Com “A História de André da Conceição”, Heitor Rosa mostra todo o seu vigor imaginativo no campo da ficção histórica

Heitor Rosa é um exímio prosador da ficção histórica | Foto: Divulgação

Hélio Moreira
Especial para o Jornal Opção

Heitor Rosa nasceu em Urutaí (GO) e formou-se pela Facul­dade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG), em 1966. Foi pro­fessor da Facul­dade de Me­dicina desta mesma instituição até a sua aposentadoria, ao ser alcançado pela compulsória. Neste ínterim, foi Di­retor da referida faculdade, chefe do Serviço de Gastro­en­terologia, chefe do De­parta­mento de Clínica Médica, além de ter sido Presidente da So­ciedade Bra­sileira de Gastroen­terologia e da Sociedade Bra­si­leira de Hepa­tologia. Na área cultural, Heitor é profundo co­nhecedor de música, principalmente da clássica, e é membro da Aca­de­mia Goiana de Medi­ci­na (AGM) e do Insti­tuto Histó­rico e Geográfico de Goiás (IHGG).

Antes da publicação deste livro, “A História de André da Conceição: O Misterioso Pintor de São Francisco de Paula” (Cânone Editorial, 2017, 172 páginas), Heitor já havia publicado alguns outros: “Historia aguda e crônica do apêndice ao avião”, “Ossos do Coronel Azambuja”, “O Enigma da 5ª Sin­fonia” e “Historias da Creusa”. Daí para frente, Heitor “descobriu” um novo filão na literatura: o romance de ficção histórica. Embora seja um gênero que exige muito trabalho, é capaz, como acontece com os livros do Heitor, de prender a atenção do leitor da primeira a ultima página, como é caso de “Julgamento em Notre Da­me” (2010), e “Memórias de um Cirurgião Barbeiro” (2012). Es­tes dois livros, com versões para os idiomas inglês e francês, tiveram grande repercussão no meio intelectual, levando o escritor e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), Moacyr Scliar, falecido recentemente, a vaticinar: “A sua narrativa levou-nos a um capítulo verdadeiramente extraordinário da medicina e da humanidade. Aprendemos portanto, e aprendemos com emoções e prazer”.

Acho, pela leitura que fiz deste seu novo livro, que o Heitor Rosa se tornará, definitivamente, co­nhecido além das fronteiras do nosso estado. O livro é um ro­man­ce de ficção histórica (filão que o autor já conhece bem) e con­ta a impressionante aventura do pintor André da Conceição que viveu uma parte da sua vida na cidade de Goiás, antiga Vila Boa.

Observador astuto, em certa oportunidade, Heitor estava visitando a Igreja de São Francisco de Paula, na cidade de Goiás, quando foi despertado pela curiosidade pela qual só alguns escritores conseguem ser atingidos. O teto daquela igreja possui uma pintura, embora um pouco esmaecida pelo tempo, inacreditavelmente bonita. Heitor procurou informações a respeito do autor daquela obra de arte e verificou que poucas pessoas sabiam sequer o seu nome, apenas afirmavam que a pintura era muito antiga, do período em que a cidade de Goiás ainda se chamava Vila Boa. O artista deixou gravado, em letras estilizadas, na extremidade superior da pintura, as iniciais “AADC”, André Antonio da Conceição.

Dali em diante, como acontece com quem escreve ficção, Heitor passou a “escrever” a história daquela pintura e “viajou” com a imaginação na companhia de pitadas de realidade. A primeira coisa a fazer era arranjar um nome para o pintor e como acontecia com muita frequência naquela época (inicio do século 19), existia alguma promiscuidade entre alguns padres e mulheres escravas, na região onde André nasceu (Vila Rica, MG). Especulando saber de quem André seria filho, Heitor começa a mostrar sua verve de humorista sutil (deve ter aprendido com os ingleses, quando entre eles morou na década de 1970). O dia do nascimento estava registrado nos documentos da Igreja (fevereiro de 1831), onde estava definido também que aquele menino tinha como mãe D. Joaquina Mulata.

O padre que fez o registro do menino – aí começa a aparecer o possível pai daquela criança – Frei Oliveira, nome fictício, fez questão de que o seu filho (seria mesmo seu filho?) tivesse nome e sobrenome, e registrou-o com o pomposo título de André Antonio da Conceição – homenagem a Santo Antonio e a Nossa Senhora da Conceição. A dúvida com respeito se Frei Oliveira seria mesmo o pai da criança surgiu pela primeira vez quando o fazendeiro coronel Lino indagou-o se ele não achava esquisito que aquele menino mulatinho tivesse “olhos azuis.” Incontinente o Frei respondeu: “Foi nossa senhora quem tingiu seus olhinhos com a cor do seu manto, que é azul, como o senhor bem sabe!” A começar por esta introdução o leitor não conseguirá parar de ler o livro.

André foi para um seminário na cidade de Mariana (MG) e ali permaneceu até os 21 anos de idade, onde aprendeu a desenhar, às escondidas das autoridades eclesiásticas, até que um dia um Frei de nome Américo (aliás, é preciso que se diga que este Frei, segundo o enredo do livro, tinha uma personalidade um pouco de sibarita) descobriu o que André escondia. Ao invés de estudar os livros sagrados, ficava desenhando na sacristia. O Frei, pressentindo o seu talento, resolveu ajudá-lo.

André saiu do seminário e voltou para Vila Rica onde começou, realmente, sua vida de pintor e, naquela cidade (hoje Ouro Preto), André se envolveu em uma confusão com outro Coronel que obrigou-o a fugir para a cidade de Goiás.

Naquela época, havia mais de dez paróquias na cidade de Goiás, cada uma delas com designações que definiam as camadas da população que as freqüentavam. A Igreja Matriz era exclusiva dos brancos, e os negros se concentravam em várias irmandades independentes da Diocese, porém, sempre em litígio com o clero, dentre elas a irmandade do Rosário, da Boa morte, do Senhor Bom Jesus dos Passos. Esta última funcionava na Igreja Matriz e a irmandade que a compunha, cujo zelador era o professor e maçom Belizário, resolveu que deveriam sair das dependências da Matriz e escolheram a igreja de São Francisco de Paula para exercerem suas atividades.

Um dia, professor Belizário se encontrou com André e, na conversa que os dois tiveram, descobriu-se que ele, André, era pintor; entre o conhecimento e o convite para pintar o teto da igreja para onde estavam mudando, foi um passo. É preciso que se informe que este professor Belizário compunha um grupo de maçons que vieram para a cidade de Goiás, fugindo de Cuiabá, por perseguição daquela comunidade, fundando ali a Loja Maçônica Asilo da Razão, hoje a mais antiga do estado de Goiás.

No acerto do pagamento a ser feito a André pelos maçons da citada Loja, havia uma recomendação: “Que se pintasse, também, de modo discreto, um dos símbolos da maçonaria – o triângulo.” Hoje, os iniciados na Arte Real conseguem ver no teto da Igreja, de maneira estilizada, os três pontinhos dos maçons, ocupando os ângulos de um triângulo e que os fiéis da igreja concebem que é a representação da Santíssima Trindade.
A imaginação fértil do Dr. Heitor é inacreditável, pois não há de ver que André “conseguiu” uma confusão com outro Coronel, homem truculento, que não aceitava “não” como resposta, e queria que ele pintasse a igreja a que comandava antes de qualquer trabalho, e…

…Não vou contar mais nada, pois, se o fizer, o meu amigo Heitor ficará no prejuízo na venda dos livros, deixo por conta dos leitores acompanharem a trama que o autor armou para conseguir que André mantivesse a palavra que havia dado ao maçom Belizário. O que posso dizer, para terminar esta resenha, é que este livro tem uma trama muito bem urdida e obrigou o autor a fazer muita pesquisa a respeito dos costumes da cidade de Goiás no século 19, de religião, de pintura, das condições de viagens naquela época e muitas coisas mais que prefiro deixar que os leitores descubram.

Hélio Moreira é médico e escritor, membro da Academia Goiana de Letras (AGL).

Foto: Divulgação

 

 

 

 

 

“A História de André da Conceição: O Misterioso Pintor de São Francisco de Paula”
Autor:
Heitor Rosa
172 páginas
Ano: 2017
Editora: Cânone Editorial