubens Florentino, responsável pela proteção de Lacerda.

O atentado foi imediatamente ligado à figura de Vargas. As acusações resultaram em dois pontos importantes da história brasileira: a tentativa de golpe contra o governo e o suicídio de Getúlio Vargas (agosto de 1954). O partido, além de conservador, flertava com os militares. O que o levou a, mais tarde, apoiar o golpe de 1964.

Liderando pessoas de espírito moralista, aclamado pela classe média brasileira, mais de cinco décadas depois, o partido pode voltar a costurar um novo espaço na política nacional.