Diz-se, comumente, que os vices acrescentam pouco nas eleições — seriam equivalentes aos suplentes de senador. Figuras meramente decorativas. Porém, e é isto que preocupa os eleitores, há a possibilidade de, morto ou impedido o prefeito (ou, por exemplo, o presidente da República), o vice assumir. O Brasil tem problemas históricos com seus vices.

Em 1954, sob pressão de golpistas militares e civis, o presidente Getúlio Vargas se matou com um tiro no coração. O vice, João Fernandes Campos Café Filho (1899-1970), assumiu a Presidência da República. Em seguida, uniu-se aos conspiradores, como Carlos Lacerda e militares, que planejaram impedir a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek.

O general Henrique Teixeira Lott — apoiando Juscelino Kubitschek e barrando o presidente Café Filho e os golpistas — garantiu a posse do político que construiu Brasília e chegou a ser senador por Goiás.

Café Filho: vice que se tornou golpista contra Juscelino Kubitschek | Foto: Reprodução

Em 1960, Juscelino Kubitschek apoiou Henrique Lott para presidente, mas, com forte ajuda da UDN de Magalhães Pinto, Bilac Pinto e Carlos Lacerda, Jânio da Silva Quadros foi eleito.

Na época, os eleitores votavam separadamente para presidente e vice-presidente. O vice de Jânio Quadros, o jurista Milton Campos — um político excepcional —, perdeu para o vice de Henrique Lott. Então, eleito, João “Jango” Goulart se tornou o vice-presidente de Jânio Quadros.

Em agosto de 1961 — há sempre um agosto desgostando os brasileiros —, Jânio Quadros renunciou à Presidência da República. Era um golpe, digamos, interno. O presidente, um populista de centro-direita, acreditava que, como João Goulart era considerado de esquerda, não seria aceito pela sociedade e, sobretudo, pelos militares.  Assim, ele voltaria nos braços do povo e, sobretudo, dos militares. Só que não.

Quando Jânio Quadros renunciou, o vice — nacionalista que nada tinha de esquerdista — estava em viagem para a China comunista. Militares e civis se uniram para evitar a posse do herdeiro de Getúlio Vargas.

João “Jango” Goulart: o vice que assumiu e, logo depois, caiu | Foto: Reprodução

Na época, houve uma forte reação, notadamente no Rio Grande do Sul, onde o governador Leonel Brizola conseguiu o apoio do comandante do Exército, e em Goiás, com o governador Mauro Borges, e João Goulart acabou empossado. Mas introduziram o Parlamentarismo — Tancredo Neves se tornou primeiro-ministro — e reduziram o poder de Jango.

Porém, João Goulart articulou um plebiscito e acabou com o Parlamentarismo. As vivandeiras — Carlos Lacerda e Magalhães Pinto na comissão de frente, apaixonados pelos homens de verde — retomaram as articulações.

Entre 31 de março e 1º de abril de 1964 — há sessenta anos —, com escassa reação, os militares derrubaram João Goulart, que fugiu do país. O vice que se tornara presidente caiu de maneira extremamente fácil. O dispositivo militar, operado pelo general Assis Brasil, não o protegeu. Porque, a rigor, era uma ficção.

Pedro Aleixo: o vice-presidente da República que disse não ao AI-5 | Foto: Reprodução

Na ditadura, com seus vices civis, quando o presidente Arthur da Costa e Silva adoeceu e, logo depois, morreu, os militares não permitiram que o vice, o civil Pedro Aleixo, assumisse. O político mineiro não era confiável, sobretudo porque discordara do AI-5. Ao ser perguntado se aprovava o golpe dentro do golpe, com a criação de uma superditadura, teria dito: “O problema não é o general, mas o guarda na esquina”.

(Em Sampa, um policial militar bateu no rosto de uma pessoa, supostamente por “não” entender e não aceitar sua orientação sexual. Na verdade, o soldado é o guarda da esquina de que falou o vice-presidente Pedro Aleixo. Não excluindo uma certa atração pelo “estranho” — daí o “toque”, ainda que com violência.)

Os demais vices, na ditadura, se acomodaram, aceitando o “cabresto” dos generais. Ressalve-se que o vice Aureliano Chaves teve alguns problemas com o presidente-general João Figueiredo.

Collor, Itamar, Dilma e Temer

Em 1989, com o discurso de “caçador de marajás” — o povão ironizava: seria, na verdade “caçador de maracujás” —, o carioca-alagoano Fernando Affonso Collor de Mello (e sua multidão de consoantes) foi eleito presidente da República, com Itamar Franco, de Minas Gerais, na vice.

Itamar Franco: o vice que, ao assumir, criou o Plano Real e ajustou a economia | Foto: Reprodução

Com seu tesoureiro de campanha e otras cositas más, Paulo César Farias, o PC, Fernando Collor começou uma onda de malfeitos. Por isso, em 1992, sofreu impeachment. O vice Itamar Franco assumiu e convocou a turma do PSDB para ajudá-lo a gerir o país.

Com Fernando Henrique Cardoso no pelotão de frente, como ministro da Fazenda, e uma equipe de economistas, sob a batuta de Pedro Malan — com o apoio de Edmar Bacha, André Lara Resende e, entre outros, Pérsio Arida —, o governo de Itamar Franco, ao adotar o Plano Real, debelou a inflação e retomou o crescimento econômico. O país entrou nos eixos.

Sob a tutela de Fernando Henrique e cia, Itamar Franco fez um governo centrado, realista. Enfim, um vice que deu certo.

Bem mais tarde, o vice Michel Temer, do MDB, começou a conspirar para derrubar a presidente Dilma Rousseff, do PT. Com forte articulação e a desculpa das pedaladas fiscais — um fato de vários governos —, o dito legalista conseguiu emplacar o impeachment da petista, cujo pecado era articular mal. Mulher inteligente, parece apreciar a política da teoria, mas não a política do mundo real. Daí a ojeriza à pequenez de muitos políticos.

Michel Temer: o vice que ajudou a derrubar a ex-presidente Dilma Rousseff | Foto: Divulgação

Michel Temer, com o apoio do eminência parda Henrique Meirelles, espécie de primeiro-ministro da economia, ajustou o país. Não foi um mau presidente.

A história de Maguito Vilela e Rogério Cruz

Em 2020, havia dois candidatos fortes a prefeito de Goiânia — Maguito Vilela, que havia sido prefeito por dois mandatos em Aparecida de Goiânia, e Vanderlan Cardoso, que administrara Senador Canedo. O recall deles, como gestores, era positivo — com o primeiro tendo a vantagem de ter sido governador do Estado, entre 1995 e 1998.

Candidato pelo MDB, Maguito Vilela era tão forte, dada sua história de gestor e político eficiente, que não pensou na escolha de um vice com perfil semelhante ao seu. O então vereador Rogério Oliveira da Cruz, pastor da Igreja Universal, não foi indicado por suas qualidades como gestor.

Rogério Cruz: o vice que ainda não emplacou como prefeito | Foto: Bonny Fonseca/Jornal Opção

Na verdade, Rogério Cruz foi escolhido para ser o parceiro evangélico do católico Maguito Vilela. Além de ser membro da Igreja Universal, que tem forte presença em Goiânia, o fluminense de Duque de Caxias (RJ) era apadrinhado pela cúpula da TV Record e pelo partido Republicanos (espécie de célula da Igreja Universal). Não era gestor, mas ninguém, na época, ligava para ele. Porque Maguito Vilela, político-administrador amplamente testado, era o único alvo das atenções.

Porém, Maguito Vilela morreu — em decorrência de Covid — e Rogério Cruz assumiu o comando da prefeitura. Nos bastidores, diz-se que assumir a Prefeitura de Goiânia logo depois da passagem de Iris Rezende não é nada fácil. Por dois motivos. Primeiro, porque era um gestor capaz, com ampla autoridade — tanto que os vereadores nunca conseguiram controlá-lo. Segundo, porque deixava dívidas e obras de grande porte inconclusas. O prefeito Paulo Garcia sofreu com o pós-Iris Rezende. Assim como Rogério Cruz está sofrendo.

Ao receber a prefeitura, com vários encargos, Rogério Cruz, com suas maneiras afáveis e respeitosas, decidiu não fazer a crítica à gestão do antecessor. Talvez porque Iris Rezende tenha falecido, em 2021, e não é de bom tom criticar os mortos — ainda mais um político com forte identificação com Goiânia (foi prefeito quatro vezes), ou seja, uma figura icônica.

Ao assumir, Rogério Cruz contemplou o MDB com cargos chaves. Porque os técnicos do MDB eram experimentados. Mas, sob pressão de seu grupo político — inclusive de fora do Estado —, o prefeito expurgou os emedebistas. Consta que um de seus novos auxiliares, ao visitar o bairro Campinas, perdeu o celular e, sem o Waze, não conseguia voltar sozinho para o Paço Municipal. Trata-se de uma brincadeira? É possível, mas é o que se comenta no Paço Municipal.

Os estranjas começaram a marcelocrivellanizar a gestão de Rogério Cruz. O prefeito teria pedido autorização da cúpula nacional do Republicanos para devolvê-los a Brasília, o que foi feito, ao menos em parte.

Daí as mudanças não pararam mais. Rogério Cruz nunca conseguiu montar uma equipe de gestores. Às vezes demora demais a tomar atitudes. A Comurg, que se tornou um poço de problemas e irregularidades, precisa de mudanças drásticas — um ex-secretário chegou a alertá-lo. Só foram feitas mudanças na equipe depois de uma investigação da Polícia Civil que resultou em prisão. Ao menos um auxiliar complicado continua dando as cartas no Paço Municipal. O prefeito estaria à espera de uma nova prisão? Não se sabe.

Vices de Adriana, Gayer, Mabel e Vanderlan

No momento, há quatro pré-candidatos consistentes a prefeito de Goiânia: Adriana Accorsi, do PT, Gustavo Gayer, do PL, Sandro Mabel, do União Brasil, e Vanderlan Cardoso, do PSD. A rigor, os dois últimos, empresários bem-sucedidos e políticos experimentados, são, do quarteto, os mais gestores. Gustavo Gayer não é gestor. Adriana Accorsi é política há vários anos, seu pai foi prefeito de Goiânia — e ela o acompanhou bem de perto — e dirigiu a Polícia Civil de Goiás. De alguma maneira, é gestora.

Mas, a cinco meses das eleições, se estão definidos como pré-candidatos, nenhum deles conseguiu indicar seus vices. No caso de Sandro Mabel é até compreensível, pois ele integra uma frente política bem ampla. Há vários grupos políticos querendo indicar seu vice.

Major Araújo e Gustavo Gayer: quem será o vice do deputado federal? | Foto: Redes sociais

Parece que os eleitores estão de olho mais no vice do que no candidato a prefeito. Numa visita à redação, Sandro Mabel contou a dois editores do Jornal Opção que, num encontro na periferia de Goiânia, uma mulher o abordou: “Quem será seu vice?” Ele disse que ainda não sabia. A sra. insistiu: “Coloque um vice experimentado, o que pode garantir meu voto”.

Adriana Accorsi ainda não definiu seu vice — que pode sair dos quadros do PSB ou do PC do B (cuja cúpula sugere que pode lançar candidato a prefeito). A petista pode articular uma chapa pura, com Edward Madureira na vice? O ex-reitor da Universidade Federal de Goiás é um gestor altamente eficiente (ele disse ao Jornal Opção que deve ser candidato a vereador). A UFG é uma verdadeira cidade — e de médio porte. Ou terá como vice um político indicado pelo senador Jorge Kajuru e pelo ex-deputado federal Elias Vaz?

Gustavo Gayer até agora não mencionou possíveis vices. E há quem acredite, mesmo no PL, que o deputado não tem muito entusiasmo pela disputa da prefeitura. Não tem paciência (e tino) para o jogo político comezinho. O toma-lá-dá-cá. É avesso a isto.

Isolado politicamente, mas um pré-candidato muito forte, Vanderlan Cardoso também não escolheu seu vice. Fala-se nos evangélicos Simeyzon Silveira e Samuel Almeida. Mas os dois não teriam o mesmo perfil de Rogério Cruz? Consta que o senador gostaria de ter Vilmar Rocha como vice. Mas tudo indica que o ex-deputado federal não tem entusiasmo por esta chapa.

O fato é que vices há — e muitos. Mas os pré-candidatos certamente planejam escolher vices que sejam bem avaliados pelos eleitores. Por isso a demora.