Direita só tem chance de derrotar Lula da Silva se pensar para além do bolsonarismo
21 abril 2024 às 00h00
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Às vezes o passado lança luz, alguma luz, sobre o presente e o futuro (que é construído no presente). Então, pode-se sugerir que o resultado da eleição de 2022 pode dizer muito à disputa de 2026 — daqui a dois anos e cinco meses. “Um pulinho” — como dizem em Glicério, Garanhuns e Anápolis.
Na disputa de 2022, Lula da Silva, do PT, obteve 60.345.999 votos (50,90%). O então presidente Jair Bolsonaro conquistou 58.206.354 votos (49,10%). A diferença — muito pequena — foi de 2.139.645 votos. Observe-se que Goiás tem 4.870.354 de eleitores, ou seja, o Estado do Centro-Oeste poderia ter decidido a peleja para qualquer um dos postulantes.
O resultado mostrou um forte acirramento eleitoral. Lula da Silva mostrou força porque ganhou e, sobretudo, porque estava fora do poder. Bolsonaro perdeu estando no poder, mas, apesar de todo o desgaste — seus contenciosos com setores da sociedade (Judiciário, imprensa, mulheres, cientistas etc.) eram imensos —, obteve uma votação extraordinária.
No momento, e até 31 de dezembro de 2026, Lula da Silva tem de governar o país. Por isso, embora já esteja em campanha, não aparece tanto quanto Bolsonaro e os demais postulantes da direita, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, do União Brasil, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, do Novo, o governador do Paraná, Ratinho Júnior, do PSD, e Michelle Bolsonaro, do PL, mulher do ex-presidente.
Lula da Silva enfrenta os desgastes naturais de quem está no governo, com problemas que não podem ser resolvidos por decreto, com uma tacada.
Note-se o contexto internacional: de repente, com a crise entre o Irã e Israel, o preço do petróleo tende a se tornar mais elevado. Se o preço da gasolina subir no posto de combustível, o brasileiro não culpará os países em conflito no Oriente Médio, e sim o governo federal, quer dizer, Lula da Silva.
Se o país crescer aquém do esperado, por erros do governo mas também devido às crises cíclicas do capitalismo, Lula da Silva também será avaliado negativamente. Se o presidente continuar com o discurso pró-Cuba, pró-Venezuela (a mudança da fala do presidente, até agora, é meramente cosmética) e pró-Nicarágua, será positivo para as três ditaduras, mas não para as ambições eleitorais do líder da esquerda patropi.
Com Lula da Silva no governo, com os desgastes naturais de quem está no poder — não há como resolver os problemas de uma tacada —, há e haverá uma certa fragilidade que será explorada durante a campanha. A rigor, o petista-chefe não faz um governo ruim (o Brasil está prestes a se tornar a oitava maior economia do mundo), mas também não é extraordinário. A gestão parece lenta e burocrática, ainda que seja cedo para uma avaliação peremptória.
Ao perceber que o jogo estratégico e inteligente é manter uma espécie de campanha no ar, esmerando-se para deixar o governo sob pressão e os eleitores alertas, as direitas estão em campo, em caráter permanente, apresentando o contraditório com relativa mestria.
Menos pressionando o governo de Lula da Silva e muito mais se apresentando — sugerindo que há alternativas objetivas para 2026 —, as direitas estão fazendo a coisa certa.
Na esquerda, Lula da Silva deve ser o candidato a presidente em 2026. Porque não há outro nome — nem mesmo o moderado ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT) — tão consistente eleitoralmente tanto no PT quanto nas demais esquerdas. O petista-chefe é maior do que o PT e, até, do que todas as esquerdas somadas.
Se há um político capaz de derrotar as direitas em 2026 este é Lula da Silva. Não outro. Ressalte-se que muitos petistas não entendem a moderação do presidente, sua tentativa de aproximação com as forças conservadoras de centro e com os evangélicos — a maioria de direita, mas parte é de centro — e sua paciência infinita com Arthur Lira e aliados.
De alguma maneira, com sua fabulosa habilidade para negociar, Lula da Silva sabe que só tem condições de derrotar as direitas se ampliar sua aliança com o centro (que é maior do que o Centrão de Arthur Lira e Ciro Nogueira, pois não é meramente político-partidário).
Neste momento, Lula da Silva opera uma aproximação com o centro político e social tanto para conseguir governar quanto para a reeleição de 2026. Suas táticas e estratégias estão corretas. Tende a ser eleito aquele candidato que, mantendo a força de sua base, conquiste o pedaço maior de uma base que, a rigor, não tem “dono”. Os brasileiros estão observando o presidente e, certamente, ainda não têm uma opinião inteiramente formada a seu respeito e sobre seu governo. Mas, daqui a dois e cinco meses, a terá.
Há um paradoxo que os eleitores vão aos poucos destrinçar: Lula da Silva é democrata, mas apoia ditadores como Miguel Díaz-Canel, Nicolás Maduro e Daniel Ortega. Quer dizer, o relacionamento amistoso do presidente com os três ditocratas não afeta em nada a vida dos brasileiros. Porque, repetindo, o petista-chefe não planeja — nem conseguiria — transformar o Brasil em novas Cuba, Nicarágua e Venezuela. O pragmatismo do político red está acima das identidades ideológicas.
Lula da Silva é de esquerda? É. Mas, acima de tudo, é democrata. Há alas mais radicais no PT? Por certo, há. Mas estão enquadradas pelo grupo democrático do petista-chefe.
Como até as urnas e meninos de 5 anos sabem, Bolsonaro não será candidato a presidente da República. O ex-presidente é inelegível. Ele continua se apresentando como possível candidato porque quer permanecer no jogo.
As direitas sabem que, como apoiador, Bolsonaro será, em 2026, “general” eleitoral, e não “capitão” eleitoral. Quer dizer, será uma peça decisiva.
Porém, o candidato — ou candidatos — da direita certamente sabe que, para se eleger um presidente, é preciso ter algo mais. Não basta contar com o apoio de Bolsonaro e, daí, do bolsonarismo. É preciso atrair o centro — como Lula da Silva já está fazendo (ainda sem muitos resultados). Ninguém, nas direitas, ganha sem Bolsonaro (e o bolsonarismo), mas também não ganha só com ele. O bolsonarismo sozinho não elege mais um presidente da República. A derrota de 2022 prova isto.
Por isso, os contatos entre os políticos das direitas — Ronaldo Caiado, Tarcísio de Freitas, Romeu Zema, Ratinho Júnior —, pensando numa estrutura e ideário para além do bolsonarismo, é importante tanto para elas quanto para o país.
As direitas, organizadas e militantes — como só o PT conseguia ser —, são uma realidade incontornável da cena política atual do Brasil. Portanto, é crucial que sejam democráticas e civilizadas.
Para a disputa de 2026, ao contrário do que pensam luas-amarelas do bolsonarismo, não bastará pôr a ideologia de direita no centro do palco.
Para tentar ganhar de Lula da Silva, que terá a força da máquina a seu favor, em todo o país, a direita terá de se reinventar. Terá de ser democrata (enfatizando a não-identificação com o golpismo do bolsonarismo), entender de gestão (por isso o candidato mais forte tende a ser um governador de Estado, como Ronaldo Caiado, Tarcísio de Freitas e Romeu Zema), articular uma frente política que inclua o centro, ter preocupações sociais efetivas e um projeto de reestruturação da segurança pública em todo o país (o que o governo do petista-chefe ainda não tem).
Insista-se que a força política de Bolsonaro permanece, mas a direita, se quiser conquistar a sociedade (os multifacetados eleitores), terá de apresentar um candidato que, ainda que não renegue o bolsonarismo — porque precisa imensamente dele —, vá além do ex-presidente. Precisa ser visto como uma figura autônoma — o que é o caso de Ronaldo Caiado e Romeu Zema. Tarcísio de Freitas, que quer disputar a reeleição em São Paulo, e Michelle Bolsonaro, se eleitos, seriam tutelados por Bolsonaro. Parte substancial dos eleitores — que não são necessariamente de direita — certamente quer um candidato mais à direita, mas que não seja um clone de Bolsonaro (o anti-vacina, por exemplo). Querem um presidente autônomo, sensível aos clamores da sociedade.
Mas a parada das direitas será muito difícil. Porque enfrentarão Lula da Silva, a maior estrela política viva do país. As chances de o petista ser reeleito são grandes. Então, frisando, as direitas só têm alguma chance de vencê-lo se acrescentar algo para além do bolsonarismo. E precisam se unir, porque, se divididas, se tornarão “generais” de Lula da Silva, a raposa política mais felpuda do país.