Opção cultural

Filme de Richard Linklater desperta o interesse daquele espectador disposto e preparado a pensar
Ana Paula Carreiro
Especial para o Jornal Opção
Em “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (2001), dirigido por Jean-Pierre Jeunet, em determinado momento é dito a Amélie, uma jovem sonhadora, a seguinte frase: “São tempos difíceis para os sonhadores”. Esta frase, apenas um pouco diferente, se repete em “Waking Life” (2001), quando outro sonhador encontra a personagem principal e afirma: “As coisas andam difíceis para os sonhadores”.
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Com roteiro não linear e extremamente denso, o filme, que é dirigido pelo cineasta e escritor norte-americano Richard Linklater, retrata as experiências de alguém que não consegue acordar de um sonho e que passa a encontrar pessoas em seu mundo imaginário com quem têm diálogos e discussões existenciais.
O longa-metragem, que foi filmado com atores e depois finalizado através do rotoscópio para simular a animação em flash, começa com a seguinte frase: “Sonho é destino”, mostrando a longa viagem feita pela consciência na tentativa de compreender a vida.
Além de ser uma experiência cinematográfica, “Waking Life” é também uma experiência filosófica que trata, dentre outros assuntos, do existencialismo de Jean-Paul Sartre e dos pensamentos de Aristóteles, Platão e Nietzsche. Em um dos primeiros diálogos do filme, encontramos Ethan Hawke e Julie Delpy discutindo sobre a sensação de que estamos observando nossa vida da perspectiva de uma velha à beira da morte, como se a vida desperta fosse composta por lembranças e os seis a doze minutos de atividade cerebral depois que tudo se apaga fossem toda a nossa vida.
Trechos do próprio filme explicam à personagem principal o motivo de sonhos serem confundidos com a realidade:
“Dizem que os sonhos somente são reais enquanto duram. Não podemos dizer isso da vida? Muitos de nós estão mapeando a relação mente-corpo dos sonhos. Somos chamados onironautas, exploradores do mundo onírico. Há dois estados opostos de consciência, que de modo algum se opõem. Na vida desperta, o sistema nervoso inibe a vivacidade das recordações. É coerente com a evolução. Seria pouco eficiente se um predador pudesse ser confundido com a lembrança de um outro e vice-versa. Se a lembrança de um predador gerasse uma imagem perceptiva, fugiríamos quando tivéssemos um pensamento amedrontador. Nossos neurônios serotonínicos inibem as alucinações. Eles próprios são inibidos no sono REM. Isso permite que os sonhos pareçam reais, mas bloqueia a concorrência de outras percepções. Por isso os sonhos são confundidos com a realidade. Para o sistema funcional de atividade neurológica, que cria o nosso mundo, não há diferença entre uma percepção, ou uma ação sonhada e uma percepção, e uma ação na vida desperta”.
Em vários trechos, pode-se observar também críticas à sociedade atual: “Se o mundo é falso e nada é real, então tudo é possível. A caminho de descobrir o que amamos, achamos o que bloqueia o nosso desejo. O conforto jamais será confortável. Um questionamento sistemático da felicidade. Corte as cordas vocais dos oradores carismáticos e desvalorize a moeda. Para confrontar o familiar. A sociedade é uma fraude tamanha e venal que exige ser destruída sem deixar rastros. Se há fogo, levaremos gasolina. Interrompa a experiência cotidiana e as expectativas que ela traz. Viva como se tudo dependesse de suas ações. Rompa o feitiço da sociedade de consumo para que nossos desejos reprimidos possam se manifestar. Demonstre o que a vida é e o que ela poderia ser. Para imergirmos no esquecimento dos atos. Haverá uma intensidade inédita. A troca de amor e ódio, vida e morte, terror e redenção. A afirmação tão inconsequente da liberdade, que nega o limite”.
A estética chama a atenção, mas “Waking Life” não é um filme para todos os públicos. A temática é bastante densa e exige do telespectador atenção, sendo assim recomendado que se assista o filme mais de uma vez para absorver tudo o que é passado.
Por ser um filme todo construído em diálogos quase socráticos, ele provavelmente será um pouco chato e entediante para pessoas que gostam de filmes com muita ação. No entanto, para os que se interessam em discursos fortes, o filme é uma boa fonte de informação sobre humanidades que vão da antropologia às artes e cultura.
O filme desperta o interesse do espectador disposto e preparado a pensar. A questão existencial e a linha tênue que separa o sonho da realidade são os seus aspectos mais marcantes. Se você quer desfrutar de uma animação rica em todos os sentidos, assista “Waking Life” e tenha uma ótima experiência.
Ana Paula Carreiro é estudante de Jornalismo

Sim, este é melhor que o primeiro e, talvez, o melhor filme da Marvel até o momento
Ana Amélia Ribeiro
Especial para o Jornal Opção
Preciso começar esse texto dizendo que, sim, “Guardiões da Galáxia Vol. 2” é melhor que o primeiro, quiçá melhor filme da Marvel. Além de ser um pouco repugnante e nojento (Calma, já explico). Em 2014, a Marvel iniciou sua segunda fase no Universo Cinematográfico (MCU) e “Guardiões da Galáxia” era um filme que não chamava muita atenção do grande público, porque mostrava, na época, uma espécie de “heróis B” dos quadrinhos.
Depois de sua estreia, o longa chamou a atenção do público por ser diferente. Com a direção de James Gunn, o filme conta a história de um grupo de “super-heróis” formado por: Senhor das Estrelas, Peter Quill (Chris Pratt), Groot, uma árvore humanóide (Vin Diesel), o guaxinim Rocket Racoon (Bradley Cooper), Gamora (Zoe Saldana), e Drax, o Destruidor (Dave Bautista). Juntos, eles lutaram para proteger um orbe que continha uma das Joias do Infinito contra o vilão Ronan, da raça kree, que é um servo de Thanos.
O filme seguiu à risca a fórmula de sucesso da Marvel no cinema, indo na contramão de tudo que foi produzido até então fora do MCU, e teve a quinta maior arrecadação dentre os filmes desse universo, ficando atrás apenas dos dois “Vingadores”, “Homem de Ferro 3” e “Guerra Civil”. Já em “Guardiões da Galáxia Vol. 2” não há Joias do Infinito, nem muitas referências ao MCU – é apenas um grupo de desajeitados aprendendo a trabalhar em equipe enquanto se solidificam e se constroem como família.
“Guardiões” é basicamente um drama familiar, com altas doses de ironias e humor, mas sem ser piegas, embora um pouco clichê. O filme mostra a construção de relacionamentos, desde o amoroso com o “lance não verbalizado” entre Peter e Gamora, passando pela amizade com Rocket e Yondu (Michael Rooker), e chegando ao duelo e rivalidade entre as irmãs Gamora e Nebula (Karen Gillan). E ainda há o mais pesado de todos os laços: o paternal entre Peter e Ego (Kurt Russel).
James Gunn é o diretor e roteirista que articula todas essas histórias de forma simultânea e de maneira surpreendente. O fato de usar o Planeta Vivo Ego como pai do Senhor das Estrelas, por exemplo, foi uma surpresa para todos que são leitores de quadrinhos. O motivo é simples: Ego é uma personagem recorrente do “Quarteto Fantástico” nas HQs, e o Quarteto não pertence ao MCU, visto que seus direitos são da FOX. Quando Gunn escreveu o roteiro de “Guardiões”, ele não sabia que o personagem que viria a ser interpretado por Kurt Russel não era do casting que ele tinha disponível das personagens, e isso já tinha acontecido no primeiro filme, quando ele quis usar a raça alienígena dos Badoons – que também tem origem no Quarteto Fantástico –, e acabou tendo de substituir a Irmandade pela raça Kree no filme. E como James Gunn conseguiu autorização para usar Ego? A resposta é: Deadpool.
Paul Wernick, o roteirista do filme do mercenário tagarela, revelou em uma entrevista que, enquanto escrevia a trama do longa, acabou modificando os poderes da personagem Negasonic Teenage Warhead (Brianna Hildebrand). Nas HQs, a moça tem poderes psíquicos e isso não se encaixava ao que Tim Miller, o diretor do filme, queria para a história. Então, eles pediram autorização da Marvel, que concedeu a mudança, mas (porém, contudo, entretanto, todavia) colocaram uma condição para entrar em acordo: ganhar um personagem em troca. Que personagem foi esse? Ego, o Planeta Vivo.
James Gunn poderia ter optado pelo caminho mais fácil, e ter utilizado o personagem J’son Spartax, que teve um conflito com Ronan nas HQs, e que atualmente nos quadrinhos é o pai de Peter, mas preferiu inovar. Quando se escreve um filme sobre HQs, o leque de histórias é extenso, pois os enredos vão se alterando com os novos arcos criados, e novas Terras que vão surgindo. E desde a origem de Peter muita coisa mudou: ele já foi filho de Ego, e atualmente é filho de J’son.
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James Gunn, diretor do filme[/caption]
Se James Gunn tivesse usado o Rei Spartax no filme, ele teria que trabalhar diretamente no MCU, e o diretor de “Guardiões” quis fazer um filme que fosse outsider do universo; mesmo citando Thanos algumas vezes, ele não queria trabalhar tantas personagens assim e, usando J’son no enredo da trama, ele teria que trabalhar com o Rei Titã. Não era essa a intenção.
De forma geral na história de “Guardiões”, chega um ponto em que há muitos personagens. James Gunn disse, em entrevista ao site “/Film”, achar que os irmãos Anthony e Joseph Russo, em “Guerra Civil”, lidaram muito bem com esse tipo de situação de muitos personagens em cena, mas reconheceu que em “Guardiões” os personagens eram menores, e que durante o longa cada um teria seu próprio arco, sua própria “coisa”. Pensando assim, ele então tirou alguns personagens da história mais ou menos na metade da fase de tratamento.
Foi esse o filme que chegou aos cinemas no dia 27 de abril, cheio de referências ao universo espacial da Marvel, com os galãs brucutus dos anos 80, Baby Groot sendo fofo, nostalgia de videogames e, claro, uma trilha sonora do caramba. Então, agora que você já sabe de tudo o que aconteceu para que esse filme chegasse até aos cinemas, vamos ao que realmente interessa.
A corrente, a família e elo chamado Yondu
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Easter eggs e cenas pós créditos

A grande virtude de Guardiões da Galáxia Vol.2
James Gunn trouxe às telas do cinema uma Space Opera de 2h17min, e fez tamanho esforço para parecer uma brincadeira, que você fica empolgado do início ao fim. As piadas, participações especiais, os fanservices sobre a cultura pop, easter eggs, cenas bastante coloridas de batalhas espaciais, trilha sonora sincronizada ao enredo do filme. O diretor e roteirista conseguiu trabalhar os dramas familiares durante a história do filme sem ficar chato, e isso é incrível. O longa consegue ser uma grande discussão de relacionamento e é divertido, apesar do que está sendo abordado ali ser considerado temas pesados por muitos. O pai ausente, competição entre irmãos, o filho rebelde e as incertezas de ser aceito como é em uma família recém-formada. E James Gunn consegue falar de tudo isso com bastante humor e sensibilidade, sem deixar a narrativa cansativa, e isso é um grande mérito dele. "Guardiões da Galáxia" é um filme repugnante e nojento, porém possui uma beleza interior bastante reflexiva - James Gunn dirigirá e escreverá o roteiro de "Guardiões da Galáxia Vol. 3", mas os nossos heróis espaciais ainda vão aparecer em "Vingadores – Guerra Infinita" no ano que vem e James Gunn é produtor-executivo do filme. Baby Groot é muito fofo, mas agora imagina como será o Teenage Groot, tendo Peter Quill como figura paterna. Que venha a Awesome Mix Vol. 3. Ana Amélia Ribeiro é jornalista, fã incondicional de quadrinhos, DCnauta, Marvete e muito apaixonada pela Turma da Mônica
Cantor e compositor cearense morreu em casa na madrugada deste domingo Morreu na madrugada deste domingo, 30 de abril, o cantor e compositor Belchior. A causa da morte ainda é desconhecida. O corpo deve ser levado de Santa Cruz do Sul (RS), onde o cantor morava, para Sobral, no Ceará, cidade natal de Belchior, onde ocorrerá o sepultamento. Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, nome verdadeiro do cantor, se firmou, na década de 1970, como um dos primeiros cantores de MPB do Brasil, tendo lançado mais de 20 discos durante a carreira. O governo do Ceará decretou luto oficial de três dias. O governador, Camilo Santana, divulgou nota em homenagem ao autor de "Apenas um Rapaz Latino-Americano": "Recebi com profundo pesar a notícia da morte do cantor e compositor cearense Belchior. Nascido em Sobral, foi um ícone da Música Popular Brasileira e um dos primeiros cantores nordestinos de MPB a se destacar no país. O povo cearense enaltece sua história, agradece imensamente por tudo que fez e pelo legado que deixa para a arte do nosso Ceará e do Brasil. Que Deus conforte a família, amigos e fãs de Belchior", lamentou.

Diretor sueco entrega um filme humano, mas chocante tanto pela temática quanto pelas escolhas estéticas. Não é recomendado para pessoas que se abalam facilmente
[caption id="attachment_93157" align="alignleft" width="620"] Volodya e Lilya: uma criança e uma adolescente são as responsáveis por mostrar no filme o sofrimento intenso de uma vida precária e de abandono[/caption]
Ana Paula Carreiro
Especial para o Jornal Opção
Com a “explosão” de “13 Reasons Why”, muitas pessoas parecem ter se interessado pelo assunto tratado na série, gerando inclusive muitos debates sobre o tema. No entanto, o seriado da Netflix só mostra uma visão do que pode levar uma pessoa ao suicídio, deixando assim a impressão de que só aquilo pode motivar uma pessoa a tirar a própria vida.
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É preciso falar mais sobre o assunto e há outras produções que falam a respeito disso. Uma delas é “Para Sempre Lilya”. Baseado em fatos reais, o filme sueco de 2002 dirigido por Lukas Moodysson, um dos expoentes do cinema escandinavo, fala sobre a vida de uma adolescente de 16 anos que mora no subúrbio da antiga União Soviética.
Lilya (Oksana Akinshina) é abandonada à própria sorte pela mãe, que se muda para os Estados Unidos com o novo namorado, e se vê em uma situação de desamparo, que se agrava com o fato de ser forçada a se mudar para um lugar com condições extremamente precárias.
Sem dinheiro para se manter, a adolescente encontra na prostituição uma saída “fácil” para seus problemas e conta apenas com a amizade de Volodya (Ardydom Bogucharsky), um garoto de 11 anos com quem desenvolve uma relação fraternal – os dois nutrem juntos sonhos de um dia terem uma vida melhor.
Em uma de suas idas às boates soviéticas, Lilya conhece Andrei, um homem que em meio a tantos outros interessados apenas em sexo, demonstra ser atencioso e lhe faz promessas de uma vida estável na Suécia, com moradia e trabalho.
Mesmo alertada por Volodya de que Andrei não possui boas intenções, Lilya prefere acreditar em Andrei e acaba indo para a Suécia. Chegando lá, o que era para ser a realização de um sonho se transforma em um pesadelo e Lilya é feita escrava sexual e vive presa em um apartamento.
Com a consciência de que Lilya jamais voltaria de sua “viagem” à Suécia, Volodya, que antes encontrava nela o único motivo para estar vivo, acaba tirando a própria vida com o uso abusivo de remédios.
Já Lilya, em um dia de aparente descuido de seu vigia, consegue sair do apartamento em que estava presa. Desorientada, ela corre pelas ruas da cidade até que encontra um viaduto e, com todas as esperanças esgotadas, se joga entre os carros que passam e dá fim a uma vida de sofrimentos.
Foco no sofrimento
“Para sempre Lilya” é um filme que trata da desgraça humana, tanto social quanto interna, abordando temas como o desespero, a solidão, a exploração sexual, o tráfico humano e o descaso do governo perante o abandono de menores. Mesmo não tendo nenhuma cena em que a violência contra Lilya é explícita, o filme é extremamente denso, pela temática e pelo enquadramento da filmagem, que escolhe deixar a subjetividade em primeiro plano, mostrando as expressões de sofrimento no rosto da personagem, ao invés do ato em si. Não é um filme que eu indicaria para pessoas que se abalam facilmente, pois o foco da filmagem em primeira pessoa faz com que os telespectadores se sintam violentados juntamente com a personagem. O fato de o filme retratar o sofrimento pelo olhar de duas crianças é o que torna ainda mais chocante toda a narrativa, mostrando a inocência perdida e a falta de perspectiva de um futuro, o que leva as duas ao suicídio, o maior ato de desesperança de uma pessoa. O final do filme tem duas interpretações principais, uma que aborda o aspecto psicológico da questão, em que Lilya enxerga Volodya com asas de anjo em seus momentos de desespero e solidão, e outra que aborda o aspecto sobrenatural, tratando assim a aparição de Volodya como se ele de fato tivesse morrido e voltado como um anjo para ampará-la em meio ao sofrimento. De qualquer maneira, o final fica aberto à interpretação do telespectador, visto que não se pode afirmar se Lilya morreu ou não. Ana Carreiro é estudante de Jornalismo
Ex-baixista da banda Fresno, na qual esteve entre 2006 e 2012, Rodrigo Tavares traz seu projeto solo à capital goiana neste domingo (30/4) em show no Cafofo Estúdio

Então senador da República, o economista e ex-diplomata Roberto Campos teve medo de ser hostilizado por estudantes de esquerda da Universidade de Brasília, em 1990

Abordar o Jazz tem imposto a diretores, roteiristas e atores de cinema uma exigência a mais, que é captar pontos-chave da carreira desses músicos, respeitando suas idiossincrasias

Com “A História de André da Conceição”, Heitor Rosa mostra todo o seu vigor imaginativo no campo da ficção histórica

Na prosa de Luiz Roberto Guedes, o substantivo se impõe com toda sua plasticidade, cada frase, cada parágrafo, cada página é um retrato sem retoques do que o autor recolhe no dia a dia

A ironia e a inteligência afiada foram os traços definidores da personalidade de Roberto Campos, um dos mais destacados intelectuais brasileiros. Em “A Técnica e o Riso”, livro de 1966, a verve irônica fica patente

Sem perder o tom esquizofrênico, segue mais uma Playlist Opção para sua noite de sexta-feira! Aperte o Play! https://www.youtube.com/watch?v=pzVgIop0f0Y https://www.youtube.com/watch?v=f28vdAn5TBU https://www.youtube.com/watch?v=CnQ8N1KacJc https://www.youtube.com/watch?v=va47vNPm6YA https://www.youtube.com/watch?v=ClqaR1RKdNI https://www.youtube.com/watch?v=5AVOpNR2PIs https://www.youtube.com/watch?v=JU5fG4iQ7I0 https://www.youtube.com/watch?v=YHB3tSwl2mA

Diretor confirmou continuação de "Corpo Fechado" e "Fragmentado". O que esperar?
Antes de mais nada, vou avisando que, se você não assistiu a "Corpo Fechado" (2000) ou a "Fragmentado" (2016), pode ser que eu conte detalhes importantes da trama desses filmes. Então, se não quiser ficar sabendo de nada antes, pare de ler agora! E volte depois de assisti-los.
Observe o cartaz e o nome original de "Corpo Fechado", de M. Night Shyamalan. "Unbreakable" é exatamente o oposto do mais recente filme do diretor, "Fragmentado" ("Split", no original). Mas ambos dizem respeito a pessoas desajustadas física, mental e, consequentemente, socialmente. Aí, lá pelas tantas, somos surpreendidos com o final e entendemos que os dois filmes estão inseridos no mesmo universo. Mais do que isso: que pode haver um terceiro capítulo desse emaranhado todo.
E foi o que aconteceu, senhores. A comunidade nerd entrou em polvorosa quando, nesta quarta-feira, 26, Shyamalan usou seu Twitter para confirmar que já está trabalhando no próximo capítulo da trilogia. O título? "Glass". "Vidro". É para quebrar tudo mesmo.
Com as presenças já confirmadas de Bruce Willis (David Dunn), Samuel L. Jackson (Elijah Price), James McAvoy (Kevin Crumb) e Anya Taylor-Joy (Casey Cook), ficam reveladas as principais peças do jogo. Será que dá para imaginar o que vem por aí?
Como todo mundo já sabe, em "Corpo Fechado", David Dunn, um segurança sem muita perspectiva na vida, sobrevive a inúmeras experiências mortais, levantando a desconfiança de um aficcionado por quadrinhos, Elijah Price (autodenominado de "Mr. Glass" – o que, inclusive, pode ser uma referência do título do próximo filme). Deixamos Dunn às voltas com uma discreta aceitação de seus poderes especiais, praticando um ato ou outro de um heroísmo anônimo, escondido em sua capa de chuva, sem grandes pretensões. Price terminou preso e internado em uma instituição penal para doentes mentais, depois de tentar colocar em prática planos terroristas envolvendo pessoas com superpoderes.
Em "Fragmentado", conhecemos Kevin Crumb, um sujeito atordoado por nada menos que 23 personalidades. E o que parece um filme policial intrincado, situado entre "O quarto de Jack" e "O silêncio dos inocentes", acaba desaguando num thriller psicológico um pouco mais profundo. Casey, uma das vítimas sequestradas por Kevin, consegue fugir e, no caminho para a liberdade descobre que as personalidades de Crumb pretendem se juntar para libertar uma 24ª personalidade mortífera: "The Horde". Essa besta acaba liberando Casey quando descobre que ela também passou por um trauma de infância e é considerada como "pura", "quebrada". E foge para o mundo.
Um dos grandes méritos de "Corpo Fechado", à época, foi a de reintroduzir os super-heróis no mundo do cinema de forma mais realista. Ainda não existiam os filmes dos Vingadores, Homem de Ferro ou o Batman de Christopher Nolan, o Homem-Aranha de Sam Raimi só viria dois anos depois, e os X-men, recém adaptados às telonas, ainda traziam um universo bastante caricato, com raios laser e uniformes quase ao estilo collant de lycra.
Shyamalan trouxe o herói discreto, com dramas pessoais, cheio de fraquezas e assolado por dúvidas. Um herói sem capa, plausível de existir em qualquer vizinhança. Em "Fragmentado", esse tipo de universo continua – em que pese uma cena ou outra mais exagerada. Então, não espere que qualquer dos personagens ostente raios laser, naves espaciais e uniformes no próximo filme. Provavelmente isso não ocorrerá. Esqueça o que você conhece dos universos Marvel e DC.
Ainda que sui generis, entretanto, o roteiro de filmes de herói sempre traz determinadas características centrais – e isso desde os primórdios da arte de contar estórias, como o pesquisador Joseph Campbell expõe em sua obra "O Herói de Mil Faces". Há uma certa "receita", a qual convencionou-se chamar de "A jornada do herói", que é uma espécie de manual para roteiristas mais apressados, mas que acaba sendo consultado também pelos mais ousados e experimentalistas. Shyamalan, desse último time, declarou que tem estado otimista, e chegou a ficar com medo quando escrevia uma das lutas entre Dunn e Crumb (opa! Mais uma dica aí!). De qualquer forma, dá para fazer algumas previsões. Vamos ver:
Dunn dificilmente assumirá de cara o seu papel de super-herói. Provavelmente só aceitará alguma responsabilidade quando The Horde começar a bagunçar a cidade. E aí, certamente vão rolar algumas brigas épicas.
Mr. Glass, por sua vez, deverá usar de alguma artimanha para ter a confiança de The Horde, e após ensinar alguns truques a ele, ambos deverão ir no encalço de Dunn (lembra que foi David quem meteu Price na prisão, para começo de conversa?). Casey então surgirá como uma aprendiz e parceira de Dunn, já que é imune a Crumb.
Dito isso, duas coisas muito provavelmente ocorrerão: Price tentará conquistar a confiança de Casey, convertendo-a para o "lado negro da Força" e Dunn, por sua vez, a recrutará e ensinará algumas manhas da carreira de herói. Os times ficam divididos em dois a dois. Batalhas épicas pipocarão para todos os lados da Filadélfia.
Por fim, considerando a idade de Bruce Willys, a receptividade do público e o potencial da estória, é bem provável que exista uma brecha para futuros capítulos. Nesse caso, só resta ao personagem de Willys morrer, deixando com Casey, sua sucessora, o papel de defensora da humanidade. Crumb dificilmente sobrevive. No máximo, será curado. E Price, sendo a megamente por trás de tudo, tem uma chance de escapar para bolar mais planos infalíveis para o futuro.
São apenas previsões. Muita coisa ainda deve rolar na pré-produção de "Glass" (que deve estrear só em 2019). Uma coisa é certa: nunca dá para prever 100% do que sairá da mente brilhante e fragmentada que criou todo esse universo. De agora para frente, olho sempre no Twitter do Shyamalan.

Atta Troll é o paralelo e a caricatura de um nobre banido, subjugado às performances do mais grosseiro entretenimento como forma de vida
[caption id="attachment_92673" align="alignleft" width="303"] Retrato de Heinrich Heine (1797-1856), por Moritz Daniel Oppenheim (1800-1882) [/caption]
Fabrício Tavares de Moraes
Especial para o Jornal Opção
Se considerarmos que Paul Valéry estava correto ao afirmar que “um poema ruim é aquele que se desfaz em sentido”, talvez possamos ser tentados a unirmo-nos ao coro do lugar-comum que sentencia o poeta como o nefelibata par excellence. Todavia, mediante uma perspectiva mais profunda sobre a filosofia da composição subjacente à frase do poeta e crítico francês, vemo-nos compelidos a corroborar, consigo, que “o trabalho de um poeta consiste menos em buscar palavras para suas ideias do que em buscar ideias para suas palavras e ritmos predominantes”.
E talvez com essa afirmação, tomando como moto a famosa frase de Mallarmé a seu amigo Degas – hoje constante em todos almanaques rasteiros de literatura – de que poesia não se faz com ideias mas com palavras, possamos nos lançar mais uma vez ao círculo vicioso, para não dizer espiral do silêncio, da antiga e falsa dicotomia entre a poesia engajada e a poesia nefelibata.
Em Atta Troll, o poeta alemão Heinrich Heine, mais do que um primoroso poema com ursos dançarinos e revolucionários, espíritos amaldiçoados de todas as épocas numa caçada noturna, e bruxas com seus filhos cadáveres, constrói uma defesa da autonomia da poesia, defesa esta que jamais, caindo em autocontradição, se expressa como simples ardor apologético.
Logo no princípio do poema, Heine nos apresenta o urso Atta Troll, que, juntamente com sua consorte Mumma, dança e realiza suas performances para o público humano, num contraste de sua posição aristocrática natural (tomada aqui em toda a amplitude do termo) e o trabalho servil e cômico ao qual é agora coagido:
Perante a população ei-lo que dança!
Ele, ele que outrora tão soberbo
Como rei das florestas habitava
Tão livremente o píncaro dos montes!
E é para ganhar alguns escudos
Que ele tanto se esforça e se afadiga!
Ele, ele que há pouco, em meio às selvas,
Na majestade de um robusto ânimo
Se julgava senhor do mundo inteiro!
Todavia, revoltado contra esse tratamento ignominioso que lhe é dispensado, Atta Troll certo dia rompe as cadeias e foge para as florestas, onde, com fervor político, discursa, perante seus filhos, contra a injustiça do mundo dos homens:
Morte e condenação! Ah! Esses homens,
Esses malditos arqui-aristocratas,
Contemplam com desdém os outros entes
Com a insolência de um senhor despótico!
(…)
Os direitos do homem! Quem, dizei-me,
Quem vo-los outorgou? A natureza?
Oh! Tão desnaturada não é ela!
Os direitos do homem! Quem, dizei-me,
Quem esses privilégios concedeu-vos?
A razão? Ela ainda é razoável!
Dum ponto de vista panorâmico, o poema de Heine aborda a tensão entre duas perspectivas então vigentes e antitéticas sobre a natureza. De um lado, os ideais da Revolução Francesa, que tomavam a natureza inculta, o direito natural, como sua fonte e ponte de partida. Daí Atta Troll, com seu discurso igualitário, exigindo a abolição imediata do domínio humano sobre os demais entes do reino natural. Grande parte da ironia do poema repousa nas consequências e eventuais absurdidades desse hipotético colapso das hierarquias naturais.
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“Atta Troll e outras canções”, de Heinrich Heine (Anticítera, 2017, 217 páginas, tradução de Pedro Antônio Gomes Júnior)[/caption]
De outro lado, porém, Heine, refletindo as visões, ou mais exatamente as reações, de Goethe [1] para com essa natureza virgem, descreve um esplendoroso quadro (uma das passagens mais belas do poema) de uma caçada noturna na qual espíritos malditos, hereges e párias, incluindo o próprio Goethe, percorrem os bosques sombrios como forma de castigo eterno. E isto ainda mais estranhamente se dá quando o caçador se encontra na casa de Uraka, a bruxa e mãe de Láscaro, seu companheiro de caçada e cadáver redivivo por meio das poções e unguentos mágicos preparados e administrados por sua genitora. De certo modo herdeira da goetheana Noite de Valpurgis, essa atmosfera será retomada em seu “poema-dança” (Tanzpoem) “Doutor Fausto”, publicado em 1846, alguns anos após a primeira edição de Atta Troll.
Uma dessas figuras condenadas é justamente Herodíades, tão bela ao ponto de o caçador – o eu-lírico na passagem em questão – ponderar a danação de sua alma em troca da companhia eterna da dançarina. Curiosamente, além de fundir Herodíades e Salomé [2] numa única figura sedutora, Heine, talvez sinalizando tacitamente para suas origens judaicas, descreve que as tradições afirmavam, ao contrário ou complementarmente às Escrituras, que João Batista era objeto não da aversão, mas do amor da esposa de Herodes:
Ama-me, e vem a mim, bela Herodíades!
Ama-me e vem a mim! Ao longe atira
O prato ensanguentado e a cabeça
Do santo que não soube apreciar-te.
Eu sou o cavalheiro que procuras!
Para mim é de certo indiferente
Que estejas morta e mesmo condenada;
Sobre isso não tenho preconceitos;
Eu, cuja salvação é problemática;
Eu, que mesmo duvido por momentos
De minha própria vida.
Junto de ti cavalgarei à noite
Entre a chusma infernal dos caçadores;
E nós riremos!
Outro ponto digno de nota é a referência, que acaba se tornando refrão ao longo da obra, ao poema “O Rei Negro” (“Der Mohrenfürst” – a tradução literal do título em alemão seria algo como o Príncipe ou Rei Mouro.), de Ferdinand Freiligrath, citado na epígrafe do prefácio de Heine, no qual um guerreiro mouro, que tocava tambores adornados com caveiras humanas, cercado de realeza e poder, é levado cativo por conquistadores e posteriormente, vivendo entre saltimbancos, é obrigado a encantar plateias com seus dons musicais como forma de subsistência.
Valendo-se desse mote, Heine satiriza não o poema ou seu autor, a quem, na verdade, admirava, mas sim a submissão da poesia à égide ética ou política, em especial o nacionalismo e militarismo que então grassavam em sua Alemanha. Assim, Atta Troll é o paralelo e a caricatura de um nobre banido, subjugado às performances do mais grosseiro entretenimento como forma de vida.
Talvez com isto Heine esteja advogando que a poesia, caso cativa de uma ideologia ou partido, torna-se sempre, num falhanço irredimível, objeto de troça de seus oponentes. Ou dito de outro, o patético (tomado aqui no sentido de pathos), ainda que imbuído dos fins mais morais e louváveis, distorce o propósito e natureza do poema. É o que o poeta afirma, de modo memorável, em seu prefácio:
Há espelhos, cujo vidro está cortado em facetas tão oblíquas que o próprio Apolo neles representado não seria mais do que uma caricatura: rimo-nos então da caricatura, e não do deus.
Atta Troll é o testemunho de um poeta que, embora ligado a movimentos ideológicos de seu tempo [3] (não esqueçamos sua amizade para com Engels e Marx e seus poemas influenciados pela ideia de ambos, como “Os Tecelões de Silésia”), jamais sacrificou a poesia ao altar dos partidos, conforme seu próprio testemunho e compromisso, preferindo, como no caso do poema em questão, antes a sátira do que a deformação moralista.
Por fim, pode-se dizer que Heine foge, resoluto, ao dilema inicialmente apresentado neste ensaio mediante a simples retomada da verdade contida nos clássicos versos de Catulo. Pois, afinal, “a um poeta pio convém ser casto/ele mesmo, aos seus versos, porém, não há lei”.
Obs.: Artigo publicado originalmente na Revista Amálgama.
Fabrício Tavares de Moraes estuda Literatura na Queen Mary University of London.
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NOTAS:
[1] Goethe notoriamente se opunha à visão um tanto dessacralizada da natureza inculta propugnada pelos revolucionários. Com o decorrer da Revolução, tornar-se-á claro o endeusamento literal da Razão (com efeito, instaurou-se o culto à Razão na Catedral de Notre-Damme por um período) e uma visão tecnicista e quantitativa sobre a natureza, algo que repugnava ao espírito de homens como Goethe e Lessing. A influência da personalidade e ideias do autor de Fausto é visível na vida de Heinrich Heine, que, anos antes, enviara seu primeiro livro de poemas a Goethe, na expectativa de sua aprovação.
[2] De acordo com alguns críticos, essa passagem do poema que celebra a volúpia de Herodíades-Salomé exerceu crucial influência sobre os mais diversos escritores europeus, que, de um modo ou outro, retomaram o tema: Oscar Wilde, Charles Baudelaire, Flaubert e Mallarmé.
[3] Conforme consta em todos manuais didáticos de literatura, Heine exerceu influência até mesmo sobre a poesia condoreira de Castro Alves, com seu poema Das Sklavenschiff [O navio de escravos].

“Vitória” tem início com o drama de uma gravidez indesejada e, aos poucos, compõe o retrato de uma geração
[caption id="attachment_92624" align="alignleft" width="261"] Giovanni Arceno | Foto: Divulgação[/caption]
Sérgio Tavares
Especial para o Jornal Opção
Danilo é um sujeito de 21 anos, com uma vida medíocre. Saiu da casa dos pais, no interior, para se acomodar num emprego desinteressante, cujo rendimento é o suficiente para comprar comida e pagar o aluguel de um apartamento tão pequeno que mal cabem ele e os móveis.
Xeretando o Facebook alheio, conhece Vitória. De uma mensagem aqui e outra ali, rola uma afinidade e eles combinam um encontro. Ela mora numa cidade distante, de modo que o relacionamento se concentra nos finais de semana, contudo são momentos de total intimidade. “Ficávamos à vontade na presença do outro de uma maneira surpreendente e até mesmo ridícula, pois não existiam filtros e o que vinha à tona era aquele tipo de conversa que geralmente censuramos em público”, observa.
Ocorre que, por um motivo a princípio insondável, a coisa esfria e o caso chega ao fim. Durou apenas três meses, e não mais se falaram. Até o instante em que se inicia o romance de estreia do catarinense Giovanni Arceno. Logo na primeira frase, Vitória, que empresta nome ao livro, telefona para Danilo e dispara: estou grávida.
Essa é a chave do enredo, mas não o que dá substância à trama. Estruturada a partir de dois arcos distintos que se confluem nas últimas páginas, a história ganha corpo através do olhar vacilante e ao mesmo tempo acuado de Danilo em relação ao mundo e a todos que o cercam, em relação ao fim do seu namoro.
Vitória não quer a gravidez, está decidida em abortar. “Eu não me importo que coisas inesperadas aconteçam na minha vida, mas existe uma fronteira que algo novo não deve ultrapassar, porque a vida precisa de um mínimo de planejamento. Nem toda mudança é boa. Às vezes é uma tragédia”, considera. Danilo contra-argumenta, porém ao ser questionado se está pronto para ter um filho, responde: “Não sei ainda. Não sei de nada”.
Não é difícil sacar qual escolha prevalece. As consequências, no entanto, perduram-se na vida de somente um deles.
[caption id="attachment_92626" align="alignleft" width="248"]
Livro: "Vitória" | Editora: Oito e Meio | páginas: 98 | Preço: R$ 38[/caption]
O tempo avança e, agora, Danilo namora Marcela, uma jovem abastada, negligenciada pelos pais, que sofre de uma doença que a impede de se expor ao sol. Por isso, apesar de viver numa casa em frente à praia, só frequenta o litoral à noite. Danilo não se chateia, sujeita-se ao que for. “(Marcela) insistia que eu fosse sozinho, aproveitasse pra tomar um banho e pegar um bronzeado, mas eu sinceramente não me importava”, declara.
Sem amigos (“apesar de ter trabalhado tanto tempo no mesmo lugar, não fiz um amigo sequer”), flana entre os dias, tocado apenas pela solução do aborto e pelo que aconteceu com Vitória, feito a ideia de um fantasma insepulto que o torna também um.
Fantasia como seria o filho com um ano de idade, rememora sua infância numa tentativa de criar um laço com essa não-existência. Uma atitude mais consistente, todavia, não faz parte de sua natureza. Então uma oportunidade inesperada, envolvendo uma criança, o faz tomar uma decisão das mais bizarras.
Arceno constrói um romance de formação de maneira improvável. Um exame de personagens que, à medida que amadurecem, tornam-se incompletos, menos comprometidos com a intenção de um futuro. Vitória nunca esteve de fato com Danilo, pois seu amor juvenil foi um ex-namorado que morreu num acidente de carro, e a maternidade a deslocaria dessa condição. Danilo imagina que ser pai o manteria num estado em que viveria ao lado de Vitória, num tipo ilógico de reparação por tê-la engravidado. Ainda que de forma inconsciente, querem ser eternamente filhos, aqueles sobre os quais não cabem deveres, resoluções, o mundo de frente.
“Vitória” é um retrato de uma geração que teme derrotas e portanto não tenta, assumindo assim uma posição de defesa contra o próprio destino. Um livro dotado de uma linguagem despretensiosa, intuitiva, que se enquadra perfeitamente em seu tempo.
Trecho do livro
"Entardecia e as pessoas começaram a ir embora. Essa era a hora que normalmente eu e Marcela cogitávamos ir à praia. Naquele dia talvez não fosse assim, já tava me convencendo que teria que dormir no sofá e aguentar Marcela arisca pelos próximos dias – ou, não me surpreenderia, até o fim das férias.
O guarda-vidas tinha ido embora, então resolvi subir na sua cabine pelas escadas. Entrei na salinha e me deparei com uma vista privilegiada, inspiradora o suficiente pra despertar no maior filho da puta de todos a vontade de salvar alguém. A profissão com o nome mais bonito do mundo: guarda-vidas".
Sérgio Tavares é jornalista e escritor.

Ella Fitzgerald é lembrada como “primeira dama do Jazz”... um apelido bastante pomposo e merecido, mas que pode enganar os mais apressados e restringi-la a uma redoma conservadora, assaz restrita, uma ideia pronta e, portanto, limitada
[caption id="attachment_92566" align="aligncenter" width="620"] Ella Fitzgerald (1917-1996)[/caption]
Vitor Hugo Goiabinha
Especial para o Jornal Opção
Antes que o Google homenageie Ella Fitzgerald com um doodle em sua tela inicial, lembrando o seu centenário no próximo 25 de abril, gostaria de compartilhar com vocês leitores a delícia que é falar de e, recomendo, ouvir a sua voz (o que estou fazendo enquanto escrevo essas linhas).
A voz suave, sólida e versátil (com uma extensão vocal que alcançava impressionantes três oitavas) de Ella a tornou uma dessas figuras presentes no imaginário do público de Jazz não apenas pela sua reconhecida competência técnica e por seu carisma, mas por ter composto uma carreira integrada à própria trajetória do Jazz, incorporando elementos inerentes à inovação jazzística mas sem abandonar o estilo robusto e preciso de interpretação. Seu caminho confunde-se com a do estilo que ajudou a construir. Conhecer Jazz no século XX é, em parte, conhecer Ella Fitzgerald. Não é à toa que os centenários de ambos praticamente coincidem.
O início de sua carreira, ainda adolescente, na fase swing do Jazz, nas ruas do Harlem, em Nova York, lhe garantiu entradas nas big-bands da região e o contato com as referências musicais da época: Louis Armstrong e Billie Holliday. Sua carreira ganhou ascensão com sua entrada na big-band de Dizzy Gillespie, na década de 1940, e com a adesão ao estilo be-bop. Com a carreira em crescimento, aliou-se à gravadora Verve Records e ao produtor Norman Granz, com quem desenvolveu grandes parcerias musicais e sucesso comercial ao lado de Duke Ellington, Nat King Cole, Frank Sinatra. Apaixona-se pela mistura brasileira entre samba e o cool-Jazz. A bossa-nova e Tom Jobim entrariam em seu repertório para não mais sair.
Ella Fitzgerald era mestra tanto em interpretações intimistas quanto nas mais extrovertidas, fazendo do scat – a imitação de instrumentos com a voz – uma das suas marcas. Bem antes de Camille Bertrault se tornar um fenômeno da internet usando divertidamente essa técnica, a adoção do improviso vocal característico mostra não apenas agilidade e versatilidade, mas sobretudo a descontração (contrastante com a imagem da elegância e sobriedade que foi construída em torno da musa) e a capacidade de um ouvido absoluto, capaz de “conversar” com os outros instrumentos ao nível do improviso. Característica também das performances do “Acrobata do Scat”, Al Jarreau. Recomendo ouvir “Blue Skies” e as performances ao vivo, em que ela de fato se soltava pelas ondas harmônicas, improvisando e “brincando” com sua voz.
Ouvir os diversos discos ao longo da carreira de Ella pode dar a sensação de estar escutando cantoras diferentes a cada nova etapa. Miles Davis foi chamado de “o Picasso do Jazz” por sua capacidade de reinventar-se. Ella Fitzgerald, apesar da versatilidade nata, é lembrada como “primeira dama do Jazz”... um apelido bastante pomposo e merecido, mas que pode enganar os mais apressados e restringi-la a uma redoma conservadora, assaz restrita, uma ideia pronta e, portanto, limitada. O apelido de “primeira dama do Jazz”, pelo qual Ella é (re)conhecida, refere-se a essa magnitude que sua figura ganhou ao longo do tempo. Mas toda denominação é também uma restrição. Ouvir Ella Fitzgerald em sua amplitude comprova a fragilidade dessas restrições que mais criam selos comerciais do que auxiliam a compreender a artista em sua dimensão.
Ella e o Brasil
A paixão pela Bossa-Nova rendeu a Ella várias gravações de canções de Tom Jobim, João Gilberto, João Donato e, já na década de 1970, de Ivan Lins. Os altos-e-baixos constantes da melodia vocal do estilo auxiliam, sem dúvida, cantoras e cantores que têm competência para interpretar e brincar com o gingado da Bossa-Nova. Talvez por isso Ella mostrava tanta familiaridade e descontração ao cantar ou a fazer seus scats com as melodias brasileiras. Gravou diversas Bossas durante a carreira, mas deixou apenas para o final desta, em 1981, um disco inteiro com músicas de Tom Jobim.
Teve duas passagens pelo Brasil, em 1960 e em 1971, nas quais deixou além de sua marca com interpretações de “Samba de Uma Nota Só”, “Wave” e várias outras, a saudade no público que, lotando todas as apresentações, teve a oportunidade de presenciar uma das cantoras do século.
Obrigado Ella.
Vitor Hugo Goiabinha é doutor em história pela Universidade Federal de Goiás (UFG), professor de história na Universidade Estadual de Goiás (UEG), no Colégio Sagrado Coração de Jesus – Pires do Rio, e na Faculdade Brasil Central-Goiânia. E-mail: [email protected]
https://www.youtube.com/watch?v=PbL9vr4Q2LU