Não é de agora: a trajetória de Nelson Piquet, desde quando chegou à principal categoria do automobilismo, sempre foi polêmica.

Como piloto, o brasileiro foi um dos grandes da história mundial: seu conhecimento técnico – antes de começar a carreira, ele já era um exímio mecânico –, sua capacidade de entender o carro que guiava, sua técnica de pilotagem e, claro, sua velocidade ficaram mais do que provadas durante as 14 temporadas em que ocupou uma vaga no grid da Fórmula 1.

Da mesma forma, à parte o eterno mau relacionamento com a imprensa – com a qual não fazia a menor questão de ser simpático –, não foram poucas as passagens que deixaram quem acompanha Piquet com a sensação de que estava diante de um ser amoral.

Foi assim quando teve a ideia de burlar o regulamento da categoria com a instalação, no carro, uma caixa que era enchida com água para ser esvaziada aos poucos durante a corrida e reabastecida com o líquido ao final. O objetivo? Correr abaixo do peso mínimo permitido e assim, ganhar importantes décimos de segundo (ou mesmo segundos) por volta em relação aos adversários. A manobra do espertalhão ocorreu em 1982 e foi logo descoberta.

No mesmo ano, foi atrapalhado durante uma ultrapassagem pelo retardatário Eliseo Salazar no GP da Alemanha e ambos saíram da prova. Mas o brasileiro resolveu também sair na porrada: partiu para cima do chileno, chegado a agredi-lo com um soco na cabeça – que, por sorte, era protegida ainda pelo capacete.

Depois, em declarações a repórteres, chamou de “feia” a mulher do rival britânico Nigel Mansell e insinuou que Ayrton Senna gostava de rapazes. Anos depois que o compatriota morreu, questionado sobre quem entre os dois era melhor, respondeu: “Eu ainda estou vivo”.

Tudo era visto como simples “polêmica”. Era o tipo que Piquet fazia.

Passa-se o tempo e o mesmo Piquet agora é um bolsonarista de quatro costados. A ponto de se tornar chofer do Rolls-Royce presidencial no dia em que o então presidente armava sua primeira tentativa aberta de golpe, no 7 de Setembro de 2021, quando disse, numa Avenida Paulista completamente tomada, que não mais cumpriria determinações judiciais do ministro Alexandre de Moraes.

Durante as eleições do ano passado, o ex-piloto passou a ser mais do que um eleitor de Jair Bolsonaro (PL): fez discursos, andou lado a lado em muitos eventos e atacou adversários. Enquanto isso, o governo lhe “agradecia” com contratos sem licitação que totalizavam mais de R$ 6 milhões. O empresário Piquet, em retribuição, doou como pessoa física meio milhão de reais para a campanha do parceiro.

Acabadas as eleições, sobrou ao chofer da extrema direita a condenação num processo de racismo e homofobia movido pelo multicampeão Lewis Hamilton, adversário nas pistas de seu genro, o holandês Max Verstappen, que foi chamado de “neguinho” que guiava muito quando não estava “dando o c*”.

Por último, vem a descoberta de que o piloto-chofer utilizava suas propriedades para guardar presentes recebidos pelo amigo Bolsonaro. Entre os regalos, um dos conjuntos de joias das Arábias. Mais do que isso, porém: segundo revelação de O Globo, foram depositadas num galpão de Piquet cerca de 200 metros cúbicos de volumes de caixas com itens pertencentes ao derrotado à reeleição.

A ironia é que, analisando toda sua trajetória, nem se pode dizer que o tricampeão de F-1 Nelson Piquet tenha mudado para pior.