Apesar de estudos científicos, União despreza uso da maconha para fins medicinais, diz especialista
26 julho 2022 às 17h24
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Apesar de estudos científicos mostrarem a eficácia da maconha para fins medicinais, advogado critica a lentidão da União para flexibilizar o uso da planta. Diretor jurídico da Associação Curando Ivo, Matteus Jacarandá diz que a legalização da Cannabis está “a passos lentos, mas de forma progressiva”. “É como se estivesse acontecendo uma legalização silenciosa movida pela legitimidade que as associações de pacientes promovem mediante resultados clínicos positivos”, enfatiza ao Jornal Opção.
Cannabis refere-se a várias drogas psicoativas e medicamentos derivados de plantas do gênero Cannabis. Farmacologicamente, o principal constituinte psicoativo desse tipo de planta é o tetrahidrocanabinol (THC), um dos 400 compostos da planta, incluindo outros canabinoides, como canabidiol (CBD), canabinol (CBN) e tetrahidrocanabivarin (THCV).
O advogado explica que a lei de drogas (11.343/2006), no parágrafo único do artigo 2º, diz que a União poderá autorizar o cultivo de Cannabis para fins exclusivamente medicinais e científicos. O advogado destaca que desde 2016 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou e reconheceu as substâncias da Cannabis como medicinal (RDC 03/2015 e RDC 17/2015), retirando a classificação de “substância proibida” para “sujeita a controle especial”, permitindo a sua importação.
O remédio a base da maconha pode ser adquirido através de prescrição médica, com o relato de todo histórico clínico do paciente mostrando a eficácia do tratamento e a necessidade de manutenção do tratamento para garantia do direito à saúde. Outra forma são por laudos técnicos de outros especialistas que envolvam sua pretensão. Pode ser de enfermeiros, farmacêuticos e até mesmo agrônomos, atestando a quantidade de plantas e extratos necessários ao tratamento, fazem com que o julgador se sinta ao máximo confortável em proferir uma decisão favorável.
“A Anvisa faz sua parte mas, no que se refere a autorizações/permissões para o cultivo em solo nacional ela reitera constantemente que, conforme decisão proferida pela Diretoria Colegiada da agência em 3 de dezembro de 2019, nela restou consolidado o entendimento de que não possui competência para regulamentar o plantio e o cultivo da planta Cannabis no Brasil”, diz Jacarandá.
Além disso, ele frisa que no Congresso Nacional o projeto de lei mais avançado sobre o tema é o PL 399/2015. “Poucos projetos foram tão debatidos a exaustão como este, trazendo tamanha atenção para sua importância. Foi montado uma Comissão Especial com integrantes dos partidos políticos”.
Matteus lembra que a aprovação foi apertada. Foram 17 votos favoráveis e 17 contrários, e o desempate coube ao relator do projeto deputado Luciano Ducci (PSB-PR). De lá deveria ir para o Senado. Mas a oposição conseguiu um requerimento para levar ao plenário, e submeter ao voto de todos os deputados. Assim, desde a metade do ano de 2021, o projeto está engavetado.
Apesar disso, em junho, os ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiram a três pessoas o plantio de maconha para fins medicinais, uma decisão inédita no tribunal. O colegiado concluiu que a produção artesanal do óleo com fins terapêuticos não representa risco de lesão à saúde pública ou a qualquer outro bem jurídico protegido pela legislação antidrogas.
Em Goiânia, a lei nº 10.611/21 trata sobre a instalação de um política municipal no âmbito da saúde pública e privada, que diz respeito ao uso da Cannabis medicinal bem como a sua distribuição gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de qualquer fórmula da cannabis. Ela pode ser a planta inteira ou canabinóide isolado, de acordo com a necessidade de cada paciente cumprido os requisitos da prescrição médica e laudo médico.
Jacarandá lamenta o conservadorismo social que impede o acesso da substância farmacológica para os pacientes. “As pessoas nascidas a partir do século 19 foram treinadas á demonizar a cannabis. Estamos falando de mais de 100 anos de equívocos e falácias contra uma substância 144 vezes mais segura que o álcool (pesquisa publicada na revista científica “Scientific Reports”), cujos argumentos foram movidos exclusivamente por interesses privados e preconceituosos. Há também questões que versam sobre política, economia e xenofóbica. Jamais por uma questão cientifica, de letalidade ou malefícios do seu uso. Não existe argumento cientifico conhecido que embasa a sua proibição, tanto medicinal como uso social/adulto”.
“A maconha foi proibida por interesses econômicos, especialmente para abrir o mercado das fibras naturais para o náilon”, é o que afirma por exemplo o jurista brasileiro Wálter Maierovitch, especialista em tráfico de entorpecentes e ex-secretário nacional antidrogas. Para cada parte do mundo, há um ator definido por etnia. No Brasil era o preconceito contra os negros. Nos EUA contra os mexicanos. Na Europa contra os indianos e asiáticos. Assim, diante da extensão global do estigma cunhado sobre essa planta, é normal que se dê o tempo necessário para o reestabelecimento da realidade.
Uso terapêutico
Em maio deste ano, a Anvisa autorizou dois novos produto medicinais à base de Cannabis, os extratos de Cannabis sativa Mantecorp Farmasa em duas dosagens: 160,32 mg/mL e 79,14 mg/mL. Até o momento, a agência já autorizou 18 produtos medicinais à base de Cannabis no Brasil, sendo oito à base de extratos de Cannabis sativa e dez do fitofármaco canabidiol, mas não foram criadas políticas públicas para auxiliar e facilitar o acesso a esses remédios.
Um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostrou que canabinoides são eficazes no tratamento de doenças neurológicas. Estudos indicam parkinson, glaucoma, depressão, autismo e epilepsia. Além disso, há evidências da eficácia dos canabinoides contra dores crônicas, em efeitos antitumorais e também contra enjoos causados pela quimioterapia, além da aplicação no tratamento da espasticidade causada pela esclerose múltipla.
Os canabinoides também demonstraram evidências de que são efetivos para o tratamento da fibromialgia, distúrbios do sono, aumento do apetite e diminuição da perda de peso em pacientes com HIV; melhora nos sintomas de síndrome de Tourette, ansiedade e para a melhora nos sintomas de transtornos pós-traumáticos.
Médico especialista em terapia canábica, João Normanha explicou que segue com os pacientes os protocolos israelenses, observados há mais de 31 anos. Ele defendeu o uso da planta completa para o leque de doenças que podem ser tratadas com a cannabis. O terapeuta explanou sobre os componentes da cannabis e a não eficácia dos tratamentos convencionais de doenças neurodegenerativas e Alzheimer, como exemplo. “Nesses casos, a terapia com a cannabis é a única que oferece resultados positivos”, considerou.
Estudioso há cerca de sete anos, Normanha desmistifica a toxicidade da cannabis, lembrando que há médicos que apontam problemas causados pela cannabis. A questão, afirmou, é que não é para todas as doenças. “Mas (a cannabis) é importante nos tratamentos de depressão, fibromialgia, Parkinson, Alzheimer, por exemplo”, enfatizou. O médico afirmou também que o controle do medicamento e a formulação são seguros, controlados e acompanhados por médicos, a fim de garantir a qualidade da medicação.
Presidente da Associação Goiana de Apoio e Pesquisa à Cannabis Medicinal (Agape), Yuri Tejota tem história familiar de uso do medicamento, com sua própria mãe, a ex-deputada Betinha Tejota. Ele relembrou a busca para melhorar a qualidade de vida dela, que sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC). “Com o uso da cannabis, ela conseguiu maior autonomia”, explicou.
Ele contou que, para ajudar a mãe, passou a pesquisar sobre a importância do tratamento. Tejota aprofundou os estudos e defende, com embasamento científico, o uso do canabidiol. Ao fundar a Agape, Tejota disponibilizou o acesso a informações por meio de artigos científicos em português.
Mae de autista
Presidente da Associação de Pais e Amigos dos Autistas de Goiás (AMA Goiás), Cássia Gouveia, que é mãe de uma criança autista, de 12 anos, afirmou que fazia uso das propriedades da planta desde 2017. Disse que, com os medicamentos farmacêuticos, o filho teve alucinações e surto psicótico, e que a medicação à base de cannabis trouxe um impacto positivo para toda a família. Apesar de adquirir medicamentos através da Central Estadual de Medicamentos de Alto Custo Juarez Barbosa, Cássia informou que o custo é muito alto, sendo que sua família arca com cerca R$ 4 mil por mês. “O custo ainda não é acessível à maioria da população”, afirmou.