Romance aborda a vida de um suposto artista plástico que teria vivido em Vila Boa

29 abril 2017 às 10h11

COMPARTILHAR
Com “A História de André da Conceição”, Heitor Rosa mostra todo o seu vigor imaginativo no campo da ficção histórica

Hélio Moreira
Especial para o Jornal Opção
Heitor Rosa nasceu em Urutaí (GO) e formou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG), em 1966. Foi professor da Faculdade de Medicina desta mesma instituição até a sua aposentadoria, ao ser alcançado pela compulsória. Neste ínterim, foi Diretor da referida faculdade, chefe do Serviço de Gastroenterologia, chefe do Departamento de Clínica Médica, além de ter sido Presidente da Sociedade Brasileira de Gastroenterologia e da Sociedade Brasileira de Hepatologia. Na área cultural, Heitor é profundo conhecedor de música, principalmente da clássica, e é membro da Academia Goiana de Medicina (AGM) e do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG).
Antes da publicação deste livro, “A História de André da Conceição: O Misterioso Pintor de São Francisco de Paula” (Cânone Editorial, 2017, 172 páginas), Heitor já havia publicado alguns outros: “Historia aguda e crônica do apêndice ao avião”, “Ossos do Coronel Azambuja”, “O Enigma da 5ª Sinfonia” e “Historias da Creusa”. Daí para frente, Heitor “descobriu” um novo filão na literatura: o romance de ficção histórica. Embora seja um gênero que exige muito trabalho, é capaz, como acontece com os livros do Heitor, de prender a atenção do leitor da primeira a ultima página, como é caso de “Julgamento em Notre Dame” (2010), e “Memórias de um Cirurgião Barbeiro” (2012). Estes dois livros, com versões para os idiomas inglês e francês, tiveram grande repercussão no meio intelectual, levando o escritor e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), Moacyr Scliar, falecido recentemente, a vaticinar: “A sua narrativa levou-nos a um capítulo verdadeiramente extraordinário da medicina e da humanidade. Aprendemos portanto, e aprendemos com emoções e prazer”.
Acho, pela leitura que fiz deste seu novo livro, que o Heitor Rosa se tornará, definitivamente, conhecido além das fronteiras do nosso estado. O livro é um romance de ficção histórica (filão que o autor já conhece bem) e conta a impressionante aventura do pintor André da Conceição que viveu uma parte da sua vida na cidade de Goiás, antiga Vila Boa.
Observador astuto, em certa oportunidade, Heitor estava visitando a Igreja de São Francisco de Paula, na cidade de Goiás, quando foi despertado pela curiosidade pela qual só alguns escritores conseguem ser atingidos. O teto daquela igreja possui uma pintura, embora um pouco esmaecida pelo tempo, inacreditavelmente bonita. Heitor procurou informações a respeito do autor daquela obra de arte e verificou que poucas pessoas sabiam sequer o seu nome, apenas afirmavam que a pintura era muito antiga, do período em que a cidade de Goiás ainda se chamava Vila Boa. O artista deixou gravado, em letras estilizadas, na extremidade superior da pintura, as iniciais “AADC”, André Antonio da Conceição.
Dali em diante, como acontece com quem escreve ficção, Heitor passou a “escrever” a história daquela pintura e “viajou” com a imaginação na companhia de pitadas de realidade. A primeira coisa a fazer era arranjar um nome para o pintor e como acontecia com muita frequência naquela época (inicio do século 19), existia alguma promiscuidade entre alguns padres e mulheres escravas, na região onde André nasceu (Vila Rica, MG). Especulando saber de quem André seria filho, Heitor começa a mostrar sua verve de humorista sutil (deve ter aprendido com os ingleses, quando entre eles morou na década de 1970). O dia do nascimento estava registrado nos documentos da Igreja (fevereiro de 1831), onde estava definido também que aquele menino tinha como mãe D. Joaquina Mulata.
O padre que fez o registro do menino – aí começa a aparecer o possível pai daquela criança – Frei Oliveira, nome fictício, fez questão de que o seu filho (seria mesmo seu filho?) tivesse nome e sobrenome, e registrou-o com o pomposo título de André Antonio da Conceição – homenagem a Santo Antonio e a Nossa Senhora da Conceição. A dúvida com respeito se Frei Oliveira seria mesmo o pai da criança surgiu pela primeira vez quando o fazendeiro coronel Lino indagou-o se ele não achava esquisito que aquele menino mulatinho tivesse “olhos azuis.” Incontinente o Frei respondeu: “Foi nossa senhora quem tingiu seus olhinhos com a cor do seu manto, que é azul, como o senhor bem sabe!” A começar por esta introdução o leitor não conseguirá parar de ler o livro.
André foi para um seminário na cidade de Mariana (MG) e ali permaneceu até os 21 anos de idade, onde aprendeu a desenhar, às escondidas das autoridades eclesiásticas, até que um dia um Frei de nome Américo (aliás, é preciso que se diga que este Frei, segundo o enredo do livro, tinha uma personalidade um pouco de sibarita) descobriu o que André escondia. Ao invés de estudar os livros sagrados, ficava desenhando na sacristia. O Frei, pressentindo o seu talento, resolveu ajudá-lo.
André saiu do seminário e voltou para Vila Rica onde começou, realmente, sua vida de pintor e, naquela cidade (hoje Ouro Preto), André se envolveu em uma confusão com outro Coronel que obrigou-o a fugir para a cidade de Goiás.
Naquela época, havia mais de dez paróquias na cidade de Goiás, cada uma delas com designações que definiam as camadas da população que as freqüentavam. A Igreja Matriz era exclusiva dos brancos, e os negros se concentravam em várias irmandades independentes da Diocese, porém, sempre em litígio com o clero, dentre elas a irmandade do Rosário, da Boa morte, do Senhor Bom Jesus dos Passos. Esta última funcionava na Igreja Matriz e a irmandade que a compunha, cujo zelador era o professor e maçom Belizário, resolveu que deveriam sair das dependências da Matriz e escolheram a igreja de São Francisco de Paula para exercerem suas atividades.
Um dia, professor Belizário se encontrou com André e, na conversa que os dois tiveram, descobriu-se que ele, André, era pintor; entre o conhecimento e o convite para pintar o teto da igreja para onde estavam mudando, foi um passo. É preciso que se informe que este professor Belizário compunha um grupo de maçons que vieram para a cidade de Goiás, fugindo de Cuiabá, por perseguição daquela comunidade, fundando ali a Loja Maçônica Asilo da Razão, hoje a mais antiga do estado de Goiás.
No acerto do pagamento a ser feito a André pelos maçons da citada Loja, havia uma recomendação: “Que se pintasse, também, de modo discreto, um dos símbolos da maçonaria – o triângulo.” Hoje, os iniciados na Arte Real conseguem ver no teto da Igreja, de maneira estilizada, os três pontinhos dos maçons, ocupando os ângulos de um triângulo e que os fiéis da igreja concebem que é a representação da Santíssima Trindade.
A imaginação fértil do Dr. Heitor é inacreditável, pois não há de ver que André “conseguiu” uma confusão com outro Coronel, homem truculento, que não aceitava “não” como resposta, e queria que ele pintasse a igreja a que comandava antes de qualquer trabalho, e…
…Não vou contar mais nada, pois, se o fizer, o meu amigo Heitor ficará no prejuízo na venda dos livros, deixo por conta dos leitores acompanharem a trama que o autor armou para conseguir que André mantivesse a palavra que havia dado ao maçom Belizário. O que posso dizer, para terminar esta resenha, é que este livro tem uma trama muito bem urdida e obrigou o autor a fazer muita pesquisa a respeito dos costumes da cidade de Goiás no século 19, de religião, de pintura, das condições de viagens naquela época e muitas coisas mais que prefiro deixar que os leitores descubram.
Hélio Moreira é médico e escritor, membro da Academia Goiana de Letras (AGL).

“A História de André da Conceição: O Misterioso Pintor de São Francisco de Paula”
Autor: Heitor Rosa
172 páginas
Ano: 2017
Editora: Cânone Editorial