Aviso de antemão: não, não é culpa da imprensa que vários programas de debate político no rádio e na TV, bem como artigos de jornais, tenham perdido longos minutos e parágrafos com a suposta “introdução” do comunismo na Suprema Corte brasileira, pela ascensão de Flávio Dino, (ainda) ministro da Justiça do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

E não é “culpa” dos jornalistas porque houve, de um lado, o pânico moral e, de outro, o deboche: parlamentares e influenciadores bolsonaristas passaram semanas jogando sua base contra o então indicado de Lula ao Supremo Tribunal Federal (STF), lembrando-se de seu passado no PCdoB, partido pelo qual Dino se elegeu duas vezes deputado federal e duas governador do Maranhão (e sigla que hoje, da utopia comunista, só tem o nome, diga-se). À frente do Estado, Flávio Dino teria então implantado o “comunismo maranhense”? Óbvio que não.

Por outro lado, após a aprovação do nome de seu ministro para vestir a toga do outro lado da Praça dos Três Poderes, Lula aproveitou uma solenidade em que “jogava em casa” – recheada de aliados – para se orgulhar de o Brasil ter aprovado o “primeiro comunista” para compor o STF.

Lula, que é um sujeito analógico, se esquece (ou parece fazer pouco caso) do poder das redes sociais

Basta ler texto e contexto para entender que foi uma “tiração de sarro” – uma “blague” – do presidente para cima da turba reacionária que comandou a campanha “Dino Não” nas últimas semanas. Talvez, conscientemente ou não, Lula quisesse dar uma resposta retórica ao “terrivelmente evangélico” soltado por Jair Bolsonaro (PL) quando escolheu e festejou a aprovação do pastor e então também ministro da Justiça André Mendonça ao mesmo cargo.

Lula, que é um sujeito analógico – ninguém tem o número do celular particular do petista porque o petista não tem celular particular –, se esquece (ou parece fazer pouco caso) do poder das redes sociais. Elas são formadas de bolhas e, numa delas, a bolha bolsonarista, a notícia que chegou na semana passada é que, com Dino no STF, foi dado o passo decisivo para o Brasil se tornar uma ditadura comunista.

Por causa disso, a polêmica inócua pautou o noticiário dos dias seguintes. Na GloboNews, seis profissionais de comunicação passaram preciosos minutos para discutir o espantalho que parece tomar formas humanas – nas bolhas radicais, o pânico do comunismo é real. Em seu canal na Revista Oeste, o veterano Augusto Nunes usou adjetivos fortíssimos para classificar negativamente o novo ministro do STF. Entre eles, o de “comunista”. Como se ser comunista – como anarquista, liberal, socialdemocrata etc. – não pudesse mais ser uma opção política.

Se o comunismo teve líderes déspotas e assassinos e matou milhões pelo mundo afora por razões ideológicas, o capitalismo fez o mesmo por séculos e séculos – ou como seria justificável a matança durante a colonização da África e da América e a escravidão que enriqueceu as burras de toda a Europa?

À parte a falha de não discutir a sério o que seja a exploração do homem pelo homem, independentemente do regime, falta à imprensa constituída mais coragem para defender o direito de ser o que quiser como pessoa ideologicamente formada, da mesma forma com que há uma campanha permanente (e correta) para aceitar a crença, a cor ou a orientação sexual de cada um. Defender o comunista não é defender o comunismo, mas seu direito de expressar sua ideologia política, ainda que supostamente ultrapassada e anacrônica.

Das redes sociais pouco se pode esperar. Em si, elas não são boas ou ruins: servem para compartilhar informações. O problema é que as pessoas costumam buscar o que confirme seu viés. Dessa maneira, o católico Flávio Dino, hoje no PSB, para essas pessoas teleguiadas, será sempre um “comunista” vociferante pronto para acabar com a “liberdade” do “povo brasileiro”.