O economista e professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUCGO), Jeferson Vieira de Castro, rebateu duramente declarações feitas pelo embaixador Rubens Barbosa à jornalista Camila Souza Ramos do Globo Rural. Barbosa, que preside o Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), afirmou que “o liberalismo e o livre comércio acabaram” e defendeu que o Brasil busque novos acordos comerciais, como a entrada no Acordo Transpacífico (CPTPP), além de aproveitar melhor blocos como a Associação Latino-Americana de Integração (Aladi).

Rubens Barbosa: “o liberalismo e o livre comércio acabaram” l Foto: Reprodução

Rubens Barbosa ressalta que “o Brasil está parado nessas negociações e poderá ficar para trás se não acelerar os acordos comerciais neste novo contexto geopolítico internacional”.

Outro ponto de divergência, é a falta de rastreabilidade dos produtos do agronegócio brasileiro relatado por Paula Coelho, chefe de gabinete da Seapa. Jeferson Vieira diz que “não é verdade”.

Para Jeferson Vieira, no entanto, o cenário é diferente. “Eu discordo radicalmente do que diz o embaixador. O Brasil não está parado. O presidente Lula tem feito diversas tratativas: foi ao Japão negociar a abertura para o comércio da carne, depois foi ao Vietnã e agora está indo à China para consolidar mais de 30 tratativas com os chineses”, afirma.

Segundo o economista, há também avanços nas relações com a Rússia, especialmente na negociação de fertilizantes, e com a União Europeia por meio do acordo Mercosul-UE. “As diplomacias estão conversando bastante e as negociações estão bem adiantadas. Não sei de onde o Barbosa está tirando essas ideias. Teve inclusive, recentemente, uma liberação de produtos brasileiros para a China. Empresários brasileiros estiveram na China só para tratar de negócios”, destaca.

Sobre a Aladi, Vieira ressalta que o bloco está sendo retomado com uma abordagem mais política e democrática. “Ela ficou marginalizada por muitos anos. Agora, começa a ser reativada, primeiro com foco na democracia na América Latina e depois nas questões comerciais”, pontua.

Jeferson Vieira de Castro: “Eu discordo radicalmente do que diz o embaixador” l Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Mercosul é estratégico, diz professor

Jeferson Vieira que que é doutor em Economia pela UnB (com tese sobre o Mercosul), também rebate a ideia de que o Mercosul esteja estagnado. “O Mercosul ajudou muito as empresas brasileiras, especialmente no setor automobilístico. Há forte integração produtiva com a Argentina. O bloco é um processo, e tem avançado também nas áreas de educação e cultura”, analisa.

Para ele, a eleição de Javier Milei na Argentina foi um ponto de tensão, mas o presidente argentino já recuou da ideia de romper com o bloco. “Milei viu que não dá para acabar com o Mercosul, principalmente agora, com os acordos com a União Europeia e Singapura”, acrescenta.

“Brasil tem tecnologia de rastreabilidade”, diz economista

Um dos pontos levantados por Barbosa foi a falta de rastreabilidade nos produtos brasileiros, o que dificultaria a entrada em novos blocos comerciais. Jeferson refuta. “Isso não é verdade. Temos uma das melhores tecnologias de rastreabilidade, desenvolvida no Sul e Sudeste do país. A carne goiana, por exemplo, é toda rastreada. O gado tem chip. A soja, o etanol e até o vinho têm certificados. O Brasil está avançando muito nesse ponto”, argumenta.

Industria goiana l Foto: Secom-GO

Embora reconheça que existem desafios — especialmente em regiões como a Amazônia e o Cerrado —, ele acredita que os avanços são significativos. “Afirmar que o Brasil não tem rastreabilidade é uma falácia de quem nunca trabalhou com isso”, critica.

Protecionismo: prática antiga, mas o mundo caminha para acordos

Jeferson reconhece que tanto China quanto Estados Unidos utilizam políticas protecionistas, mas acredita que o caminho global é outro. “Protecionismo sempre existiu, principalmente para proteger indústrias nascentes. Mas hoje, a competição é por qualidade e tecnologia. O liberalismo não acabou, o que vemos são rearticulações na geopolítica e geoeconomia”, diz.

Ele critica o impacto do governo Trump na Organização Mundial do Comércio (OMC). “A OMC jogou a toalha. Desde a presidência do Trump, os Estados Unidos impõem tarifas de forma unilateral, o que desorganizou o sistema multilateral”, observa.

Segundo ele, o Brasil deve continuar apostando em acordos comerciais. “A produção global está organizada em cadeias de valor. É impossível isolar-se. Um celular, por exemplo, é produzido em 14 a 18 países diferentes. O avião da Embraer também tem peças feitas em várias partes do mundo”, exemplifica.

Agronegócio brasileiro aproveita brechas na guerra comercial

Vieira também comentou os reflexos da guerra comercial entre China e EUA. “Tranquilidade não existe no comércio, é negociação todo dia. Mas, neste momento, o Brasil está se beneficiando. Com a China reduzindo compras dos EUA, nós estamos ganhando espaço”, afirma.

Apesar disso, ele alerta para um problema crônico: a baixa agregação de valor no agronegócio. “A soja, por exemplo, tem praticamente o mesmo preço global. O Brasil precisa focar em produtos industrializados e semindustrializados, onde há mais valor agregado”, defende.

Fábrica da Embraer l Foto: Reprodução

Tecnologia e data centers são oportunidades

Jeferson também destaca as oportunidades que o Brasil pode explorar no setor de tecnologia, especialmente com data centers. “Os produtos hoje estão na nuvem. E os data centers consomem muita energia. O Brasil tem uma vantagem enorme com energia renovável. É uma janela de oportunidade que não podemos perder”, diz.

Ele lembra que o país tem destaque mundial em tecnologia bancária, sistemas de arrecadação e inovação em meios de pagamento. “O mundo está de olho no Pix e agora no Drex. Isso é tecnologia de serviços e podemos vender isso para o mundo”, pontua.

Lei da reciprocidade: instrumento de pressão

Por fim, ao comentar a nova lei da reciprocidade comercial aprovada no Congresso, Jeferson vê como um instrumento político. “É um guarda-chuva. Você só usa quando precisar. Vários países têm leis semelhantes. É mais uma forma de pressão em disputas comerciais”, avalia.

Para o economista, o mais importante é manter o foco nas negociações. “Falar que o liberalismo ou a globalização acabaram é não entender o mundo atual. A produção está distribuída. Não tem mais volta”, finaliza.

Presidente da Comigo alerta para risco de estagnação comercial e cobra ação do governo brasileiro

O presidente da Cooperativa Comigo, Antônio Chavaglia, demonstrou preocupação com a falta de iniciativa do governo brasileiro em buscar novos acordos comerciais e acompanhar os movimentos do mercado internacional. Segundo ele, enquanto países concorrentes se movimentam, o Brasil permanece inerte.

“Estados Unidos e China já estão conversando. A soja ainda não entrou na pauta da discussão deles, por enquanto é parte de carro, essas coisas, parte elétrica… Essa discussão ainda vai demorar um pouco”, afirmou.

Chavaglia acredita que o mercado pode mudar ainda este ano, mas apenas mais adiante. “A safra dos Estados Unidos está mais avançada do que no ano passado e está muito boa. Tudo indica que vão ter uma produção boa lá. Então, disparada de preço, assim, eu não acredito que vai ter, não.”

Sede da Cooperativa Comigo em Rio Verde l Foto: Divulgação

O líder cooperativista criticou a postura do Brasil diante do cenário global. “O Brasil está esperando demais para agir, para entrar em outros blocos comerciais, como estão fazendo outros países. Os concorrentes do Brasil já estão se movimentando para fazer parte de outros blocos comerciais e o Brasil não. O Brasil está parado, só com esse Mercosul que não dá nada também. Cada governo é um caso. O presidente, em vez de estar preocupado com isso, foi pra Rússia para uma reunião de ditadores”, disse.

Chavaglia também questionou a ausência de ações do Ministério da Agricultura. “Não vi movimentação nenhuma discutindo esse assunto. Dizem que tem pessoas do Trump aqui dos Estados Unidos para conversar, mas não sei nem com quem que vão conversar. A informação é que tem gente vendo essa situação, mas até agora não fiquei sabendo de notícia concreta nenhuma de que o país esteja negociando com os Estados Unidos ou com qualquer outro país para buscar novos mercados.”

Para ele, a omissão do governo pode trazer riscos sérios ao agronegócio brasileiro. “Acho que tem que estar trabalhando nisso. O Brasil é muito dependente da importação de alguns países. E tudo que ficar mais caro, o consumidor brasileiro vai pagar. Ainda vamos ter mais inflação.”

Chavaglia defendeu que o Brasil abra novas frentes de negociação para não ficar isolado no cenário global. “Quanto mais portas abertas, quanto mais países comprando, melhor. Quanto mais países tiverem diálogo e comercialização, fica melhor para o Brasil em tudo: indústria, comércio, todo sentido. O Brasil já está estagnado. Nem o industrial brasileiro sabe o que vai acontecer, muito menos a sociedade. O produtor rural também está nessa onda.”

Segundo ele, o momento é de incerteza. “Por enquanto, é só incerteza e alguma especulação que nem foi concretizada ainda. Mas o produtor rural está preocupado, tem produtor que está acompanhando isso, preocupado com o rumo que esse mercado vai tomar, com esses acordos e como é que vai ficar.”

Chavaglia finalizou dizendo que não cabe apenas ao setor produtivo agir: “Para ter outras portas comerciais, precisa do governo. Não tem como só o produtor fazer as coisas. Se o governo não estiver disposto a negociar e entrar nessas discussões todas, outros países podem acertar, e o Brasil fica de lado.”

Apesar de instabilidade nos EUA, globalização segue firme, avalia economista

A tentativa dos Estados Unidos de rever acordos comerciais e impor tarifas tem causado incertezas no cenário internacional, mas também abriu espaço para novas oportunidades de negócios, segundo o economista Everaldo Leite.

“Diante das incertezas ameaçadoras americanas, a economia internacional se abriu para novas oportunidades. A questão é que, mesmo que Trump volte atrás em todas as suas lambanças tarifárias, o ambiente que criou nos EUA foi de retrocesso comercial e de instabilidade institucional.”

Para o economista, a resposta dos países a esse novo cenário tem sido ágil. “Ninguém sabe no que isso vai dar, realmente, nem está a fim de esperar. Os países, a partir dessa situação bizarra, estão se mexendo como nunca, buscando estabelecer novos negócios e viabilizar novos canais de distribuição.”

Apesar da intenção do ex-presidente americano de enfraquecer o modelo atual de globalização, Leite vê um movimento oposto: “Os mercados internacionais estão se mostrando mais globais a cada dia, com cadeias produtivas dando a volta no planeta – muitas delas, a partir da Ásia – em busca de vantagens comparativas e competitivas. Isso não se desmonta de uma hora para outra.”

Everaldo Leite: “Há, atualmente, possibilidades que não devem ser ignoradas” l Foto: Arquivo pessoal

Ele discorda, nesse ponto, do embaixador Rubens Barbosa, que declarou que o livre comércio teria terminado. “O livre comércio não terminou. Ele está ativo, impulsionado especialmente pela China e pela própria inércia dos negócios já consolidados entre os países.”

Segundo Leite, o Brasil tem potencial para se destacar nesse cenário, especialmente pelo seu papel como fornecedor de commodities. “O Brasil se coloca no jogo, a princípio, tendo forte capacidade de produzir grãos, carnes e minérios, a preços internacionais competitivos e na quantidade demandada por países compradores, como a China.”

Ele também reconhece a importância das frentes de negociação mencionadas por Barbosa. “Concordo com o embaixador quando ele aponta o grande espaço para negociações nos âmbitos da ALADI e no TPP, e junto ao Japão, Vietnã, Indonésia, Canadá e México.”

Por fim, Leite defende uma estratégia nacional voltada ao fortalecimento da indústria com maior valor agregado. “O que é importante para o nosso país, realmente, é saber acordar com o restante do mundo, de forma estratégica, inserindo no comércio exterior cada vez mais produtos com maior valor adicionado, da indústria. Isso obrigará os segmentos de transformação a investirem mais em inovação e qualidade.”

Para ele, o Brasil deve aproveitar oportunidades industriais em áreas estratégicas. “Há, atualmente, possibilidades que não devem ser ignoradas, em áreas imprescindíveis como a da produção de energia limpa, de veículos elétricos e de tecnologias computacionais e de comunicação, entre outras.”

Fim do embargo

Diante das exigências sanitárias, da necessidade de rastreabilidade e do aumento do protecionismo, a China anunciou o fim de um embargo de três meses imposto a cinco grandes empresas brasileiras do agronegócio: ADM do Brasil, Cargill S.A., Terra Roxa Comércio de Cereais, Olam Brasil e C.Vale Cooperativa Agroindustrial.

Cargill S.A l Foto: Reprodução

Durante o período de restrição, essas potências do setor ficaram impedidas de exportar para o mercado chinês, um dos maiores importadores mundiais de soja, comprometendo sua capacidade de atendimento.

O embargo foi motivado pela detecção de resíduos de pesticidas em grãos de soja — uma ocorrência comum em sementes, mas inaceitável nos produtos destinados ao consumo humano e animal. A suspeita é que cargas de soja e sementes tenham sido misturadas por engano.

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