Centrão pode ser a garantia de que Lula poderá ter mais um mandato… em 2026

05 novembro 2023 às 00h01

COMPARTILHAR
O presidente Lula da Silva, do PT, não é um intelectual refinado como Fernando Henrique Cardoso, mas sua inteligência política fica bem acima de figuras coroadas da República e, mesmo, da intelectualidade patropi.
O petista-chefe é o que se convencionou chamar de raposa política. Enquanto alguns aliados cumprem o papel de se portarem como destemperados, filhos do país da Ranzinzolândia, Lula da Silva opera com o máximo de moderação e tolerância. É uma espécie de cientista político que vive intensamente o realismo da realidade. Questões de fundo teórico, como as que postulam a possibilidade de um mundo perfeito — sob o primado da ética —, não são do interesse do presidente. Sabiamente, não aprecia fantasias.
Na esquerda brasileira, não há nenhum outro político tão pragmático quanto Lula da Silva. O poder, a necessidade de levar as coisas adiante, dotou o petista da dose adequada de realismo. Ele não é e não quer se tornar a Dilma Rousseff dos novos tempos.

Por isso articula para se manter no poder — a direita bolsonarista, acoplada a nichos oportunistas, está forte no Congresso — e governar em relativa paz (a governabilidade) e há também, ainda não muito enfocada, outra questão, que diz respeito ao pleito de 2026.
Se Lula da Silva não articular com o Congresso, sobretudo com a Câmara dos Deputados — via seu presidente, Arthur Lira (pP) —, o bolsonarismo e outras correntes de direita, e até do centro fisiológico, se unirão, e não apenas para travar seu governo, mas também para tentar arrancá-lo do poder.
A esquerda e a centro-esquerda não têm condições (votos) de dar sustentação a Lula da Silva no Parlamento. Em nenhum sentido. Por isso, para se manter como presidente — e não há, no momento, nenhum motivo para pensar em retirá-lo do governo —, o petista-chefe precisa articular com as forças políticas de centro e, até, de direita.
Os apóstolos da moral e as viúvas da ética ficam chocados quando Lula da Silva nomeia, sob pressão, mais um integrante do Centro para cargos chaves da República, como a presidência da Caixa Econômica Federal.

Os que os moralistas — muitos deles plantados na mídia, com a vida inteiramente ganha — realmente querem? Não se sabe. Possivelmente acreditam que se pode governar um país real só com os melhores comportamentos e ideias. Como tem problemas reais para resolver — para governar —, Lula da Silva tem de articular e negociar com os indivíduos reais de seu tempo. Não há como relacionar-se com “fantasmas do bem”.
Em quatro anos, e em muitos mais anos, não é possível construir uma sociedade de homens perfeitos — que, a rigor, nunca existirão; melhores homens, sim; porém, perfeitos, dotados de santidade, nunca —, então Lula da Silva tem de conviver, diariamente, com a turma do Centrão e outras (que também não são lá essas coisas, não). Governa-se e vive-se com o que se tem à mão. Não com o que se poderá ter — ou se julga que se terá — no futuro.
Lula da Silva tem plena noção de que o tempo voa — tanto que a próxima eleição para presidente será disputada daqui a dois anos, dez meses e vinte e cinco dias. Ou seja, está batendo à porta — e com certa estridência.

Observe-se que, embora Lula esteja governando o país há apenas 10 meses e cinco dias, a sucessão já começa a ser discutida. Tanto que há vários possíveis candidatos para enfrentá-lo, em 2026: o senador Flávio Bolsonaro (PL), a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL), o governador Romeu Zema (do Novo, de Minas Gerais), o governador Ronaldo Caiado (do União Brasil, de Goiás; o PL estaria de olho em seu passe) e o governador Tarcísio de Freitas (do Republicanos, de São Paulo).
Astuto como raros, Lula da Silva sabe que o bolsonarismo está vivo e reverberante em todo o país. Numa pesquisa, o petista-chefe aparece em primeiro lugar, à frente de Jair Bolsonaro. Mas se trata de um quadro sem campanha, sem acirramento ideológico e midiático. O presidente, hábil como é, sabe que, se a direita marchar unida — com um candidato ideologicamente bem definido e um discurso civilizado (ao estilo de Ronaldo Caiado) —, terá dificuldade, imensa, de ser eleito.
Por isso, Lula da Silva está gerindo o país, mas de olho nas movimentações políticas em todos os Estados. Ele está de olho grande nos pré-candidatos — aliás, nem pré-candidatos são. A impressão que se tem é que apenas dois nomes são realmente páreos para um profissional da estirpe do petista — Romeu Zema e Ronaldo Caiado. Porque os dois são gestores eficientes e, também, políticos hábeis. Ressalte-se que, em termos políticos, o gestor goiano está bem à frente do governador de Minas Gerais.

Ao contrário de Romeu Zema, que não é uma figura inspiradora, portanto não agregadora, Ronaldo Caiado, mesmo sendo de direita, é observado com atenção e respeito pelo centro e, claro, pela direita com ideário. Porque não pertence à direita digamos selvagem e aloprada do bolsonarismo. Porém, ao mesmo tempo, não tem resistência substancial no bolsonarismo; pelo contrário, as forças que apoiam o ex-presidente têm apreço pelo governador de Goiás. Porque, além de sério, consistente e decente, aquilo que estabelece como compromisso tem o hábito de cumprir.
Tarcísio de Freitas (com aquela cara de vampiro zangado), Flávio Bolsonaro e Michelle Bolsonaro teriam de ser carregados por Jair Bolsonaro e uma ampla frente política. Resta saber se, fora do poder, o ex-presidente terá capacidade de aglutinar uma força política extraordinária. Não terá, por certo. Há, inclusive, a possibilidade de que, até 2026, passe uma temporada no xilindró — o que o desgastará, não nos grupos bolsonaristas, e sim na sociedade, possivelmente de maneira incontornável.
Mesmo com dificuldade, Jair Bolsonaro vai tentar montar uma frente política em todo o país, por isso, e não outro motivo, está circulando pelos Estados com o objetivo de contribuir para eleger prefeitos e um exército de vereadores. O ex-presidente quer criar a expectativa de que está e estará forte em todo o país, ou seja, que não está (e não estará) morto politicamente. Não é uma tática de néscios. O político precisa se apresentar, se fazer presente. É o que o líder do PL está fazendo, ou seja, agindo como se tudo estivesse “normal” e os aliados precisassem dele para sobreviver politicamente.

Lula joga para isolar bolsonarismo
A aliança com o Centrão, logicamente, é uma busca de equilíbrio para garantir a governabilidade. Lula da Silva está certo ao operar em cima dos marcos do real. Mas há um segundo aspecto, este pouco discutido, mas que mostra a habilidade política do petista-chefe.
Em 2026, Lula da Silva terá 81 anos. Se estiver saudável, irá a reeleição, sem dúvida. Pelo simples motivo de que a esquerda não tem um sucessor à sua altura, com sua capilaridade eleitoral e experiência política.
Então, mesmo mais velho, Lula da Silva irá, certamente, para sua sétima disputa pela Presidência da República, com chance de ser eleito pela quarta vez, o que, se ocorrer, o tornará o presidente mais longevo no poder na história democrática da República (Getúlio Vargas governou quase 20 anos, mas muito pouco como democrata. Ele foi ditador por vários anos).
Em 2026, se for candidato, Lula da Silva será forte — por si e pela estrutura representada pela máquina pública. Porém, mesmo que o país cresça a níveis satisfatórios — e a capacidade de consumo dos brasileiros se eleve —, há sempre o desgaste de ser poder e não resolver os problemas cruciais de todos os indivíduos. Os brasileiros estão sempre à espera do surgimento de um dom Sebastião mágico — que chegará do além ou do nada e resolverá, com uma canetada, todos os seus problemas. Entretanto, como isto não é possível, quando termina um mandato de um presidente, há muitos eleitores decepcionados.
Sabendo que, ao lado do bônus, há o ônus, Lula da Silva está operando politicamente desde agora, tendo em vista a disputa de 2026. A atração do Centrão e mesmo de setores da direita — como o União Brasil de Luciano Bivar — não tem, portanto, como único objetivo a governabilidade.
Lula da Silva está apostando que, em 2026, para enfrentar o bolsonarismo — que também buscará parte das forças centristas, se quiser ter alguma chance eleitoral —, vai precisar do centro político, o Centrão (representa o centro e a direita) e de partes da direita. Então, há uma montagem política para viabilizar a governança e há uma montagem política tendo em vista a disputa futura.
O petista-chefe é de esquerda — e o centro e a direita estão cansados de saber disto. Mas Lula da Silva não é comunista — no máximo, é socialdemocrata ou, quem sabe, socialista. Ele não quer abolir a democracia nem o capitalismo. O que o presidente quer, como muitos outros políticos, mesmo fora do escopo da esquerda, é uma sociedade mais justa, com mais distribuição de renda.
O que se está dizendo é que, do ponto de vista político e econômico, Lula da Silva é palatável para a diversidade (ideológica) do país. Na verdade, ele quer fortalecer o capitalismo, mas, ao mesmo tempo, quer uma sociedade mais distributiva. Só isso. Sendo assim, não será surpresa se, em 2026, cooptar parte dos políticos que, em 2022, se aliaram a Jair Bolsonaro. O petista-chefe está operando bem para reforçar seu núcleo político, levando-o mais para o centro e menos para a esquerda. Porque, para ser reeleito, precisará, sem se afastar da esquerda — o que não fará (e a esquerda não existe sem o líder red) —, conectar-se, de maneira relativamente estreita, ao centro e à direta.
Não resta dúvida: Lula da Silva, para ser reeleito, terá de se tornar mais “brasileiro” — aderindo ao jeitinho, à conciliação, à malemolência dos políticos — e menos, digamos assim, “petista”. Sua aliança terá de ser mais ampla. O presidente joga bem e é confiável para os adversários que, aos poucos, estão se tornando aliados. Estes dirão, quem sabe: por que voltar com a turma de Bolsonaro, meio lunática — o que prejudica o capitalismo na concertação internacional —, se Lula da Silva não é um desastre? Pelo contrário, é favorável à expansão capitalista moderna e segura.