Pensar em cinema de terror é, sobretudo, pensar na subversão do ato de observar os espaços. Cinema é uma arte que funciona a partir da relação entre indivíduo e espaço, ora potencializando um, ora potencializando outro. Da mesma forma que a filmografia de Claire Denis foca quase diretamente na fluidez dos sentidos corpóreos, Lois Patiño volta seu olhar majoritariamente para as paisagense sua relação hegemônica para com o ser humano. Seguindo essa lógica complementar e por vezes binária, existe algum outro gênero que misture tão bem a observação simultânea desses fatores como o terror? Algum outro gênero que consiga construir o choque não só através da violência explícita, mas especialmente através dos mais implícitos e vazios dos espaços?

Aprofundando-se no suspense, é inevitável pensar nos filmes policiais centrados nas buscas por serialkillerscomo gêmeos univitelinos do terror na construção dessa relação observacional. Quando há um realizador talentoso por trás das câmeras, então, tal relação se torna, simultaneamente, ainda mais latente e menos perceptível, uma vez que espaço se torna ambiência e indivíduo se torna sujeito agonizante e submisso à arquitetura do mal.Tal relação, assim como a perpetuação de um tratomaligno, está no cerne de Longlegs: vínculo mortal.

Criado e forjado no cinema de terror, Osgood Perkins é um realizador cujos filmes centram-se essencialmente na lógica opressiva dos espaços. Paredes e tetos podem seraterrorizantes não só por maldições ou entidades que neles habitam, mas pelo mero fato de suas arquiteturas perpetuarem traumas geracionais que enclausuramqualquer possibilidade para além do mal que nelas reside. Assim se desenvolvem principalmente o ensaístico O Último Capítulo, de 2016, original da Netflix, e o ótimo Maria e João: o conto das bruxas, de 2020, um deleite visual com características formais muito presentes em seu novo lançamento.

Vale destacar também seu filme de estreia, A Enviada do Mal, de 2015, obra-prima que iniciou a carreira na direção do primogênito de Anthony Perkins, ator lendário que deu vida a Norman Bates, talvez o serial-killer mais lendário da história do cinema. É justamente na temática que eternizou seu pai que Osgood Perkins centra as ações de sua nova obra, onde a jovem agente do FBI, Lee Harker, reinicia a caçada ao assassino Longlegs, cujos métodos e motivações inexplicáveis e sobrenaturais há muito intrigavam a polícia. É justamente no sobrenatural, além da fantástica atualização que o realizador traz ao saturado gênero policial, que florescem as melhores características do filme, ainda que em alguns momentos sejam expositivas demais e apresentam alguns vícios do que se convencionou erroneamente a chamar-se de pós-terror.

Assim como em toda sua filmografia, mas especialmente a partir de Maria e João, Osgood estabelecea obra, visual e formalmente, a partir do uso das lentes grande angulares e de todo o universo de possibilidades que as distâncias focais reduzidas proporcionam. As panorâmicas que distorcem as laterais da imagem. Acentralização dos personagens e como isso gera arredores amplos que levam a uma imagem profunda de aparência triangular. Como os espaços têm predominância visual com esse tipo de lente (muito usada em vídeos imobiliários) e as distâncias são alongadas (uma composição muito usada aqui é um personagem, centralizado, apontando uma arma em direção a um dos cantos da tela, gerando uma relação distorcida de distância muito interessante). Todas essas características visuais, alinhadas a composições centradas em lógicas triangulares e tridimensionais, criam uma obra onde a opressão dos espaços reside justamente no quão amplos são, algo que pode ser ainda mais assustador do que a mera claustrofobia como recurso estético.

Tal qual um bom filme policial, é interessante como há também uma progressão visual e narrativa, onde o mistério vai dando espaço às resoluções muito bem trabalhadas pela obra. Nesse aspecto, a onipresença de Lee é fundamental, e o trabalho de Maika Monroe é excelente ao retratar uma protagonista sobre a qual nunca sabemos nada além daquilo que o filme nos permite saber. Embarcamos na jornada amarrados à jovem agente, e quando finalmente somos desatados, já é tarde e macabro demais. 

Também é sempre satisfatório assistir a um filme que confia mais em uma construção visual bem amarrada (as mudanças de proporção de tela, a decupagem que relaciona planos gerais com planos próximos, a mistura entre digital e película) do que no choque barato, em especial quando se trata de uma obra que se centre em uma construção progressiva dentro de uma divisão em atos. É exatamente essa progressão que dá espaço para que o plot twist do filme floresça, assim como a figura do assassino interpretado por Nicolas Cage e toda sua relação com o ocultismo. É muito interessante como sua figura é sempre decomposta nos planos, além de que as diferentes texturas de imagem com as quais é retratado (VHS, película e digital cristalino) retratam diferentes faces de um mal mais complexo do que aquilo que se vê na superfície.

Para além de uma bem-vinda atualização a um gênero muito saturado por seu próprio sucesso no cinema e na televisão, Longlegs é um dos melhores lançamentos do ano de 2024 e mais uma excelente obra de um diretor com uma filmografia simultaneamente curta e irretocável. Osgood Perkins é um cineasta que cada vez mais se posiciona em um patamar de muito destaque no cinema de terror contemporâneo, e mais uma vez nos demostra o quão perigosos são os presentes que recebemos de braços abertos e os lares que contemplamos com nossos ingênuos olhares.

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