A falta de chuva condenou cerca de 20% da produção deste ano. As regiões Sul e Sudoeste do Estado foram as mais afetadas e cerca de dez munícipios decretaram situação de emergência

A forte estiagem que abateu Goiás impactou a produção agrícola, causando prejuízo de mais de R$ 2 bi  Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
A forte estiagem que abateu Goiás impactou a produção agrícola, causando prejuízo de mais de R$ 2 bi Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Frederico Vitor

As mudanças climáticas revelaram a fragilidade da agropecuária goiana. A forte estiagem que abateu o Estado, como em boa parte do País, pode gerar um prejuízo calculado em pouco mais de R$ 2 bilhões no campo neste ano. Conse­quentemente, esse aporte financeiro que deixará de entrar no caixa do agricultor vai afetar a economia dos municípios produtores, em especial das regiões Sul e Sudoeste de Goiás. O prejuízo é tão elevado, que a cifra perdida equivale ao Produto Interno Bruto (PIB) de Jataí, um dos maiores produtores de grãos do Centro-Oeste. Durante todo o mês de janeiro, choveu apenas 140 milímetros, o que corresponde a 56% abaixo da média dos últimos 14 anos.

Por causa da escassez de chuvas, segundo estimativas da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), o Estado pode perder cerca de 15% das nove toneladas de soja previstas para serem colhidas em 2015. Este percentual de perda corresponde a aproximadamente um milhão de toneladas do grão, que se traduz em um prejuízo financeiro de R$ 1,7 bilhão. Na região Sudoeste, onde mais se produz soja em Goiás, cerca de 85% da área plantada foi atingida pela estiagem em vários níveis. O mesmo ocorre na região Sul, também outra grande produtora de grãos, principalmente no cultivo da soja e de cana.

Pelo segundo ano consecutivo, o veranico e a falta de chuvas causaram danos irreversíveis ao produtor goiano. No geral, somando a produção de milho, feijão, soja e cana, o dano em decorrência da falta de chuvas é de 20% em Goiás, cerca de dois milhões de toneladas perdidas. Consequên­cias estas que, de forma indireta, chegarão primeiramente à indústria e, em seguida, ao consumidor final. Isto porque, trata-se de alimentos que são a base alimentar das rações de gado e frango, por exemplo. Se alguns prejuízos se confirmarem nas produções de feijão, o aumento do preço pode ser mais imediato nas prateleiras dos supermercados.

Mesmo com o retorno das chuvas nos últimos dias, os estragos já não podem ser revertidos, uma vez que o período seco coincidiu com um momento fundamental para as lavouras, que é a fase de florescimento e enchimento de grãos, justamente no momento em que as plantas têm as maiores exigências por água. Outro fator que agrava esta situação são as altas temperaturas registradas neste início de ano. O calor associado à baixa umidade afeta diretamente o desenvolvimento das lavouras, causando abortamento de fo­lhas, flores e vagens, o que representa menor peso de grãos e consequentemente na queda do potencial produtivo.

A atual estiagem foi a mais forte desde o começo do acom­panhamento meteorológico em Goiás. Municípios como Rio Verde, Mineiros, Serranó­polis e Montividiu foram os mais afetados pela escassez pluvial. De acordo com a Faeg, cerca de 10 cidades goianas estão prestes a decretar situação de emergência devido à falta de chuva, o que daria amparo a possíveis negociações junto aos órgãos oficiais e instituições financeiras. Em outras regiões, como no Meio-Norte goiano, não houve problema de falta de chuvas, porém a irradiação solar foi tão intensa que potencializou o ressecamento de parte da lavoura.

E não apenas a produção de soja é afetada. O milho também vai registrar forte queda. A previsão é de redução da safra dos 180 mil hectares de área plantada da cultura. Para a próxima colheita são esperados apenas um milhão de toneladas, sendo que, em anos anteriores, foram registrados cerca de 1,3 milhão de toneladas colhidas. Para agravar ainda mais a situação, o produtor goiano também deve enfrentar outros dois complicadores: a elevação do custo da produção em 10%; e a desvalorização do valor da soja no mesmo porcentual.

O preço médio em 2014 era de R$ 55 a saca, mas o valor estimado para este ano deve fixar em R$ 50, chegando no máximo a R$ 53. A perda total da produção da soja no Brasil é calculada em 4 bilhões de toneladas, enquanto a produção mundial é de 300 bilhões.

O acúmulo do aumento do custo de produção em 10%, juntamente com a queda no preço, pode deixar alguns produtores com uma receita líquida de até 40% a menos em relação ao ano anterior.

Danos irreversíveis preocupam produtor goiano

Segundo o presidente da Faeg, José Mário Schreiner, diferentemente de 2014, em que a seca atingiu locais pontuais, neste ano o cenário é de maior insegurança. Por conta da situação calamitosa, a gerência técnica da entidade tem trabalhado para levantar dados que justifiquem a situação de emergência. Ele explica que culturas como milho, grãos, silagem, pastagem, leite e carne foram afetadas em todo o Estado mostrando, assim, a fragilidade do setor agropecuário que é responsável por 80% das exportações goianas. “De um lado somos fortes; de outro, estamos desprotegidos. Basta 30, 40 dias sem chuva para que a nossa riqueza fique comprometida”, diz.

Na safra de 2013/14, as chuvas começaram mais cedo e, por volta de 10 de outubro de 2013, grande parte dos produtores já havia iniciado o plantio da soja, principal cultura do Estado durante o verão. Já na safra 2014/15, as chuvas foram tardias e, por volta de 20 de outubro, muitos produtores ainda não haviam começado o plantio. O veranico e a seca atingiram agora não somente a fase dos enchimentos dos grãos, mas todas as fases do plantio em diferentes regiões, como a fase de flor, enchimento e secagem dos grãos.

Em Santa Helena de Goiás, a situação foi tão crítica que o prejuízo foi de 30% a 40% da produção total nas lavouras do município. O plantio foi retardado pela demora das chuvas e, além disso, as temperaturas estão muito elevadas desde dezembro, o que tem piorado ainda mais o quadro da região.

Em Paraúna, a situação não é muito diferente. Algumas lavouras já perderam até 80% da produção, enquanto outras registraram perdas na casa dos 20%. Em Crista­lina, município que ostenta o título de maior PIB agrícola do Brasil, os produtores da região foram forçados a atrasar o plantio com registro de perdas entre 10 e 15%.

O superintendente executivo da Secretaria de Desenvolvimento, Econômico, Ciência e Agricultura, Antônio Flávio Canedo de Lima, admite que a situação vivenciada pelos produtores no início deste ano vai afetar consideravelmente a produção goiana.

Entretanto, ele lembra que os prejuízos não foram homogêneos, e que há lavouras no Es­tado em que a perda foi praticamente zero. O superintendente executivo afirma que o governo de Goiás tem agido junto ao Ministério da Agricultura na busca por mais políticas voltadas ao seguro agrícola e no sentido de fortalecê-lo por meio de preços mais baixos. “Precisamos que o governo federal disponibilize os recursos, pois o Estado não tem condições de atender todas as demandas”, ressalta ele.

Seguro rural é a única solução para os momentos críticos

Em Goiás, somente 825 mil hectares, ou 14% da área plantada, é segurada Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Em Goiás, somente 825 mil hectares, ou 14% da área plantada, é segurada Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Em situações de emergência e calamidade no campo, como a vivida atualmente em Goiás, um instrumento eficaz que deveria salvaguardar o produtor rural é o seguro agrícola. Tem sido assim no mundo inteiro, principalmente em países com grandes produções, como os Estados Unidos, onde o seguro ga­rante 90% de toda a produção, mi­nimizando as perdas dos agricultores norte-americanos. No Bra­sil, a realidade tem sido diferente. A cobertura não passa dos 70% e apenas 14% da área agricultável do Bra­sil tem algum tipo de seguro rural.

Em 2014, por exemplo, a contratação de seguro rural em Goiás foi realizada em cerca 825 mil hectares, o que representa apenas 14% da área total plantada em solo goiano. O seguro para soja não passou de 50% de cobertura para o risco, lembrando que este índice pode chegar em até 70%. O grande problema apontado pelos produtores é que o seguro não atende às con­dições dos produtores e o go­verno não aloca volume de recursos para ter abrangência maior da safra.

No ano passado, o governo federal anunciou que haveria, em 2015, um investimento no seguro rural de R$ 700 milhões dentro do Plano Agrícola e Pecuário 2014/2015. Contudo, somente R$ 400 milhões foram alocados, deixando alguns produtores com o risco de ficar sem o seguro. Na tentativa de amenizar este quadro de insegurança, Estados como Minas Gerais, Paraná e São Paulo, que ostentam grandes produções e parte da economia e dependem do bom rendimento no campo, têm pago 25% do seguro a seus produtores. Deste modo, o governo federal garante 60%, o governo estadual complementa com 25%, sobrando ao produtor rural os 15% restantes a serem arcados.

A contratação de seguro agrícola pa­ra a cobertura de perdas na produção tem sido possível somente com o apoio dos recursos liberados pelo governo federal e por alguns governos estaduais que detêm programas de subvenção ao prêmio. É co­mo em qualquer seguro: quanto mais gente contratando, mais barato ele pode ficar. Como a modalidade é pouco acessada, o custo é alto, ou seja, o governo dá o subsídio, mas a verba ainda é insuficiente para abranger quase a totalidade dos produtores.

Faltam estímulos

Existe a estimativa que o mercado de seguro rural no Brasil tem potencial de R$ 4 bilhões. Entretanto, justamente por serem agricultura e pecuária atividades de alto risco climático, o prêmio — valor inicial que se paga para contratar o seguro — é sempre alto e, muitas vezes, inviável para o produtor rural. Outro fator que tem elevado o custo do seguro é a dificuldade de monitoramento. Como as áreas agricultáveis são dispersas em diferentes regiões e muitas vezes de difícil acesso, o monitoramento das áreas seguradas tem custo elevado. Além disso, esse trabalho depende de pessoal especializado, de técnicos e agrônomos.

Outro entrave é a falta de informação dos produtores, como estatísticas de produção, área plantada e produtividade. Sem incentivos, os agricultores mais produtivos não se sentem estimulados a segurar a produção, pois somente uma parcela será efetivamente garantida e o alto custo do prêmio não compensa o valor segurado. Porém, a principal reivindicação dos produtores é por mais clareza na política pública para o setor. Planos mais claros, com aspectos climáticos e de preços, podem melhorar este mercado, já que as seguradoras poderão desenvolver produtos específicos e com abrangência maior na cobertura de perdas e no custo da produção.

Perda no campo deve refletir diretamente no PIB do Estado

Goiás, cuja economia é altamente influenciada pelo setor agropecuário, deverá sentir reflexos diretos dos prejuízos causados pela forte estiagem no campo. O Estado é o quarto maior produtor nacional de grãos, representando 11,1% da produção nacional. De acordo com o economista e professor da Pon­tifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Jeferson de Castro Vieira, o PIB goiano de 2014 deverá fechar em R$ 144 bilhões. Deste montante, cerca de R$ 19 bilhões (13,2%) seriam da participação da agricultura. Porém, este valor estimado terá redução de 10%, exatamente os R$ 2 bilhões de prejuízos em decorrência das perdas da produção afetada pela forte estiagem.

Com menos capital do que nos anos anteriores, outros setores da economia serão diretamente afetados, principalmente a indústria e o setor de serviços. Nesta última área, os transportes e armazenagem serão prejudicados, tal como o comércio de insumos e maquinários agrícolas e os prestadores de serviço — dependendo do município, até mesmo a atividade imobiliária será atingida. Segundo Jeferson de Castro, apesar dos reflexos mais profundos, em especial na área industrial, o cenário não será de catástrofe total, já que nos últimos anos a economia goiana se diversificou — 60,5% do PIB goiano correspondem ao setor de serviços e 26,3% à indústria. “Nossa economia não é mais baseada principalmente na agropecuária, mas a perda de R$ 2 bilhões na economia não deixa de gerar impactos.”

De acordo com dados da Faeg, na safra 2013/2014 foram obtidos nove milhões de toneladas de soja, cinco milhões de toneladas de milho, 900 mil toneladas de sorgo, 148 mil toneladas de arroz — entre sequeiro e irrigado —, 289 mil toneladas de feijão, 204 mil toneladas de algodão e 19 mil toneladas de trigo. Um total de mais de 18 milhões de toneladas de grãos colhidas em 4,6 milhões de hectares de área plantada. Para a safra 2014/2015, a expectativa é de que a soja não ultrapasse os 8,7 mi­lhões de toneladas, em 3,2 milhões de hectares de área plantada, o que dá 2,8 toneladas por hectares.

 

Impactos da estiagem na agricultura goiana na safra 2014/2015

  • Da expectativa de 9,1 milhões de toneladas de soja para safra 2014/2015, cerca de 15% estará comprometida.
  • 8,5 milhão de toneladas de soja. Esta é a previsão para safra 2014/2015.
  • 3.213.000 hectares será a área plantada de soja.
  • 2,65 toneladas por hectare é a produtividade para safra de soja.
  • 1,7 milhão de tonelada de soja é o total perdido.
  • R$ 2 bilhões é o prejuízo total da agricultura goiana para safra 2014/2015.
  • R$ 2 bilhões correspondem a 10% do PIB agrícola goiano.
  • Regiões Sul e Sudoeste de Goiás foram as mais afetadas pela estiagem.
  • Apenas 14% da área agricultável de Goiás têm cobertura do seguro agrícola.
  • Dos R$ 700 milhões de aporte prometido pelo governo federal para expansão do seguro agrícola, apenas R$ 400 milhões foram alocados.
  • Setores da indústria e serviços serão afetados, principalmente transporte, armazenagem, comércio de insumos agrícolas e maquinários, prestadores de serviços e ramo imobiliário.