Massacre de crianças no Paquistão choca o mundo na semana em que EUA e Cuba reatam laços diplomáticos

Voluntários paquistaneses carregam estudante ferido em Peshawar: ataque talibã deixou pelo menos 130 mortos em escola militar no Paquistão Foto: A majeed AFP
Voluntários paquistaneses carregam estudante ferido em Peshawar: ataque talibã deixou pelo menos 130 mortos em escola militar no Paquistão Foto: A majeed AFP

O o atentado num café em Sydney que terminou com a morte de dois reféns e o terrorista (que era iraniano) e o massacre de estudantes numa escola militar do Paquistão na quarta-feira passada foram os fatos mais marcantes da semana histórica em que Cuba e Estados Uni­dos reataram laços diplomáticos, depois de mais de 50 anos de iso­lamento.

Mas a morte de tantas crianças de forma tão violenta no Paquistão chocou o mundo. A carnificina aconteceu numa prestigiada escola militar de Peshawar, a segunda maior cidade do país, bem na fronteira com o Afeganistão. Mais de 130 crianças e adolescentes morreram e, acredite, quem mora no Paquistão sabe que esse é apenas mais um episódio do diálogo brutal e violento que se arrasta há anos entre o o governo e o Talibã paquistanês.

O alvo, a escola onde filhos de militares estudam, foi cuidadosamente escolhido, e os autores fizeram questão de deixar bem claro por que o colégio. O grupo Talibã no Paquistão é contra a cooperação militar do país com os Estados Unidos e, quando o assunto é o exército paquistanês, o Talibã é ainda mais feroz e quer vingança desde que os militares passaram a combatê-lo. A morte de nove militantes do grupo, também na semana passada, por uma bomba lançada de um avião não tripulado, e a extradição de Latf Mehsud, considerado o número 2 da organização no Paquistão, fazem parte do rol de motivos que explicam a atrocidade cometida contra crianças enquanto estudavam.

O total de mortos ainda pode au­mentar, porque pelo menos 25 estudantes ainda lu­tam pela vida nos hospitais; mais de 120 alunos ficaram feridos. Esse foi o pior ataque dos últimos anos no país. Os nove terroristas também morreram.

Peshawar, a cidade onde ocorreu o massacre, é conhecida no Paquistão por ser o palco “clássico” dos ataques terroristas mais sangrentos do país. Além disso, é a capital do distrito de Khyber Pakthunkhwa, bem na fronteira com o Afeganistão. Há milênios essa região funciona como portão de entrada para o Extremo Oriente, desde a época de Alexandre, o Grande, que também passou por Khyber. Peshawar não é somente um importante centro comercial e econômico do Paquistão: é a cidade com a maior densidade populacional do país e abriga, também, milhares de afegãos. Muitos com co­nexões com grupos, como o perigosíssimo Haqqani e a Al-Qaeda, a­lém de milícias tribais. Essa é uma região controlada por um governo central nominalmente nomeado, onde os chefes tribais, protegidos por suas milícias, são os verdadeiros “donos do pedaço”.

Talibã tribal

Apesar de o governo paquistanês ter reconquistado algum território nessa região remota do país, a fronteira porosa com o Afe­ganistão e a logística bem armada entre o Talibã dos dois países, deixou praticamente todo o distrito de Khyber, onde fica Peshawar, sob o controle total do grupo.

O Talibã paquistanês é mais tribal. A rede age através de milícias e cada uma pode ter um líder. Já no Afeganistão, o grupo possui um comando central. Apesar de a origem ser a mesma, os dois têm interessses diferentes. O Talibã do Afeganistão considera o governo do Paquistão um aliado, isso, claro, porque há anos vem recebendo equipamento militar de última geração, quase tudo proveniente dos Estados Unidos.

Já o Talibã paquistanês enxerga o governo do país como um inimigo que precisa ser combatido. Mas, quando os dois grupos têm de lutar contra forças estrangeiras, americanos e outros, as duas organizações cooperam entre si e, às vezes, agem juntas.

O governo paquistanês vive agora um dilema. Ao apoiar o Talibã do Afeganistão, que é considerado um escudo do país contra a Índia, eles enfureceram os americanos, que até um ano atrás estimularam alianças entre os dois países. Ao mesmo tempo, o fato de o Paquistão autorizar o voo de aviões não tripulados dos EUA em seu espaço aéreo para atingir alvos talibãs na fronteira com o Afeganistão, gerou mal-estar entre os próprios paquistaneses; afinal, o ano passado foi marcado pela tentativa do país em dialogar politicamente com o Talibã. Mas as conversas acabaram falhando depois que o grupo atacou o aeroporto de Karachi em junho.

O governo do país agora é visto com outros olhos pelos americanos, que presentemente consideram o Paquistão um “Estado suspeito” e que há muito não luta efetivamente para combater o Talibã. Desde os atentados nas torres gêmeas em Nova York até hoje o governo americano investiu mais de US$ 30 bilhões em ajuda militar ao Paquistão e, apesar de o país ser uma peça-chave na guerra contra a Al-Qaeda e o Talibã, a aliança pode estar ameaçada, principalmente com a saída parcial das tropas americanas do Afeganistão, prevista para o fim deste mês. O atentado à escola foi um sinal de que as coisas por ali, se já estão ruins, podem ficar ainda piores.