Por que o Estado Islâmico reivindicou o ataque de Las Vegas?
07 outubro 2017 às 10h53

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Não há muita razão para se acreditar que Stephen Paddock tenha sido um “soldado” do grupo terrorista

Marcelo Mariano
Definir terrorismo está entre um dos desafios mais intrigantes dos mundos acadêmico e político, haja vista que não existe um conceito universal a ser adotado. Muitas vezes, países divergem em relação à definição e reconhecem diferentes grupos como terroristas. O Hezbollah e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), por exemplo, são terroristas para uns, enquanto outros preferem a terminologia “insurgente”.
Alessandro Visacro, coronel do Exército Brasileiro e autor do livro “Guerra Irregular: Terrorismo, Guerrilha e Movimentos de Resistência ao Longo da História”, sugere que a dificuldade em responder questões sobre este tema está no debate a respeito do que realmente é terrorismo e daquilo que decidimos chamar de terrorismo.
Quando alguém de barba grande grita “Allahu Akbar” (Deus é grande, em árabe) antes de abrir fogo contra pessoas aproveitando um concerto de música, não há dúvidas: é terrorismo. Porém, questionou-se quando um homem matou a parlamentar Joe Cox, do Partido Trabalhista, a tiros e facadas depois de vociferar “Britain First” (Grã-Bretanha em primeiro lugar, em tradução livre) poucos dias antes da votação do Brexit, o referendo acerca da saída do país da União Europeia.
Na noite de domingo, 1º, Stephen Paddock, de 64 anos, atirou, do 32º andar do luxuoso hotel Mandalay Bay, em Las Vegas, em pessoas que prestigiavam o festival de música country “Route 91 Harvest”, matando 59 e ferindo centenas. Viu-se, na internet, inúmeros comentários expressando um desejo preocupante de que o atirador fosse muçulmano, mas o mais próximo da religião islâmica que Paddock deve ter chegado é o nome da cidade onde vivia: Mesquite – cuja pronúncia se assemelha à “mesquita” – localizada na fronteira de Nevada com o Arizona.
Afinal, o tiroteio em massa mais fatal da história dos Estados Unidos foi ou não terrorismo? Até o fechamento desta edição, não houve confirmação do que motivou Paddock a realizar o ataque. Por isso, ainda é difícil falar em terrorismo porque atentados desse tipo geralmente possuem alguma motivação por trás, seja religiosa seja política.
Reivindicação
No início deste texto, comentou-se sobre a dificuldade de se definir terrorismo. Outro grande desafio da atualidade diz respeito à atuação de lobos solitários. Atualmente, não é mais necessário orquestrar um atentado como o 11 de Setembro ou o do metrô de Madri. Agora, qualquer pessoa pode agir sozinha a fim de propagar o terror e, com isso, há uma complexidade em se creditar um ataque ao devido grupo responsável – isso se, de fato, houver algum.
Na segunda-feira, 2, o autoproclamado Estado Islâmico reivindicou a autoria do ataque de Las Vegas. Por meio de sua agência de notícias oficial, a Amaq, os jihadistas disseram que Stephan Paddock era um de seus soldados e teria se convertido ao islamismo há pouco tempo. Muitas pessoas acharam que suas preces tinham sido atendidas e acreditaram na notícia. O FBI, por sua vez, logo desmentiu e declarou não haver nenhum indício de ligação entre Paddock e o grupo terrorista.
O Estado Islâmico já não é tão forte como foi um dia. O grupo tem origem na célula da al-Qaeda no Iraque, que passou a atuar no país após a invasão estadunidense em 2003 sob a liderança do jordaniano Abu Musab al-Zarqawi. Com sua morte em 2006, o novo líder da organização terrorista, o egípcio Abu Ayyub al-Masri, anunciou que a célula passava a fazer parte de um “mosaico de movimentos de resistência islâmica nativos”, autointitulando-se, àquela altura, Estado Islâmico do Iraque.
Em 2011, eclodiram os protestos da chamada “Primavera Árabe”, abalando diversos países do Oriente Médio e do norte da África, como a Líbia, o Egito, o Iêmen e a Síria, vizinha do Iraque. O então Estado Islâmico do Iraque enxergou, nesse momento, a oportunidade de expandir suas fronteiras, pois é aberto espaço para o fortalecimento de extremistas em todo país que se encontra desestabilizado. Na Síria, não foi diferente. Lá, os terroristas do autoproclamado califado conseguiram controlar grandes faixas de território e se tornaram um dos principais atores no conflito sírio.
Entretanto, o grupo vem perdendo espaço recentemente tanto no Iraque quanto na Síria. No primeiro, Estados Unidos, Rússia, Irã e governo iraquiano lutam lado a lado e, juntos, conseguiram retomar Mossul, uma das maiores cidades do país. No segundo, existem duas coalizões que lutam contra o Estado Islâmico: uma liderada pela Rússia, em apoio ao governo sírio e com a ajuda do Irã e do Hezbollah, e outra capitaneada pelos Estados Unidos, em parceria com os curdos e outros países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Ambas contribuíram para o enfraquecimento dos jihadistas, apesar dos russos terem tido papel mais decisivo em virtude da clareza e objetividade de sua estratégia, enquanto os EUA ainda têm a queda de Bashar al-Assad como uma das prioridades.
Com a perda de território, o Estado Islâmico busca alternativas para tentar passar a impressão de que permanece forte. E reivindicar ataques faz parte dessa tática. Na Europa, fizeram o mesmo com atentados perpetrados por lobos solitários atropelando inocentes com vans e caminhões. Nesses casos, pelo fato dos motoristas serem muçulmanos, até faz um certo sentido. Mesmo que não tenham sido treinados pelo grupo na Síria ou no Iraque, podem ter se inspirado nele. Já no caso de Stephen Paddock, não há muita razão para acreditar. Aliás, há quem tenha ridicularizado essa situação de “ataques assumidos em massa”. Este plano do Estado Islâmico pode, no fim, acabar tendo efeito reverso e enfraquecê-lo ainda mais.