Todos vemos um Congresso com suas prerrogativas sendo violadas a cada dia, sem que isso pareça preocupar senadores e deputados, salvo uma minoria conservadora e mais disposta à luta. Há muito tempo, desde o fim dos anos 80, quando estourou o escândalo dos “anões do orçamento”, que chocou a nação mas não ruborizou o parlamento, as duas casas parecem ter abdicado de sua preocupação para com o país e ter majoritariamente concentrado sua atenção em um único tema: a reeleição de todos os congressistas e de cada um deles.

Tal atitude se agravou a partir da presente legislatura, pois o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o do Senado, Rodrigo Pacheco, ao alheamento para com os temas nacionais, parecem ter somado outras atitudes, tão prejudiciais quanto. Lira assim o faz ao pretender transformar o sistema político brasileiro em um parlamentarismo de ocasião, negociando com o Executivo o controle sobre fatia cada vez maior do orçamento (as emendas parlamentares pouco ou nada fiscalizadas em sua aplicação) e a participação de deputados no Executivo, ocupando ministérios em troca de apoio partidário na Casa.

É evidente que atitudes como as de Lira satisfazem os deputados, pois uma coisa e outra representam facilidades para reeleição. E satisfaz também o governo petista, que vê na prática a oportunidade de aprovar seus projetos, por mais estapafúrdios que sejam. Mas tem um senão: não é bom para a saúde da Nação.

Por outro lado, Pacheco tem outro comportamento, ou melhor, tem total ausência de comportamento quando se trata de frear o avanço do Judiciário sobre o terreno do Legislativo. É incapaz de abrir uma gaveta, de mover uma palha, se suspeitar, de leve que seja, que isso possa contrariar os humores de qualquer ministro do Supremo. Processar um ministro do Supremo? Não sei do que você está falando! – é como se dissesse. Frear uma ação legiferante do STF, em total discordância com a finalidade da Corte? Nem pensar.

A inação de Pacheco é tão gritante que já deu margem às mais variadas especulações sobre suas origens: interesses profissionais junto ao Supremo Tribunal Federal? Receio da retaliação de algum ministro? Proteção de colega processado na Corte, cujo processo dorme em alguma gaveta ministerial e não convém acordar? Ou proteção de outro colega ainda não processado, mas passível de sê-lo, pois motivos não faltam, mas levando em conta que ninguém se preocupou ainda em fazê-lo? Sabe-se lá!

O fato visível é que temos hoje um Congresso emasculado em suas funções e prerrogativas, e isso não parece incomodar deputados e senadores, salvo as honrosas exceções que toda regra tem. Quer um exemplo? A primeiríssima ação do atual governo Lula foi baixar o decreto 11.366, de 1º de janeiro de 2023, que em nada beneficiou a sociedade brasileira, mas transbordou revanchismo sobre o governo Bolsonaro.

Além de paralisar as atividades do esporte do tiro e da caça licenciada pelo IBAMA, a decisão atingiu as atividades empresariais dos clubes de tiro e lojas de armas e artigos esportivos, causando prejuízos e desemprego. Tentou ainda menosprezar o Exército, ao passar para a Polícia Federal o registro e a fiscalização do armamento civil. E atingiu o Congresso Nacional, pois com um mero decreto, na prática revogou a lei 10.826, de 2003, que, bem ou mal, havia sido votada pelas suas duas casas e está (ou deveria estar) em vigor. Pela lei, aquela fiscalização é, intransferível, do Exército, que sempre a exerceu muito bem. Na Câmara e no Senado, silêncio.

Outro exemplo: há razões de sobra, quer do ponto de vista científico, quer do ponto de vista moral, para que a descriminalização do aborto seja um tema da mais profunda discussão e objeto final de apreciação pelo Congresso Nacional. Trata da vida humana. Merece até um plebiscito. Mas está sendo decidido pelos onze ministros do Supremo.

Ora, os ministros não ouviram a população brasileira; não consultaram as grandes organizações internacionais que podem fornecer subsídios fundamentais para basear tão grave decisão, como a Academia de Ciências do Vaticano, com seu rosário de Prêmios Nobel, católicos e não católicos. O Código Penal, fruto de lei, está sendo de certa forma revogado, o que somente poderia ocorrer por votação no Congresso. A ministra Rosa Weber, prestes a se aposentar, já anunciou seu voto, com o esperado viés esquerdista, e é de se prever concordância da maioria da Corte. E o Congresso, apático. Como se não lhe dissesse respeito.

Mas os exemplos não param por aí. A descriminalização do porte e uso de drogas é questão séria em qualquer parte do mundo. Mas é mais séria no Brasil, cercado por produtores, usado por traficantes como rota preferencial, vizinho de países em que o narcotráfico tem presença maciça e com problemas de segurança que são graves e estão indissoluvelmente ligados ao tráfico.

A sociedade brasileira, que muito sofre com as drogas, deveria ser ouvida. Competiria ao Congresso se inteirar de como essa questão foi tratada em outros países e saber das consequências das soluções adotadas, para então decidir a respeito. E também aqui, quem decide, são apenas os onze togados, sem o devido aprofundamento da questão. Pela omissão do Congresso? Talvez.

E há mais casos em que o Parlamento foi omisso. O Imposto Sindical Obrigatório está de volta? Sim. A volta foi votada, como deveria, pelo Congresso? Não. O que foi votado, ao contrário, foi a revogação da obrigatoriedade, na Reforma Trabalhista de Michel Temer, redundando na Lei 13.467, de 2017. Inclusive referendada pelo Supremo, que agora afirma que, ao menos no que diz respeito ao Imposto Sindical, ela não vale mais. E o trabalhador terá de volta o desconto obrigatório em seu salário do dinheiro que dará vida boa aos pelegos dos sindicatos. E o que faz o Congresso? Absolutamente nada.

Poderíamos citar outros exemplos, mas os acima são o suficiente para demonstrar a falta de virilidade do Congresso Nacional em defender suas prerrogativas e os direitos dos milhões de eleitores que conferiram aos deputados e senadores os mandatos que ostentam. Alheamento, egoísmo ou medo? Os três, provavelmente.