Mundo mantém expectativa sobre futuro do Brasil no pós-eleição
28 outubro 2022 às 21h13
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Com campanhas para a Presidência da República focadas mais em ataques pessoais e fake news, diversos temas ficaram em segundo plano, dentre os quais a relação do Brasil com o restante do mundo. Nesse aspecto, um dos principais temas internacionais é a floresta amazônica. Por um ser o governante e outro ter governado, por dois mandatos, os candidatos são conhecidos de todos. Por isso, muitos países comparam a condução de Jair Bolsonaro (PL) e o ex–presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e criam expectativa sobre os próximos quatro anos.
Com a guinada da diplomacia brasileira para o espectro da direita, Bolsonaro conseguiu aproximação do Brasil com os Estados Unidos, quando aquele país era governado por Donald Trump (Republicano). Mundo afora, populistas ultraconservadores têm demonstrado apoio a Bolsonaro. A extrema-direita mundial nos últimos quatro anos contou com o bolsonarismo no poder no Brasil para avançar as pautas conservadoras e desmontar consensos acerca dos aspectos de direitos humanos.
Em defesa de Jair Bolsonaro, alguns dos principais portais de extrema direita do mundo divulgaram notícias nos últimos dias, que sugerem uma agenda ultraconservadora estaria sob ameaça no país, se o presidente não vencer este pleito. Desses sites, o Life Site mistura notícias condenando o aborto, uma defesa do bolsonarismo e alertas sobre ataques contra igrejas no Brasil. No entanto, há críticas contra o papa Francisco, líder da Igreja Católica. Pelas redes sociais internacionais, grupos divulgam apoios à política econômica ultra neoliberal e temas de segurança pública no Brasil.
Na semana passada, a secretária de Família do Ministério de Direitos Humanos do governo Bolsonaro, Angela Gandra, esteve na programação de um encontro com expoentes do movimento ultraconservador, na Sérvia. Nos últimos dias, esteve ainda em São Paulo no consulado da Hungria. O país aliado na agenda religiosa e antiaborto. No primeiro turno, a campanha do presidente divulgou um vídeo apresentando diversas lideranças de extrema direita anunciando apoio à reeleição do brasileiro. A exceção foi justamente o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban. A peça contou com Donald Trump Jr., filho do ex-presidente norte-americano, Donald Trump, o deputado português e líder do movimento populista, André Ventura, o líder da extrema direita espanhola, Santiago Abascal, dentre outros.
“Se Bolsonaro ganhar, é lógico que todos esses países que eu falei vão continuar tendo o Brasil como pária mundial, mas vão continuar fazendo negócio, como todo mundo faz: compra e vende
Professor Juarez de Maia
Na América do Sul, a política externa brasileira atual agrada os países de governados pela direita. Nesse sentido, o Paraguai, do presidente Mario Abdo Benítez, e o Equador, comandado por Guillermo Lasso. Na eleição de 2023, o favoritismo do Paraguai é de direita. Essas nações temem dificuldades na relação bilateral em um eventual retorno do Partido dos Trabalhadores ao poder. Neste momento, com Bolsonaro, o relacionamento entre Paraguai e Brasil é tido como fluido e é considerado fundamental pelo Palácio de López. Para se ter ideia, os ministérios da Justiça dos dois países trabalham em conjunto para enfrentar desafios comuns, dentre os quais o combate a grupos criminosos que atuam na fronteira.
Para analistas, o Brasil se aproximou de apenas países governados por autoritários e autoisolados, como por exemplo, Hungria, Polônia e, principalmente, a Rússia. A esse país, Bolsonaro visitou uma semana antes da invasão da Ucrânia. A justificativa de Brasília era pela necessidade de garantir o abastecimento de fertilizantes ao agronegócio brasileiro. “O país passou a viver um relativo isolamento internacional e uma importante crise reputacional”, salienta a coordenadora de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Fernanda Magnotta.
Em relação aos Estados Unidos, o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), Felipe Loureiro, compreende que o alinhamento brasileiro com aquele país durante o governo Trump “não tinha precedentes”, mas, se resumia em “alinhamento com o trumpismo”. Com a saída de Donald Trump e posse do democrata Joe Biden, com Bolsonaro figurando como um dos últimos líderes mundiais a reconhecer a vitória e aderir à alegação de Trump de fraude eleitoral, a relação entre os dois governos esfriou.
Para o professor de Jornalismo Internacional da Universidade Federal de Goiás (UFG), Juarez de Maia, essa atitude perante o novo presidente eleito dos EUA foi ruim para Bolsonaro. “No caso dos Estados Unidos, o partido Democrata que está no governo faz campanha para o Lula, porque o presidente Bolsonaro caiu no erro de não reconhecer o governo do Biden, logo no começo, e nunca reconheceu formalmente. Isso ficou entalado na garganta do presidente Biden [Joe Biden]”, salienta. Segundo ele, há uma torcida para que o Brasil resolva essa questão sob a presidência de Lula. Nesse sentido, o especialista acredita que o governo norte-americano será um dos primeiros a reconhecer o resultado das urnas brasileiras. “Se o Lula ganhar e houver contestação, por parte do Bolsonaro, os Estados Unidos não terá nenhuma dificuldade e vai reconhecer imediatamente a vitória de Lula. O Canadá vai reconhecer a vitória, o México, assim como países da América do Sul.
Juarez de Maia elenca que na América do Sul a maioria dos países atualmente são governados pela esquerda. “Como a Colômbia, o Chile, a Argentina, o Peru… São governos progressistas que esperam a vitória do Luiz Inácio Lula da Silva. Isso porque, podem dialogar mais, em qualquer circunstância. O comércio pode melhorar, pode passar a existir um pacto para a questão da Amazônia, que envolve o Brasil, Colômbia, Bolívia, Peru… Há uma expectativa neste sentido, porque a exigência em relação à Amazônia é muito grande, e o Brasil tem a maior parte da Amazônia, mas os outros países da região gostariam de fazer um conjunto de política integrada com o Brasil e fica mais fácil de fazer com o Lula, indica.
Fernanda Magnotta aponta que por animosidades mútuas não foi possível a conclusão do acordo União Europeia-Mercosul. Segundo a especialista, o Brasil “perdeu protagonismo do ponto de vista da integração regional da América do Sul”. Para ela, o presidente brasileiro ficou irritado com a Argentina, após a eleição de 2019, que alegou o presidente de centro-esquerda, Alberto Fernández. O argentino é amigo do ex-presidente Lula.
Outras crises marcaram a comunidade internacional em todos as partes do planeta. Quando Bolsonaro prometeu transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, o que causou fúria no mundo árabe. Com a Ásia, o confronto direto foi com a China. A ala mais ideológica do governo criou embaraços. “A principal razão para isso foi a centralização decisória em torno do Planalto, incluindo o presidente, seus filhos e assessores mais próximos, que compõem a ala mais ideológica do governo”, relembra Magnotta.
Cabe ressaltar que o gigante asiatico é o maior parceiro comercial do país, porém, os chineses se sentiram ofendidos por declarações agressivas de Brasília. Juarez de Maia frisa que os insultos e acusações bolsonaristas serão difíceis de serem esquecidos pela China, no caso de um segundo mandato do presidente. Para ele, a relação com mais um governo petista é tranquila. “O Brasil tem uma política comercial muito grande com a China e o Japão. É lógico que os chineses estão prevendo a vitória do Lula, porque vai ficar mais fácil de conversar”, diz, citando que o presidente Bolsonaro durante a pandemia de Covid-19 acusava os chineses pela doença e zombava do imunizante, chamando de ‘vachina’. Em 2020, a embaixada chinesa chegou a apresentar uma queixa por causa de tuítes do filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, deputado federal por São Paulo. O parlamentar acusava Pequim de querer espionar o Brasil por meio da tecnologia 5G.
O professor de Jornalismo Internacional pontua que outra região que espera uma nova guinada na diplomacia brasileira é a Europa. “Portugal tem um partido socialista, Espanha tem o partido socialista, França tem um governo que apoia diretamente o Lula”, lista. Um dos motivos seria o comentário de Bolsonaro sobre aspectos físicos da esposa do presidente Emmanuel Macron, Brigitte Macron. Na sequência, o ministro Paulo Guedes repetiu a mesma crítica. “Foram coisas desnecessárias e que criaram desconforto com países da Europa”, cita, emendando que outro país de economia muito forte e que declarou abertamente apoio a Lula foi a Alemanha, comandada por um partido social-democrata. Acerca da questão da Amazônia, o assunto é muito caro na região. “Nessa questão, há o caso da Noruega, que investiu no Brasil U$ 1 bilhão desde o governo do Lula e este dinheiro está parado no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), porque com o governo do Bolsonaro, com a questão do desmatamento, aquele país não aceitou a maneira que seria aplicado o dinheiro pelo então ministro Salles [Ricardo Salles, deputado federal eleito por São Paulo, neste ano].
Sobre o conflito no Leste Europeu envolvendo a Rússia, sob o comando de Vladimir Putin, e Ucrânia, do presidente Volodymyr Zelensky, Juarez de Maia, aborda, que considerando o posicionamento do Itamaraty, nada irá mudar, seja com Bolsonaro ou Lula. “Outro dia, o Putin disse o seguinte: ‘eu tenho boas relações com Bolsonaro e tenho boas relações com o Lula’”, exemplifica. O professor recorda que durante os governos petista, o Brasil sempre sempre boa relação com os russos. “Aagora com Bolsonaro, por causa de políticas internas, os dois se afinaram [o brasileiro e Putin]. Mas, não creio que a vitória do Lula vai ter problemas com a Rússia ou com a Ucrânia ou com outro país do Leste Europeu. O Brasil vai manter aquilo que o Itamaraty, faz contra a vontade do próprio Bolsonaro, que é o não alinhamento, votando para que seja resolvido a questão da Ucrânia por meio de um acordo de paz, que seja bom para os dois lados. O Brasil não vai se meter em apoiar nem a Rússia e nem a Ucrânia. O país vai se manter neutro nesse sentido. Como pertence ao Conselho de Segurança da Organização Nacional das Nações Unidas (ONU), o Brasil vai votar sempre no sentido de que haja um acordo de paz. Essa é uma política do Itamaraty”, prevê.
Juarez Maia cita a aproximação e aliança das últimas décadas do país com a África, mais precisamente, com os países que têm o mesmo idioma. “O Brasil ficou mais presente na África nos oito anos no governo Lula. Os países de língua portuguesa na África tiveram boa relação com Lula”, relembra, acrescentando que apesar de não compartilharem o português, houve estreitamento da relação comercial com a África do Sul. No entanto, ele pontua que até lá houve animosidade por parte do governo Bolsonaro. “Quando Bolsonaro quis nomear o ex-prefeito Marcelo Crivella [pastor] como embaixador na África do Sul e sul-africanos não permitiram, porque ele tinha interesse na região em fomentar o avanço da Igreja Universal do Reino de Deus”, salienta.
Questões ambientais
Com relação às questões ambientais, o país sob Bolsonaro passou a acumular descréditos das demais nações. “O Brasil chegou a assinar o tratado para evitar proliferação de CO², no acordo de Paris, Bolsonaro não cumpriu nem uma cláusula”, criticou Juarez de Maia. “Os países europeus estão na expectativa de que seja tratada essa questão da Amazônia de uma outra maneira e quem anuncia que vai modificar a política da Amazônia, no sentido de poder diminuir a devastação, o desmatamento, o ataque aos índios e as queimadas, e o Lula”, analisa.
Por outro lado, caso seja reeleito presidente, Maia entende que as relações do Brasil tendem a ocorrer como é de praxe. “Se Bolsonaro ganhar, é lógico que todos esses países que eu falei vão continuar tendo o Brasil como pária mundial, mas vão continuar fazendo negócio, como todo mundo faz: compra e vende, mas receber bem, abertura de mercado é mais fácil com Lula. Com Bolsonaro, só se a política mundial do Brasil mudar radicalmente do ponto de vista social e do ponto ambiental. Mas, eu não acredito. Neste momento, o Brasil é visto no mundo como pária, e o Lula tem simpatia dos governos no mundo, principalmente, com os governos mais fortes”, comenta.