Déficit de Goiás mostra que dever, às vezes, é mais positivo que negativo
04 abril 2015 às 10h52
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Manter uma dívida, financeiramente falando, é algo a ser evitado; mas em determinadas situações, além de inevitável, tal ação se mostra necessária
Marcos Nunes Carreiro
Na semana passada, os secretários Ana Carla Abrão (Fazenda) e Thiago Peixoto (Gestão e Planejamento) estiveram na Assembleia Legislativa — a convite da Comissão de Tributação, Finanças e Orçamento — para discutir o projeto que visa alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
A questão foi adequar a LDO à nova realidade econômica do País, que é diferente da vivida em junho do ano passado, quando tanto a economia goiana quanto a nacional cresciam. Já não é o caso atual, se analisados os três primeiros meses deste ano. Baseado nisso, o governo estadual encaminhou à Assembleia o projeto de readequação. A principal mudança — bastante levantada pelos jornais — foi na retração da expectativa de arrecadação para 2015, que era de R$ 22,19 bilhões e passou a ser de 18,87 bilhões, ou seja, cerca de R$ 3,3 bilhões menor que a esperada.
De acordo com Ana Carla, que concedeu entrevista à reportagem na manhã da quinta-feira, 2, isso aconteceu por alguns motivos: a primeira foi a não vinda de R$ 400 milhões oriundos do Fundo de Participação dos Estados (FPE), de responsabilidade do governo federal, fora que “todas as linhas de receita, desde as transferências da União de compensação de exportações, não virão neste ano, segundo a sinalização dada pelo Ministério da Fazenda”.
Fora isso, a secretária aponta que, baseado nos repasses de janeiro, fevereiro e março deste ano, o Estado já conta com o não crescimento das suas arrecadações, que vêm de impostos como ICMS, IPVA e ITCD. Logo, os R$ 22, 19 bilhões são praticamente inatingíveis. É uma estimativa. Porém, o ponto que deveria ser realmente explorado é o déficit do Estado, que também retraiu: dos R$ 680.583 realizados em 2014 para R$ 441.029, seguindo a estimativa para 2015.
Déficit é uma palavra negativa, que não inspira bons pensamentos. Porém, nem sempre ela é, de fato, ruim. Muitos economistas defendem, por exemplo, que épocas de crise financeira, como a atual, o déficit dever ser mantido ou, às vezes, até aumentado se isso significar a continuidade dos investimentos e dos gastos públicos, pois isso estimula que a sociedade — empresários e famílias — também gaste, movimentando a economia.
Um dos economistas que defendem esta tese é o professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) Everton Rosa. Ele diz: “Sou contra acabar com esse déficit em uma situação com a que estamos onde não há crescimento. O ideal é manter ou até mesmo aumentar o déficit para estimular a economia e, assim, reajustar a situação fiscal. A busca pela austeridade fiscal pode piorar o problema”, diz.
A questão, de acordo com o professor é que “numa crise, quando o Estado aposta no processo de corte de gastos, ele induz muitos outros agentes a reduzir seus gastos também. O problema é que o gasto é o que move a economia. Se ninguém gastar, o PIB [Produto Interno Bruto] cai. E como a economia é baseada nisso, se o PIB cai a arrecadação será ainda menor”. A lógica pode parecer estranha, mas é verdadeira. Às vezes, é necessário dever para ganhar. Isto é, o Estado, como agente de desenvolvimento, deve pensar nisso.
Tanto é que há outra economista a concordar com essa lógica, embora de maneira levemente diferente: Ana Carla Abrão. Sim, a secretária da Fazenda se mostra favorável à noção apresentada por Everton. E suas ações, como se mostrará a seguir, relatam isso.
O déficit
É sabido que o Estado passa por um momento de ajuste fiscal — aliás, esse tem sido o termo mais ouvido não só pelos goianos, mas pelos brasileiros nos últimos meses — afinal, em termos de governo federal, se não fossem os escândalos da Petrobrás, esse seria o centro de todas as discussões. E esse ajuste tem cortado custos no Estado. Há um limite imposto para os gastos com custeios, R$ 740 milhões, além de um contingenciamento de R$ 869 milhões do Orçamento para 2015.
Vem daí o corte, inclusive, do funcionalismo público comissionado, parte que custa caro aos cofres estaduais e também os “atrasos” ocorridos no pagamento de alguns servidores — Tribunal de Justiça e o Ministério Público não receberam no dia usual, 30, com a previsão de que os salários caíssem até o quinto dia útil de abril, data limite, segundo a lei para os pagamentos. Um retardamento.
O ajuste é justificado pela desaceleração da economia brasileira, que deve piorar o cenário previsto para o resto do ano para todos os Estados. Assim, o leitor pode perguntar: se o déficit diminuiu R$ 240 milhões, por que o Estado precisa fazer um ajuste tão rígido a ponto de sufocar alguns setores da sociedade? Foi a pergunta feita à secretária Ana Carla.
A resposta veio da seguinte maneira:
“De toda forma já teríamos um resultado ruim neste ano, pois, apenas com a questão do FPE [Fundo de Participação dos Estados], já teríamos R$ 400 milhões a menos. Esperávamos um superávit de R$ 527 milhões, segundo a LDO aprovada no ano passado, mas só o FPE praticamente zeraria esse superávit. Levando em consideração que as quedas das receitas são maiores, necessariamente, teríamos um déficit muito grande, que não é tão grande quanto no ano passado porque o ajuste já está fazendo a diferença. O corte de despesas vem justamente para que possamos fazer um esforço a fim de reverter a tendência do aumento de déficit que teríamos naturalmente só pela revisão de despesas e receitas. Então, teremos um déficit, mas, graças aos ajustes, ele será menor do que seria de outra forma e menor que no ano passado”.
Vamos desmembrar essa resposta e explicá-la melhor. O conceito de déficit é muito simples: trata-se da diferença entre as receitas e despesas primárias, isto é, o resultado da subtração entre o que o Estado gera e gasta. As receitas primárias são formadas por tudo aquilo que o Estado gera com arrecadação, como impostos e repasses do governo federal; já as despesas primárias são aquelas contas diretas da administração pública, não só dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, mas também todo o arcabouço administrativo do Estado.
Esse déficit de pouco mais de R$ 440 milhões é primário, ou seja, não leva em consideração seus juros e correção monetária. Logo, faz parte de um desequilíbrio maior. Trata-se do déficit operacional, que leva em consideração todos os acréscimos tanto de receita quanto de despesa, como investimentos e outras receitas extraordinárias, de outros órgãos, operações de crédito etc. “É quase ter uma visão completa do caixa do Estado: quanto o Estado paga de dívida, quanto toma de empréstimo, quanto há de receita e despesa”, explica Ana Carla. Em 2014, esse descompasso no balanço do orçamento foi de aproximadamente R$ 1,3 bilhão. Neste ano, ele continuará considerável, embora razoavelmente menor.
Investir é preciso, mas pode acabar resultando em problemas
A grande questão é que o déficit primário de Goiás, esse de R$ 440 milhões, foi mantido racionalmente, isto é, por escolha. Segundo a secretária da Fazenda, Ana Carla Abrão, isso ocorreu por um motivo: por causa do ajuste fiscal. Acontece que a Secretaria da Fazenda (Sefaz) calibrou — para usar uma palavra da própria secretária — o ajuste no sentido de que esse déficit, mesmo mantido, não seja grande o suficiente para amplificar uma desaceleração econômica que já está acontecendo.
Por que manter o déficit? “Optamos por ir com déficit este ano porque a dívida não é um problema e o resultado primário, além de dar sustentabilidade às finanças, tem o objetivo de reduzir a dívida no tempo. Essa é a grande preocupação do ministro [da Fazenda] Joaquim Levy. No nosso caso, como a dívida não é um problema, pois vem declinando ao longo, e deverá declinar mais aceleradamente a partir do ano que vem, pelo perfil dos contratos; optamos por manter o déficit para não exigir financeiramente da economia em um período de desaceleração. Além disso, ele sendo menor, sinaliza o equilíbrio das contas”, explica a secretária.
A dívida não ser um problema para o Estado também é algo a ser esclarecido. Quando a dívida é grande, é necessário que o governo, seja de uma unidade da Federação ou da União, faça uma poupança para garantir seu pagamento. É como o sistema de uma casa: a família conta com os salários e com outras rendas que garantem seu custeio. Porém, há dívidas no longo prazo que geram juros. Então, é preciso guardar uma parte do dinheiro para que esses juros não se acumulem e sufoquem a família no futuro. Mas isso só é possível se as despesas correntes não forem maiores que os ganhos. Se isso ocorrer, não há como economizar para pagar depois.
O mesmo serve para o Estado, segundo Ana Carla. O déficit poderia ter sido quitado, mas isso faria com que Goiás ficasse sem recursos para continuar investindo, o que travaria a economia. “Se não há alto endividamento”, diz Ana Carla, “o incentivo para o Estado gerar poupança é zero, porque, a rigor, gerar poupança significa deixar de devolver benefícios e investimentos à sociedade. Ou seja, não faz sentido. O ideal, claro, é gerar superávit, mas hoje teríamos de fazer um esforço muito grande para isso, o que obrigaria o Estado a enxugar mais ainda suas despesas. Porém, como não temos problemas de dívida, podemos gerar déficit. Por outro lado, essa conta não fecha se tivermos uma despesa maior do que as receitas primárias de forma recorrente, porque isso significaria um desequilíbrio no mês a mês”.
Soma-se a isso a seguinte análise: investimentos geram despesas futuras. Tomemos Goiás como exemplo. O Estado tem investido muito nos últimos anos e isso gera uma pressão de caixa, pois há o custo operacional desses investimentos. À medida que uma nova rodovia é feita, dinheiro será necessário para mantê-la funcionando. Isto é, investir mais é bom, mas sem perder de vista que também é necessário ter caixa para manter esses investimentos no futuro.
“É por isso que estamos trabalhando em um processo paralelo de concessões, de desmobilização do Estado para que partes desses investimentos não sobrecarreguem o caixa do Tesouro de forma definitiva. Então, optamos por sacrificar um pouco o nível de investimentos neste momento”, relata a titular da Sefaz. Em outras palavras, segundo a secretária, a calibragem do ajuste foi feito de modo proposital para ter um resultado primário negativo, mas criando condições para que esse déficit seja menor.
Isso tem a intenção de sinalizar que o desequilíbrio financeiro está sendo observado de forma a não existir mais uma situação em que as despesas não sejam maiores que as receitas. Além disso, de acordo com ela, Goiás conta com R$ 5,7 bilhões de recursos que não foram tocados e que deverão garantir a continuidade dos investimentos ao longo desse ano. Basicamente são recursos de vinculações e empréstimos ainda não desembolsados. Por isso, os programas sociais mantidos.
Olhando por esse prisma, portanto, o déficit é positivo.
Aumentar carga tributária como mecanismo de incrementar receita
Os ajustes promovidos em Goiás podem ser comparados com os encabeçados pelo ministro Joaquim Levy no governo federal? Não. Isso é consenso entre a secretária da Fazenda, Ana Carla Abrão, e o deputado estadual Luis Cesar Bueno (PT). Os dois apontam que os de Levy são muito mais rígidos. A questão: enquanto a primeira não acha necessário enrijecer mais as medidas do Estado, o segundo acredita que sim.
Geralmente atento ao que acontece de fato no Estado — um dos poucos deputados, seja de situação ou de oposição, capaz de fazer isso com clareza —, Luis Cesar observa alguns pontos a que Goiás precisaria se atentar: enxugar mais a máquina pública e tornar mais duras as políticas fiscais. Sobretudo, o segundo ponto.
“Alguns segmentos do mercado têm suas cargas tributárias praticamente zeradas, como a construção civil, frigoríficos, laticínios, entre outras. Então, o governo precisa retomar esses impostos como forma de aumentar a receita, pois apenas reduzir gastos não adianta”, declara.