Setembro é o mês em que a saúde mental entra em pauta e a cor amarela é a escolhida para colorir o período em que a prevenção ao suicídio ganha destaque na mídia. Nessa época, especialistas são ouvidos pela imprensa, todos ressaltando a importância de falar sobre o tema e não apenas no nono mês do ano, mas em todos os outros meses também. Trata-se de uma campanha adotada no Brasil desde 2015 pelo Centro de Valorização da Vida (CVV).

De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde (SES), de 2019 a agosto deste ano foram registrados mais de 2,8 mil suicídios em Goiás. E, quando se fala em tentativas, o número é quase seis vezes maior, o que coloca o Estado em 8º lugar no País. A faixa etária com maior número de pessoas que cometem suicídio em Goiás é de 20 a 59 anos. Por isso, ações de conscientização sobre esse tema são promovidas pela SES, que incentiva também o diálogo entre as pessoas para salvar vidas. 

Na Câmara dos Deputados, em Brasília, tramita um projeto de lei, o PL 1970/23, que pretende definir diretrizes para coberturas jornalísticas de casos de suicídio e de tentativas de suicídio, com o objetivo de desencorajar a prática e evitar a glamorização do ato. Caso aprovado, o texto vai alterar a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio (Lei 13.819/19). O texto é baseado em um documento da Organização Mundial da Saúde (OMS) intitulado “Prevenção do Suicídio: um Manual para Profissionais da Mídia”.

O projeto define que a divulgação de casos de suicídio na internet, jornais, periódicos, empresas de radiodifusão e agências de notícia deverão ser informadas ao serviço telefônico do Centro de Valorização da Vida – CVV (Ligue 188). Deve-se utilizar informações confirmadas por órgãos públicos ou por organismos internacionais governamentais, assim como, não divulgar imagens da vítima, da cena do suicídio ou da tentativa, nem dados sobre o método empregado. A proposta também determina que não se divulguem cartas de despedida e de outros materiais de autoria da vítima; condena a ênfase no sofrimento vivenciado pela família e pelos sobreviventes; e orienta jornalistas a não descrever as lesões e as sequelas provocadas por tentativas de suicídio não fatais.

Centro de Valorização da Vida oferece atendimento pelo número 188 | Foto: reprodução Nathália Vital

Para a professora da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da Universidade Federal de Goiás (UFG) Ângela Moraes, a abordagem jornalística sobre o suicídio deve enfatizar a prevenção e também causas e tratamentos disponíveis. Na visão dela, é papel do jornalismo orientar e informar sobre grupos de apoio como forma de orientação à família e a amigos próximos, no sentido de perceber os sinais.

Além disso, ela reforça a necessidade de “sempre entrevistar psicólogos, psiquiatras e outras pessoas com experiência em acolhimento”. “Deixar de falar não é uma boa alternativa, porque essa questão já virou assunto de saúde pública”, completou a professora. No entanto, ela preconiza que deve-se evitar falar sobre os métodos usados para o suicídio.

Segundo Ângela, é condenável a exploração do sofrimento dos familiares sobreviventes, segundo ela. “Também sou contra algumas abordagens religiosas que falam do ‘castigo eterno’”, pontuou. A professora também não aprova atribuir às vítimas o adjetivo “covarde”.  

O professor Magno Medeiros, também da FIC/UFG, evitou comentar especificamente sobre o projeto de lei em tramitação no Congresso, por não ter ciência da última versão dele. Mesmo assim, ele afirmou que, em tese, é totalmente favorável a projetos de lei que atribuam à imprensa e aos meios de comunicação em geral o mínimo de responsabilidade social. “Medidas que buscam prevenir o suicídio são extremamente salutares”, destacou.

De acordo com o professor, o suicídio possui causas variadas, é multifatorial, multidimensional, e todo e qualquer esforço para prevenir essas práticas devem ser ressaltadas. Magno se baseia em um manual da Organização Mundial da Saúde (OMS), editado em 2000. “Esse documento prevê uma série de medidas para evitar a espetacularização e banalização da violência, em particular do suicídio”, explicou.

O documento da OMS citado pelo professor é o mesmo utilizado pelo autor do projeto de lei em tramitação no Congresso. O documento diz que a cobertura sensacionalista de um suicídio é devastadora pelo potencial de influenciar negativamente pessoas em situação de vulnerabilidade. “O suicídio é uma questão de saúde pública e deve ser tratado como tal. Portanto, a mídia e a imprensa têm uma responsabilidade social para evitar que essas práticas se proliferem”, diz.

Magno orienta ainda que a cobertura da mídia sobre seja serena, isenta e se paute por informações. E ele acredita que o debate é importante. “Não é que não se deva debater, mas a cobertura sensacionalista, vulgar, presta um desserviço à sociedade”, justifica. Justamente por isso, conforme orienta o professor, uma cobertura jornalística sobre casos de suicídio deve evitar citar nomes, publicar fotos, cartas ou qualquer imagem relacionada ao ato. “Tudo isso deve ser evitado como medida de profilaxia e prevenção”, pontuou.

O PL 1970/23 ainda deve ser analisado pelas comissões de Saúde, de Comunicação, de Cidadania e de Constituição e Justiça. Se aprovada em plenário, a proposta é que o descumprimento das diretrizes implicará aos veículos de comunicação uma multa que pode variar de 20 a 100 salários mínimos, valor que pode dobrar em caso de reincidência.