Além de ciência, cientistas têm de fazer comunicação
30 julho 2023 às 13h43
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Artigo originalmente publicado em 29 de dezembro de 2019
Aqui neste país, Alice, você precisa correr o máximo que puder para permanecer no lugar.
Alice do Outro Lado do Espelho.
A citação de Alice do Outro Lado do Espelho é uma alegoria utilizada para explicar situações em que espécies competidoras evoluem para superar as inovações evolutivas umas das outras, de maneira que as vantagens e desvantagens entre elas se mantêm estáveis. A teoria proposta em 1973 pelo biólogo evolutivo Leigh Van Valen e também pode ser vista como uma alegoria para a situação atual dos cientistas.
Por mais que trabalhem, pesquisadores competem com um descrédito conspiratório que está sempre evoluindo. Por mais que publiquem artigos, lutam contra a instrumentalização de suas descobertas por um ou outro lado do espectro político.
A revista Galileu, cujo foco é a popularização do conhecimento, publicou uma reportagem intitulada “O que trava a ciência no Brasil?” em 2013. Nesta data, pela última vez na história, os repasses do governo às universidades federais coincidiram com o previsto. Além destes repasses via Ministério da Educação, mais 1,16% do PIB brasileiro foi investido em pesquisa e desenvolvimento tecnológico por meio do ministério Ciência, Tecnologia e Inovação, outro valor que nunca seria repetido.
Em 2014, o orçamento repassado a universidades federais foi 87% do total prometido. Um ano depois, Joaquim Levy, o Ministro da Fazenda do governo Dilma Rousseff (PT), moveu R$ 122 bilhões para o pagamento dos juros da dívida pública – parte do dinheiro, contingenciado do repasse de verbas para a Educação Federal. Desde então, o orçamento empenhado com universidades nunca mais atingiu o orçamento previsto (que, aliás, é cada vez mais modesto), fazendo as universidades federais conviverem com crescente insegurança orçamentária. Além disso, a pasta do desenvolvimento científico foi aguada na de comunicação, resultando num Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
Mas, voltando a 2013, quando a educação federal vinha em uma crescente, o jornalista Salvador Nogueira já havia notado problemas estruturais em nosso sistema de financiamento da pesquisa que não foram resolvidos nem com investimentos relativamente altos. Embora tivéssemos atingido a 13ª posição no ranking mundial de produção científica em volume de artigos, o Brasil pontuou mal em rankings de inovação. Pior ainda, a incapacidade brasileira de cumprir compromissos internacionais deixou o Brasil fora de grandes programas que poderiam obrigá-lo a continuar investindo em sua pesquisa.
Já em 2007, por exemplo, o Brasil foi expulso do maior empreendimento científico do mundo, a International Space Station, pois deu um inexplicável calote de seis peças à estação espacial via Nasa no valor de US$ 120 milhões. O valor era considerado simbólico, apenas para “comprar bilhete de embarque”. Mais tarde, o astronauta Marcos Pontes pôde embarcar pela russa Soyuz, mas não pelo programa da Nasa.
Nunca vivemos um momento de tamanho descrédito na ciência. Da dúvida do aquecimento global na direita à fé em tratamentos mágicos na esquerda, passando pela antivacinação como uma posição ideológica. Não faltam exemplos de que a negação da ciência se tornou um requisito para pertencer a um clube político. Conforme pesquisa publicada pela Folha mostra, maioria da população não sabe citar nome de cientistas nem onde se faz pesquisa no país.
O que a maioria dos brasileiros não parece entender é que dar ouvidos à ciência não é apenas uma questão moral ou filosófica (embora também seja), mas também econômica. Como o Jornal Opção mostrou na reportagem, “Goiás tem grandes jazidas de elementos usados na indústria tecnológica – basta investir em pesquisa”, a vocação para commodities não levará este país muito longe no século XXI.
A maioria dos minérios será empregada de maneiras que ainda não foram inventadas. O quilo da picanha pode estar mais valorizado que nunca, mas criadores de gado competirão com laboratórios de carne sintética ainda nesta década. Além disso, em minha conversa com o Edward Madureira, o reitor da Universidade Federal de Goiás chamou a atenção para um fato frequentemente negligenciado: investimento em educação tem data de validade.
A pirâmide etária está envelhecendo. “Daqui a vinte anos, não adiantará investir em educação porque teremos perdido esta porção da população jovem e não conseguiremos mais fazer a virada que o Brasil precisa”, disse Edward Madureira naquela entrevista. Atualmente, o Brasil tem 700 cientistas por milhão de habitantes. Israel tem 8.300. Os Estados Unidos têm 3.900.
Portanto, se resolvêssemos o que Salvador Nogueira, da Galileu, formulou no ano de 2013 como: “Nossos cientistas ainda passam por uma via-crúcis para trabalhar”, talvez resolvêssemos o problema da fuga de cérebros. Mas agora, seis anos depois, um Museu Nacional a menos, alguns conspiracionistas da Terra Plana a mais, fica claro que dependemos de muito mais do que investimentos financeiros.
Além de ser científica, a ciência brasileira tem a missão de comunicar que não é de esquerda ou direita, que não está a serviço do Capital ou do globalismo imperialista; que é método e não narrativa; que é antídoto para o caos em um mundo cada vez mais complexo; que é o único instrumento que desfaz as tramas inventadas para instrumentalizar paixões políticas. A ciência precisa comunicar que é o único caminho conhecido para a nova década que se anuncia.