O que querem os jovens de direita que marcham rumo a Brasília?
16 maio 2015 às 10h51
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Entidade apartidária que visa mobilizar descontentes com o governo do PT tem ganhado força em todo o País. Organizações liberais ou direitistas crescem no mundo e no País não tem sido diferente
Frederico Vitor
Em favor de uma sociedade mais justa, próspera, livre de injustiças, opressão estatal e corrupção. Este é o lema do Movimento Brasil Livre (MBL) que iniciou uma caminhada de mais de 1,5 mil quilômetros de São Paulo a Brasília, com previsão de chegada para o dia 27 deste mês. O objetivo da “Marcha pela Liberdade”, que vai passar por Goiânia nesta semana, é pedir o impeachment de Dilma Rousseff (PT). Reeleita no pleito do ano passado numa disputa acirrada, a presidente tem enfrentado forte rejeição por conta de escândalos de corrupção na Petrobrás, além das impopulares medidas de ajuste fiscal que tem atingido a classe média brasileira.
Além do impeachment da presidente Dilma, o MBL sonha com o País livre do modelo nacional-estatista adotado pelos governos petistas nos últimos anos. No lugar de Estado forte, a organização deseja uma pauta liberal que transforme a colossal máquina pública brasileira em um Estado microscópico. O maior alvo das críticas deste movimento e de outros que ganharam forma após os protestos do início deste ano tem sido o PT. Apesar das posições de direita, eles reconhecem que no Brasil ainda não há um partido político essencialmente liberal que os represente.
Redes sociais
O MBL nasceu em manifestações em São Paulo e no Rio Grande do Sul, no fim de 2014, em dois protestos pela investigação do petrolão e por mais liberdade de imprensa. O movimento se espalhou pelo País e está presente em mais de 20 cidades, reunindo cerca de 500 integrantes. Mas, se contar a repercussão nas redes sociais, há um enorme contingente de pessoas que simpatizam com a organização. Somente na página oficial da entidade no Facebook são 145.540 seguidores, e mais outros 4 mil no Twitter.
O grupo foi um dos organizadores dos protestos do dia 15 de março que levou milhares de manifestantes às ruas em todo o País — em São Paulo foram cerca de 2 milhões. Considerada a maior mobilização popular desde as Diretas Já, as manifestações tiveram repercussão internacional e abalaram a popularidade da presidente Dilma Rousseff.
Em meio a protestos de rua, panelaços, vídeos e páginas nas internet de conteúdo contrário ao PT e aliados, um integrante do MBL tem chamado a atenção pelo discurso articulado, apesar da pouca idade. Kim Patroca Kataguiri, de apenas 19 anos, é a estrela do movimento e coordenador nacional do Brasil Livre. Nascido em Salto (SP) e atualmente morador de Santo André (SP), o filho de um metalúrgico e de uma dona de casa abandonou o curso de Economia na Universidade Federal do ABC por achar que os professores ignoravam pensadores liberais como Milton Friedman, Friedrich Hayek, Carl Menger e Ludwig von Mises. Ele pretende retomar sua formação no exterior.
O coordenador nacional do MBL se define como liberal, isto é, defensor do liberalismo econômico, da redução dos impostos, da privatização das estatais e da adoção de sistema de voucher para a saúde e para a educação. Contrário ao capitalismo de Estado no molde nacional-estatista, ele defende nas redes sociais e em entrevistas que a pauta do momento é o impeachment da presidente Dilma Rousseff, no qual julga possível a derrubada da petista do poder por conta das denúncias de corrupção na Petrobrás. O jovem sustenta a tese de que o petrolão foi um mecanismo corrupto para que o Poder Legislativo fosse controlado pelo Executivo.
Discurso afiado
Kim Kataguiri argumenta, em sua retórica incendiária, que o governo federal construiu um Estado inchado e inoperante, que perdeu o controle da economia ao permitir uma inflação galopante que tem corroído o salário dos mais pobres. Engana-se quem pensa que o MBL e seu proeminente coordenador são simpáticos ao projeto político do PSDB, o mais importante partido de oposição.
Em entrevistas recentes, Kim Kataguiri tem falado que os tucanos não representam uma pauta liberal, por mais que o presidente Fernando Henrique Cardoso tenha implementado privatizações em vários setores durante sua administração na década de 1990 e início de 2000. Eles criticam a relutância da sigla do senador mineiro Aécio Neves em fazer a defesa de uma política privatizante e liberal em seus discursos. Na essência, segundo o coordenador nacional do MBL, o PSDB seria uma “linha auxiliar do PT”.
A favor do casamento gay e da descriminalização da maconha, Kim Kataguiri define “O Capital”e “O Manifesto Comunista” de Karl Marx como piada internacional, e considera tais obras ausentes de embasamento. Apesar da fama e notoriedade, o jovem líder do MBL não pretende entrar na vida pública — por enquanto — e não pensa em filiação a nenhuma legenda partidária.
Mesmo se tratando de um movimento organizado há poucos meses, já coleciona inimigos. Na jornada rumo a Brasília, o MBL travou um enfrentamento com militantes petistas em Uberlândia (MG). Ao proferir um discurso inflamado na Câmara da maior cidade do Triângulo Mineiro, Kim Kataguiri e demais ativistas foram ameaçados e hostilizados por um vereador do PT. O legislador teria dito que eles seriam “recebidos muito bem” por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na estrada. Até sexta-feira, 15, a coluna liberal tinha deixado Minas Gerais (do governador petista Fernando Pimentel) e cruzado a divisa goiana até alcançar Corumbaíba. Eles devem chegar a Goiânia quarta-feira, para uma série de eventos e, então, voltarem à estrada para enfim chegar à capital federal.
“MBL é um movimento contrário ao socialismo”
Formado em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Alexandre Seltz é a liderança do MBL em Goiás. Ele confessa que já teve uma fase esquerdista, tendo militado na União da Juventude Socialista (UJS) — ligada ao PCdoB — e organizado o extinto movimento “Fora Marconi” que pedia o afastamento do governador de Goiás da chefia do Executivo estadual. Atualmente convertido ao conservadorismo, graças aos ensinamentos do filósofo Olavo de Carvalho e do ex-agente da KGB — extinto serviço de inteligência da União Soviética — Yuri Bezmenov, o professor da rede estadual de ensino tem ganhado visibilidade por meio da viralização de vídeos com duros discursos carregados de crítica ao PT e a presidente Dilma Rousseff na internet. “O MBL é um movimento de direita contrário ao socialismo, somos liberais e conservadores”, diz.
Ações polêmicas
Recentemente, o MBL de Goiás executou duas ações que ganharam grande repercussão. A primeira ocorreu em um evento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) realizado em um auditório da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Os ativistas interromperam a fala de um dos palestrantes e iniciaram um protesto contra a presença de debatedores ligados ao PT e ao MST. Para eles era um acinte a presença de militantes de esquerda em um espaço mantido pela Igreja Católica. A deliberação terminou em tumulto.
A segunda ação ocorreu no plenário da Assembleia Legislativa de Goiás. O MBL promoveu um ato em repúdio a uma exposição sobre a Coreia do Norte numa das galeria do Palácio Alfredo Nasser. A mostra acerca do País asiático governado por um regime comunista extremante fechado, sob a liderança do jovem ditador Kim Jong Yong, despertou indignação e ira dos liberais antissocialistas. Ambos os protestos, tanto na PUC quanto no Legislativo goiano, foram filmados e amplamente divulgados nas redes e mídias digitais.
Alexandre Seltz afirma não saber se o MBL se transformará numa sigla partidária. O movimento conseguiu fazer um deputado estadual no Rio Grande do Sul, por meio da eleição do cientista-político e jornalista Marcel van Hattem (PP-RS). De acordo com ele, em Goiás o maior expoente do conservadorismo na política é o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), sendo o partido mais à direita o Democratas. “Mesmo assim, eles votaram a favor do governo em pautas recentes no Congresso Nacional”, critica.
Linhagem conservadora
Ao contrário de Kim Kataguiri, o professor Alexandre Seltz se diz conservador e não liberal. Ele diz não apoiar a descriminalização da maconha e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas é favorável às políticas de privatização, a livre iniciativa e da diminuição da estrutura do Estado. Ele explica que o movimento é contrário a intervenção militar, porém não recrimina os grupos que pedem a volta dos militares ao poder. Aos interessados a aderirem ao movimento, Alexandre Seltz avisa: todos serão averiguados se realmente são de direita ou se trata de um esquerdista infiltrado. “Nós temos certos critérios com as pessoas com as quais escolhemos andar, é necessário ter este crivo.”
Surgimento e fortalecimento de grupos de direita é uma tendência mundial
O ganho de capilaridade e apelo social por parte de movimentos e partidos de direita, de cunho liberal ou conservador, tem ressurgido com força em todo mundo. Esta nova tendência tem ganhado corpo no Brasil, porém é preciso ressaltar algumas diferenças do que ocorre na Europa e na América do Sul. Os blocos de direita no velho continente têm característica nacionalista e ultraconservadora; já no Brasil e nos demais países sul-americanos, ela tem caráter neoliberal e de inflexão ao modelo estatizante, como manda o consenso de Washington.
Na França, terra da Frente Nacional do ultraconservador Jean-Marie Le Pen, por exemplo, a principal bandeira política é a ampliação de medidas anti-imigração. Pesquisas de opinião divulgadas na semana passada sugeriram que Marine Le Pen, filha do líder francês de extrema-direita, vai liderar o primeiro turno das eleições presidenciais de 2017. No Reino Unido, a legenda de extrema direita Ukip (sigla em inglês para Partido da Independência do Reino Unido) tirou votos e atrapalhou a reeleição do primeiro-ministro britânico, o conservador David Cameron. Ambos defendiam a saída do Reino Unido da União Europeia.
Efeitos da crise
O professor da PUC-GO e cientista-político Wilson Ferreira da Cunha, afirma que, numa análise sensata e ponderada do cenário atual, é possível observar que Dilma Rousseff já chamou um quadro que pertence ao sentimento capitalista liberal para reorganizar a economia de seu governo. Portanto, o ministro da Fazenda Joaquim Levy já é uma resposta concreta para a economia brasileira, que se encontra debilitada e estagnada. Ele lembra que, por mais simples e pobre que seja o brasileiro, ele está percebendo na própria carne a falta de saída para a crise provocada pelo atual sistema econômico. “Não podemos enxergar a direita como xingamento. Na democracia é preciso entender os vários conceitos; portanto, temos de aplaudir e não criticar as manifestações de cunho liberal.”
Para o cientista político Pedro Célio Alves Borges, professor da Faculdade de Ciências Sociais da UFG, o MBL e demais movimentos liberais podem crescer como podem não dar em nada. Contudo, ele argumenta que existe um vácuo de direção política no Brasil que está sendo ocupado de diferentes maneiras. Ele afirma que atualmente a novidade no País são as alternativas à direita ganhando formatação e conseguindo capitalizar a indignação social. Ou seja, as muitas decepções e desencantos com um governo que traria mudanças têm servido de combustível a diferentes frentes direitistas. “A via da esquerda causou frustrações principalmente quando o governo não deu respostas satisfatórias à corrupção e ao deixar de aprofundar mudanças sociais e políticas com as quais havia se comprometido.” l