Genocídio armênio: olhos fechados, feridas abertas
25 abril 2015 às 11h15
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Turquia não gostaria de revolver o 1915 sangrento, mas o discurso de negação do massacre começa a ser quebrado
No último dia 24, o mundo lembrou os cem anos do genocídio do povo armênio. O papa Francisco, que fez um discurso que irritou bastante a Turquia, errou ao dizer que esse foi o “primeiro genocídio do século 20”. O primeiro foi onde hoje é a Namíbia, no sul da África, que no início do século passado era controlada pela Alemanha. Milhares de pessoas, tribos inteiras, foram exterminadas. Mas o mundo nem se importou.
O 1915 sangrento que o papa relembrou, para os turcos é um passado negro que não deve ser revolvido. Mas foram as palavras papais que fizeram a União Europeia sair da sombra e condenar as tentativas da Turquia em distorcer e apagar os rastros da maior atrocidade que aconteceu durante a Primeira Guerra Mundial.
O governo turco, de Recep Tayype Erdogan, gostaria de esquecer o episódio. Sempre se referiu indiretamente à deportação em massa e o masssacre de milhares de armênios e assírios que faziam parte do Império Otomano.
Oficialmente o país diz que para manter a segurança nacional e a lealdade da população local durante a Primeira Guerra Mundial, era preciso tomar decisões mais duras, que incluíam limpeza étnica e uma resposta brutal contra as rebeliões comandadas por rebeldes armênios.
No ano passado, Erdogan prestou condolências aos descendentes dos sobreviventes dos massacres. Uma mudança no discurso, antes radical. O presidente da Turquia disse que “todos foram vítimas da guerra: muçulmanos e cristãos. As consequências dos incidentes da Primeira Guerra Mundial são dores que dividimos juntos”, afirmou o presidente em 2014, sem distinguir os que morreram em batalhas sangrentas ou os que foram massacrados pelo governo otomano e seus agentes.
A mudança da narrativa do governo turco sobre o genocídio armênio ainda é pequena, mas significativa. Hoje, na Turquia, forças progressistas já falam abertamente sobre a matança em massa que marcou o fim do Império Turco-Otomano.
Milhões de curdos que moram na Turquia, e que possuem nacionalidade turca, alguns descendentes dos que participaram do massacre, já se desculparam e reconheceram as atrocidades cometidas por seus antepassados. Os curdos, que no século passado também foram vítimas dos turcos, dizem que os armênios foram o café da manhã e que eles são o jantar.
Com a condenação da União Europeia, Erdogan mais uma vez mudou o discurso sobre genocídio armênio, e disse, na sexta-feira, 24, que os turcos sofreram muito mais que os armênios. O primeiro-ministro, Ahmet Davutoglo, acusou os europeus de racismo contra os turcos.
A recusa obstinada sobre capítulos negros e sangrentos da história, não acontece apenas na Turquia. O primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, se recusa a reconhecer e desculpar-se pelo que o Império Japonês fez quando anexou a Coreia como uma de suas colônias, ou na China em 1930 e durante a Segunda Guerra Mundial Os russos também, há décadas, tentam amenizar as histórias sobre os crimes cometidos por Stálin.
Dezenas de países já responderam ao pedido da Armênia em reconhecer o genocídio de 1 milhão e meio de pessoas, contrariando os desmandos e ameaças do presidente turco, Recep Tayype Erdogan. O Parlamento europeu também rompeu o silêncio. O que querem os armênios com isso? Nada. Apenas o reconhecimento mundial de uma atrocidade. “Enquanto os olhos insistem em ficar fechados, as feridas sempre estarão abertas”, é o que os armênios dizem, há cem anos.