Especialista aponta resposta do governo ao atentado no STF como decisiva para coibir novos ataques políticos extremistas
18 novembro 2024 às 12h08
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O atentado com bomba que aconteceu na sede do Supremo Tribunal Federal (STF) na última semana chamou a atenção de todo o país. Por ter aparente motivação política, o ataque à sede do Poder Judiciário foi comparada, resguardada as devidas proporções, com os ataques do oito de janeiro de 2023. Em meio a discussões de anistia para estes, surge o atentado com bomba no STF, o que inflou as discussões sobre o tema.
Em entrevista ao Portal UOL, a antropóloga Isabela Kalil, do Observatório da Extrema Direita, fala que a explosão da semana passada não pode ser lida como um ato isolado, e seu autor não pode ser visto como uma figura isolada, que age por impulso. Para a especialista, há conexão entre o atentado do oito de janeiro e o ataque com bomba ao STF de novembro deste ano.
“[Wanderley Luiz] não é um lobo solitário”, destacou Kalil. Para a antropóloga, o governo precisa adotar medidas punitivas duras quanto aos ataques motivados por discursos de ódio, e incitados pela extrema direita, pois, caso falhe na tarefa, novos ataques poderão acontecer.
“A ideia de lobo solitário, de alguém que não participa de uma comunidade ou agenda específica e acaba tomando uma atitude totalmente individual, foi usada para explicar determinados atentados e dizer que são casos isolados”, explica a especialista. Apesar de Wanderley ter ido sozinho à sede do STF, suas ações, indumentárias e discursos conversavam com uma comunidade, e é através desse grupo que o autor das explosões se justifica e se motiva.
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“Alguns atos parecem inofensivos, mas foram preparatórios para o 8 de Janeiro. Depois, o próprio 8 de Janeiro, e agora essas explosões, que são como uma performance do 8 de Janeiro. As motociatas são alguns desses atos preparatórios onde circulam mensagens disruptivas, falas como a do [ex-presidente Jair] Bolsonaro dizendo que não aceitaria decisões judiciais ou não usaria máscara — não são falas normais. Ele está ali comunicando que não respeita decisões judiciais, mesmo sendo chefe de Estado”, afirma a antropóloga ouvida pelo Portal UOL.
Novos ataques
Questionada sobre a possibilidade de novos ataques, Kalil não dá cenários positivos. “Infelizmente, tende a ser uma preocupação”, lamenta. A especialista coloca o papel do governo como central para coibir ações dessa natureza. “Se houver uma resposta de prevenção, os ataques tendem a diminuir. Precisamos investir em inteligência e prevenção, para que esses ataques estejam sob controle”, coloca.
o efeito de repetição, de outras pessoas quererem fazer coisas parecidas, e o de contágio. Se alguém achava que o 8 de Janeiro era uma coisa isolada, foi um equívoco. O risco está aumentando.”
Recrutamento
Para Kalil, a extrema-direita estaria recrutando novos membros, com foco em homens, com cada vez mais jovens ligados ao grupo. “A parte do recrutamento começa muito cedo”, explicou.
Ao direcionar o recrutamento inicial feito majoritariamente em ambiente digital, a antropóloga coloca que: “Crianças de 10 anos já estão nessas comunidades de ódio. Em camadas iniciais de recrutamento, essas pessoas não sabem que parte do grupo exerce ataques motivados por ódio a determinados grupos sociais. Há uma espécie de contentamento em ver ataques violentos contra esses grupos. São grupos misóginos, que pregam o ódio às mulheres, compartilham imagens de crimes, inclusive de mortes de mulheres. Outro tipo de grupo que é muito comum é os de supremacistas brancos”.
Para além da internet, o recrutamento para esse tipo de crença político social também ocorre em eventos de larga escala, como manifestações, por exemplo. A ideia principal do grupo, é fazer com que novos membros ressignifiquem seus cotidianos e existências a partir da noção de pertencimento a um grupo extremista.
“A pessoa entra em contato com um determinado grupo, onde é exposta a conteúdos também extremistas. À medida que essas pessoas participam de grupos cada vez mais restritos, um integrante que não era violento, tinha uma vida pacata, de repente se envolve em atos tão extremos. No caso das crianças, esse recrutamento pode ser feito por vídeos de heróis, pela cultura pop, pelo entretenimento, pela música e até mesmo por grupos que debatem videogames. Ninguém diz ‘vai lá e solta uma bomba’, mas diz ‘assista a este vídeo’, ‘participe de tal canal’. Esse recrutamento é passivo”, coloca a especialista do Observatório da Extrema Direita.
Ao Portal UOL, a especialista compartilha que “no caso de anteontem [do atentado no STF], me chamou bastante atenção que ele estava com uma vestimenta [que fazia alusão ao Coringa]. Ele se produziu para ser visto e fotografado. Essas pessoas se vestem para prestar contas para a sua comunidade. Ele está ali para dizer ‘eu fiz'”.
A pesquisadora integra o grupo de trabalho criado pelo governo que discute o combate a discursos de ódio e extremismos.
Descrença na Justiça
Para Kalil, extremistas não se preocupam com punições aos seus atos, já que eles não têm fé no Estado como um todo, e por consequência, também ignoram a Justiça. “A camada que precisa ser debatida é a prevenção. A gente só consegue prevenir se a pessoa ainda estiver sendo recrutada. A partir daí, fica muito complicado”, afirma.
Entre os grupos virtuais que podem angariar mais fieis às teorias da extrema-direita está, por exemplo, uma comunidade contra o STF, que é algo comum e bem amplo, mas que os discursos que ali circulam podem se somar a outros discursos de ódio e criando essa rede extremista. “No caso brasileiro, a extrema direita tem repulsa com a constituição de 1988. A extrema direita adota como alvo a constituição de 1988 e, inclusive, as instituições”, afirma.