O economista francês Thomas Piketty esteve no País recentemente e propôs uma solução. Economistas e políticos de Goiás opinam a respeito

Desigualdade social evidente: prédios luxuosos do Morumbi lado a lado com a favela de Paraisópolis

Marcelo Mariano

O renomado economista francês Thomas Piketty participou, no final de setembro, do fórum de palestras “Fronteiras do Pensa­mento”. Foi a segunda vez que esteve no Brasil. Reconhecido internacionalmente pelo livro “O Capital no Século XXI”, lançado em agosto de 2013, o economista concedeu uma entrevista exclusiva à Maria Cristina Fernandes, do “Valor”, e fez duras críticas ao sistema de arrecadação tributária brasileiro.

Em sua obra mais famosa, Piketty não incluiu informações sobre o Brasil devido à dificuldade em se conseguir dados mais precisos, que só foram liberados pela Receita Federal no ano passado após terem sido processados pelos economistas Marcelo Medeiros e Pedro Ferreiro de Souza.

Thomas Piketty é um dos diretores do instituto de pesquisa “World Wealth and Income Database” (Bando de Dados de Riqueza e Renda Mundial, em tradução livre) e, por meio de um estudo do irlandês Marc Morgan — seu orientando —, Piketty conseguiu obter um posicionamento mais claro em relação ao Brasil.

De acordo com o economista francês, não é necessário crescer primeiro para só depois distribuir. Ele argumenta que os países mais ricos do mundo, citando os exemplos dos Estados Unidos, da Alemanha, do Japão, da França e do Reino Unido — onde os impostos sobre grandes fortunas chegam a 40% —só se desenvolveram porque resolveram repartir a renda através de uma política de progressividade fiscal, cuja inexistência em terras brasileiras, para Piketty, é responsável por bloquear o desenvolvimento do País, que insiste em manter este tipo de taxação em apenas 4%. “No Brasil, há um nível de concentração de renda excessivo para o país se desenvolver. As elites do país devem aceitar pagar mais impostos e o Estado deve fazer mais investimentos sociais”, sugere Piketty.

Segundo a pesquisa de Marc Morgan, o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, concorrendo com países como a África do Sul, que saiu do Apartheid em 1994. Além disso, os níveis de desigualdade no Brasil não foram reduzidos de maneira significativa em razão da incapacidade de governos, sejam eles de direita ou de esquerda.

No período que compreende o final do governo Fernando Henrique Cardoso, passando pelos dois mandatos de Lula da Silva e chegando até Dilma Rousseff, os 50% mais pobres aumentaram sua participação na riqueza do Brasil de 11% para 13%, enquanto os 10% mais ricos caíram somente de 55% para 53%.

A pesquisa do irlandês aponta para outro dado interessante: a renda anual média do 1% mais rico no Brasil, em 2015, foi de 541 mil dólares (1,6 milhão de reais), enquanto o equivalente francês não passou de 500 mil dólares. Em outras palavras, os ricos brasileiros têm mais dinheiro do que os da França. Marc Morgan também compara os que têm menores condições financeiras em ambos países: no Brasil, a renda anual média dos 90% mais pobres é análoga à dos 20% mais pobres na França.

O economista francês Thomas Pikkety (esq.) só conseguiu obter um posicionamento mais claro
em relação à desigualdade social no Brasil após estudo de seu orientando, o irlandês Marc Morgan


Educação

Segundo Thomas Piketty, trata-se de uma questão de justiça social taxar as grandes fortunas que caíram nas mãos de pessoas que não trabalharam o suficiente para merecê-la.

Entretanto, a difusão da educação, ressalta o economista, é a política mais importante para a redução das desigualdades. “O investimento em educação não pode resultar em um sistema em que os mais pobres paguem mais que os mais ricos pelo acesso à educação.” Conforme relatado em “Às Urnas, Cidadãos”, um outro livro de sua autoria, Thomas Piketty acredita que as universidades públicas só beneficiam uma elite de privilegiados.

“É preciso que os cidadãos se engajem no debate econômico”

Montagem

Em relação à obra “O Capital do Século XXI”, Thomas Piketty considera o sucesso de vendas uma de­monstração de que cada vez mais pessoas ao redor do mundo enxergam a necessidade de participar da discussão acerca do desenvolvimento ao passo em que rejeitam o pensamento de que a economia deve ser debatida somente por especialistas. “É preciso muito mais do que um livro para mudar a relação de forças na sociedade. É preciso que os partidos políticos e os cidadãos se engajem.”

É nesse sentido que o Jornal Opção resolveu instigar este tipo de debate. Foram ouvidos economistas e políticos de Goiás sobre o tema da desigualdade social e da taxação de grandes fortunas. Porém, o intuito é que, a partir do for abordado a seguir, a análise principal fique por conta do leitor. Afinal, estamos nos aproximando de um ano eleitoral e assuntos relevantes como esse podem vir a ser levantados pelos candidatos. O presidenciável Ciro Gomes (PDT), por exemplo, costuma citar em suas palestras o fato de que, no Ceará, há uma tributação de 8% das grandes fortunas e, por isso, o Estado não estaria passando o aperto econômico sentido nos demais entes federativos, como o Rio de Janeiro.

Sérgio Duarte, doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz ser favorável à taxação de grandes fortunas. Contudo, salienta que esta política deve ser posta em prática com cuidado, uma vez que pode, eventualmente, ocasionar a fuga de capitais para paraísos fiscais.

Professor do programa de mestrado em Desenvolvimento e Pla­ne­jamento Territorial da Pontifícia Uni­versidade Católica de Goiás (PUC-GO), Sérgio Duarte diz que é necessário re­conhecer o preocupante grau de anomalia existente no Brasil no que tange à comparação entre o grau de desenvolvimento econômico e a distribuição. “É algo que só se assemelha às regiões mais pobres da África”, frisa. “Precisa vir um francês aqui para a imprensa falar sobre isso.”

Ex-vice-prefeito de Goiânia e ex-secretário de Finanças da capital, Valdivino de Oliveira pensa diferente. Para ele, é injusto taxar grandes fortunas. “No Brasil, a estrutura tributária é baseada na produção. Já se paga altos impostos em quase tudo que se produz.” Valdivino de Oliveira argumenta que a redução da desigualdade passa pela diminuição do imposto sobre a renda. “Com menos impostos, gasta-se menos e acumula-se mais.”

O ex-senador da República Cyro Miranda concorda em aumentar a carga tributária sobre grandes fortunas, mas em uma escala menor do que em outros países, como no Japão, onde foi aprovado, no passado, um imposto de 50% sobre as heranças. “Com sede em aumentar a arrecadação, pode ser que o governo classifique grandes fortunas que, na verdade, não sejam tão grandes assim”, diz.

De acordo com Cyro Miranda, não se diminui a desigualdade apenas como taxação. É preciso que haja, segundo ele, uma política pública de distribuição igualitária sem populismo que ofereça oportunidades iguais, como educação de alto nível na escola pública. “Hoje, o rico tem mais chances de ir para a faculdade pública porque tem condições de pagar pelo ensino da escola particular. O foco está errado: a classe média é que deve ser predominante.”

O deputado federal Thiago Peixoto (PSD) vai praticamente na mesma linha de raciocínio. Ele acredita que, em um país desigual como o Brasil, a taxação de grandes fortunas pode ser um dos caminhos, mas alerta que não pode ser tratada como uma solução definitiva. “Deve ser feito de uma forma não excessiva. Assim, teríamos uma sociedade menos desigual e também uma economia mais saudável, haja vista que imposto em excesso pode inibir investimentos.”

Crescimento econômico

Um ranking do Fórum Eco­nô­mico Mundial, de 2016, previa Myanmar em primeiro lugar no tocante ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), com 8,6%, seguido da Costa do Marfim (8,5%), Butão (8,4%), Índia (7,5%), Laos (7,4%), Iraque (7,2%), Camboja (7%), Tanzânia (6,9%), Bangladesh e Senegal (ambos com 6,6%). O índice de pobreza nesses países, por outro lado, também é alto.

Crescimento econômico nem sempre costuma refletir em igualdade social. De acordo com a Mercer, a maior consultoria de recursos humanos do mundo, as melhores cidades para se viver são Viena, Zurique e Auckland, localizadas, respectivamente, na Áustria, Suíça e Nova Zelândia, países que nem participam do G20, grupo das maiores economias do mundo. Ainda segundo a lista elaborada pela Mercer, a cidade com a pior qualidade de vida é Bagdá, capital do Iraque.

Sérgio Duarte lembra que o período em que o Brasil mais cresceu foi do pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945) ao chamado milagre econômico (1968-1973), época em que também se registrou o ápice da concentração de renda. Segundo o economista, a distribuição de renda possui um efeito positivo no consumo e, dessa forma, pode acarretar em um crescimento econômico mais equilibrado.

Thiago Peixoto reitera o fato do País já ter registrado crescimento econômico significativo sem reduzir desigualdade. O Brasil tem de crescer com equidade social. Uma coisa não atrapalha a outra.” Para Valdivino de Oliveira, o ideal é similar. “Tem de crescer, mas com qualidade, investindo em educação, tecnologia e qualificação dos trabalhadores.” Na sua análise, as pessoas passariam a ter maior participação no “bolo da economia” à medida em que se aumenta da renda per capita.

Medida provisória

A Medida Provisória 806, publicada pelo governo federal na segunda-feira, 30, deve atingir as grandes fortunas. Ela institui o imposto cobrado semestralmente (come-cotas) para fundos fechados de renda fixa e multimercados. De acordo com o texto, a cobrança do imposto de renda em 2018 já deverá feita pela alíquota efetiva, colocando os cotistas de fundos fechados em situação mais onerosa em comparação com os de fundos abertos.

No entanto, há uma incerteza jurídica. Se a Justiça interpretar como majoração de impostos, será necessário criar uma lei a fim de evitar inconstitucionalidade. A MP pode, portanto, enfrentar problemas caso não vire lei até o final de 2017.