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Documentário homenageia Júlio Vilela, pioneiro da diversidade em Goiás

Júlio Vilela foi fundamental para uma maior representatividade para a população LGBTQIA+ em Goiás, promovendo o protagonismo das drag queens em espetáculos reconhecidos pelo público e pela crítica

O mel adoça a ditadura que fere

Autor mineiro publica obra sobre um velho vendedor e um menino sem futuro que fazem história na década de 1970

‘Usufruto de demônios’, a lapidação da dor

por Hugo Almeida*, especial para o Jornal Opção

Nos anos 1970/80, o escritor Ricardo Ramos (1929-1992) era considerado nos meios literários o maior conhecedor do conto brasileiro contemporâneo. Como sempre houve, hoje existem vários grandes leitores de contos de autores nacionais. Entre os primeiros está Whisner Fraga (Ituiutaba-MG, 1971; vive em São Paulo), também um grande contista, a exemplo do filho de Graciliano Ramos (1892-1953). Desde que criou o canal Acontece nos Livros, no YouTube, há seis anos, Whisner já comentou cerca de 200 obras de ficção, a maioria contos de escritores brasileiros, principalmente publicados por pequenas editoras. Whisner acaba de lançar o seu 12º livro, Usufruto de demônios (Ofícios Terrestres Edições), volume de minicontros, alguns editados em vídeos no YouTube. Em 2020, ele havia lançado O que devíamos ter feito (Patuá), contos originais, poéticos e por vezes cruéis. Na nova coletânea, prevalecem o tom e o tema da dor, como da pandemia da Covid-19, mas agora ainda mais incisivos, em narrativas lapidadas, concisas. Atravessa os contos um sopro de revolta, por vezes recheada de candura.

“É um livro que insiste, que continua a insistir no dizer do colapso, persiste em manter em evidência aquilo que ainda não passou: seja a devastação biológica, sejam suas consequências econômicas, subjetivas e sociais”, escreve no posfácio o editor Gabriel Morais Medeiros. Mas não se trata de uma literatura panfletária, acrescenta, “e por isso, sempre sedutora”. De fato, são contos de palavras medidas, enxutas, cortantes, como as dez linhas de “a quina do equilíbrio”, talvez o melhor conto do volume. Um texto afiado de dor e doação extrema de pai a filho, fatias de desespero e amor.

Do mesmo nível, “nossa terra” (o sorriso, o “temor” e o “arrebatamento” de uma criança diante dos primeiros mistérios da vida). Há várias outras histórias dolorosas em que narrador, personagens e leitor enfrentam de mãos dadas medo, dor, susto, ansiedade, pânico, tudo desfrutado por demônios. Esse clima prevalece em quase todos os 70 textos do volume, a maioria com menos de uma página, muitos com poucas linhas, esmeradas linhas. Alguns das dezenas de textos maiúsculos do livro (curioso: o autor não use letras maiúsculas), sempre com títulos instigantes: “cuidado com o embrulho na calçada”, “a dor”, “surpresa”, “rodoviária”, “embuste”, “eclosão”, “profilaxia de muros”, “germinação”, “a decomposição do aço”, “todo sinal”, “a menina que ri”, “duelo”, “a guerra nas unhas do abismo”, “onde estará o pai?”, “dois profissionais não se amam”, “ela está no quarto”. Etc. etc.

De certa forma, e ressalvada a diferença entre os gêneros poesia e conto, vale para as narrativas de Usufruto de demônios o que Mário de Andrade (1893-1945) escreveu sobre o poeta Manuel Bandeira (1886-1968) no artigo “A raposa e o tostão”, de O empalhador de passarinho (Livraria Martins Editora, 2ª edição, 1955): “[...] um escritor culto, um esteta, que sabe o dinamismo de um ritmo, o segredo de adequação de uma forma ao seu conteúdo, o valor da expressão linguística exata, e o perigo de uma palavra em falso, capaz de sacrificar uma mensagem”. Whisner Fraga adota esse cuidado desde o título da coletânea.

O escritor detalha em vídeo no Acontece nos livros o sinuoso e consciente percurso da definição do título Usufruto de demônios. Didático, em linguagem simples, Whisner como que orienta novos autores e candidatos à carreira literária. Ao usar a preposição de, em vez de dos, ele parece ter preferido não destacar o sutil “segredo de adequação” citado por Mário de Andrade. O genérico “de” exclui o sentido digamos religioso de “demônios”, que nos contos não são os capetas do inferno além-túmulo ainda pregados por certas crenças, mas os transformam em símbolo, em metáfora de tudo e todos que infernizam a vida na Terra. Como esse novo volume de contos, de dor cristalizada, lapidada, Whisner Fraga segue em trajetória ascendente.

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Usufruto de demônios, de Whisner Fraga. Campinas-SP: 88 páginas, R$ 50,00, 2022. Site: oficiosterrestres.com.br E-mail: [email protected]

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*Hugo Almeida (1952), mineiro residente em São Paulo desde 1984, é autor de mais de dez livros de ficção, entre eles o romance Mil corações solitários, Prêmio Bienal Nestlé-1988, que teve três edições pela Scipione, o infantojuvenil Viagem à Lua de canoa (PNBE-2011), lançado pela Nankin em 2010, e os contos Certos casais (Laranja Original, 2021). Tem inédito o romance Vale das ameixas. Organizou as coletâneas de contos Nove, novena: variações (Olho d’Água, 2016) e Feliz aniversário, Clarice (Autêntica, 2020), selecionado pelo PNLD de 2021. Jornalista pela UFMG e doutor em Literatura Brasileira pela USP, Almeida organizou Osman Lins: o sopro na argila (Nankin, 2004), que reúne ensaios de dezoito osmanianos, como Modesto Carone e Sandra Nitrini.

Whisner Fraga é autor, entre outros livros, dos romances As espirais de outubro (Nankin, 2007) e O privilégio dos mortos (Patuá, 2019), dos contos Abismo poente (Ficções, 2009), Lúcifer e outros subprodutos do medo (Penalux, 2017), O que devíamos ter feito (Patuá, 2020). Participa das antologias Os cem menores contos brasileiros do século, (Ateliê Editorial, 2018), organização de Marcelino Freire, e Geração zero zero (Língua Geral, 2011), organizada por Nelson de Oliveira, que mapeou os melhores escritores brasileiros surgidos no início deste século. Whisner tem textos traduzidos para o inglês, alemão e árabe. Engenheiro mecânico com doutorado pela USP, é professor titular do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo.

‘Corpo & Alma’, de Frank Conroy, um romance sobre amor e música

O protagonista da obra, Claude Rawlings, é um menino prodígio no piano que escapou de uma vida de dificuldades devido ao seu grande talento musical

No Bicentenário da Independência, livro detalha como o Brasil deixou de ser colônia

Obra reúne artigos de pesquisadores renomados com reflexões críticas e analíticas sobre o processo de separação de Portugal

Posse de membro da Academia de Letras de Corumbá será no sábado, 13

Ana Fleury, Maria Gouveia, Ramir Curado, Jean Jardim e Maria Fleury são os idealizadores da Academia. Corumbaense de Letras, Artes e Música

Enfrentamento das novas inquietações do Sistema Capitalista

O autor é alguém que, embora processe sua fé no capitalismo, está ciente de que esse sistema necessita de um banho de ética para se manter vivo

Poesia a um país abandonado à própria sorte

por Adelto Gonçalves*, especial para o Jornal Opção

I

Para tentar traçar um quadro de um país abandonado à própria sorte, desde tempos imemoriais até este começo de século XXI, através da poesia, o crítico literário e ensaísta André Seffrin organizou Revolta e protesto na poesia brasileira (Editora Nova Fronteira, 2021), que reúne 142 poemas de 78 autores diversos, de Gregório de Matos Guerra (1636-1696) aos nossos dias. São poetas que procuram traduzir “as vozes de um povo que sempre buscou caminhos para se tornar menos refém dos perpétuos desgovernos em cujas engrenagens nos enredamos desde o mais remoto passado&rdqu o;, como se lê no texto de orelha.

Além de incluir poemas satíricos, de humor corrosivo, a antologia, como se observa naquele texto, abrange “poetas que procuram entender um Brasil real e não aquele, falso, vendido pela propaganda”, ou seja, traz “poemas de revolta e protesto, que, sem perder de vista a evasão e o riso, também emitem sinais de resistência”.

André Seffrin, crítico literário e ensaísta: obras que recuperaram o que há de melhor na poesia brasileira | Foto: Divulgação

No texto de apresentação, Seffrin deixa claro que estes poemas são dirigidos a “políticos corruptos, magistrados ineptos, agentes públicos relapsos, a burocracia e outras patacoadas provincianas que ainda e sempre nos assediam”. E observa que este é o Brasil real e não o Brasil da mentira, ou seja, o do ufanismo do hino nacional do poeta Osório Duque Estrada (1870-1927), “deitado eternamente em berço esplêndido”. Em outras palavras: “(...) o país que temos desenhado neste livro é o que nos assiste, o das práticas políticas suspeitas, dos mais malfadados governos”, acrescenta.

De fato, desde os primórdios da época colonial, a magistratura nunca teve boa fama, como se depreende da primeira estrofe do soneto “As cousas do mundo”, de Matos Guerra: Neste mundo é mais rico, o que mais rapa: / Quem mais limpo se faz, tem mais carepa: / Com sua língua ao nobre o vil decepa: / O velhaco maior sempre tem capa (...). Aqui a palavra carepa, que significa escória, película de óxido de ferro, é usada como figura de linguagem para sujeira. Ou seja, o poeta quer dizer que o mais rico é sempre aquele que explora a mão de obra alheia e enriquece. E conclui que o velhaco maior sempre tem capa, ou seja, seria o magistrado, aquele que sempre usava uma manta.

À guisa de explicação, deve-se dizer que os magistrados não eram malvistos apenas pela ralé. Pelo contrário. Há uma memória de dom Rodrigo de Sousa Coutinho (1755-1812), o primeiro conde de Linhares, à época ministro da Marinha e Ultramar, em que este acusa a magistratura na América portuguesa de ser, “além de numerosa, extremamente venal e dependente não só de governadores como de comerciantes e arrematantes de contratos”. Em outras palavras: seria rigorosa apenas quando julgava pretos, indígenas, miscigenados e brancos pobres.

Portanto, os poetas só refletiam o que seria um entendimento geral entre a população, o que já aparece nas Cartas Chilenas, de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), quando Critilo, seu alter ego, repreende Silverino (que seria o arrematante de contratos Joaquim Silvério dos Reis Montenegro, o delator da conspiração de 1789): A sábia lei do reino quer e manda / Que os nossos devedores não se prendam:/  Responde agora tu, por que motivo / Concede o grande chefe, que tu prendas / A quantos miseráveis te deverem? Por que, meu Silverino? Porque largas / Porque mandas presentes, mais dinheiro (... ).

Aliás, lembre-se que o vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa (1742-1809) sempre desconfiou de que Silvério fosse “a origem daqueles mesmos horrorosos projetos de que agora se faz denunciante”, como se lê no códice 891 do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, fls. 1v-2. Acostumado a corromper autoridades, o delator acumulara altas dívidas com o Erário Régio e, quando acossado, teria imaginado que só com a separação em relação ao Reino poderia se livrar delas. Como os conspiradores demoravam para colocar a rebelião nas ruas, teria pulado para o outro lado. Sempre em troca do perdão das dívidas.

II

No século XIX, à época da monarquia, tampouco esse estado de coisas ter-se-ia alterado, a valer-se dos versos da poetisa gaúcha Delfina Benigna da Cunha (1791-1857): Triste Brasil, até quando / Haveis d´estar iludido, / Até quando submetido / À vil ambição do mando? / Os ímpios te vão cavando / Abismos de dia, em dia. / Co´a másc´ra d´hipocricia? A seus fins buscam chegar; /E quem os quer escutar /Presta auxílio à tirania.

O que muda, porém, é que, no século XIX, a épica fica para trás e o tom majestoso e mesmo religioso que contava as façanhas de um herói no Estado feudal é substituído pelo Romantismo em que a principal personagem é o anti-herói, já que não há espaço para as concepções míticas. E a poesia deixa de se basear na ação externa para se basear na contemplação ou na especulação, como observa Massaud Moisés (1928-2018) em A criação literária: poesia (Cultrix, 2003, p. 240).

Um bom exemplo que se encontra nesta antologia é “O povo na cruz”, do paraibano Leandro Gomes de Barros (1865-1918), autor de mais de mil poemas publicados em folhetos versando sobre o cangaço, a vida no sertão, a pobreza e a seca e demais flagelos nacionais: Assim morre o brasileiro / Como bode exposto à chuva, / Tem por direito o imposto / E palmatória por luva, / Família só herda dele / Nome de órfão e viúva. / Morrendo um pobre diabo / Se acaso deixar dinheiro / Ainda deixando um filho / Este não é seu herdeiro / Só herda dele o juiz / O escrivão, o coveiro. (...) O rico matando o pobre, / Nem se recolhe à prisão, / Diz logo o advogado, / Matou com muita razão / Se passa um mês na cadeia, / Tem a gratificação.

III

Dos poetas contemporâneos, uma boa surpresa é o paraibano Orlando Tejo (1935-2018), cuja obra permanece desconhecida em grande parte, mas que guarda excelentes poemas de protesto contra o status quo que vem desde os tempos coloniais. Eis um trecho do poema que consta da antologia: Um país que crianças elimina, / Que não ouve o clamor dos esquecidos, / Onde nunca os humildes são ouvidos / E uma elite sem Deus é quem domina; / Que permite um estupro em cada esquina / E a certeza da dúvida infeliz; / Onde quem tem razão baixa a cerviz / E massacram-se o negro e a mulher, / Pode ser o país de quem quiser, / Mas não é, com certeza, o meu País (...).< /span>

Outro poema que lamenta a situação degradante a que o Brasil chegou nos últimos tempos é o “Soneto de um triste país”,  do baiano Ruy Espinheira Filho (1942), que alcança a perfeição como imagem do tempo que vivemos. Eis o trecho inicial: As mais belas canções, eis que as cantamos / em tempos de esperanças e alegrias, / eras de generosas fantasias... / E agora apenas nos envergonhamos / de um país que tão alto já sonhamos / e que hoje é como um poço de agonias, / transbordando dejetos de idiotias, / em que nós mesmos – nós! – o transformamos (...).  

De poetas mais jovens, que já exercitam o poema livre, sem rima e estrofação, há pelo menos três que se destacam, sem qualquer demérito aos demais que não são citados por falta de espaço. Do mineiro Ronaldo Cagiano (1961), leia-se o curto poema “Víbora”: Vibra / nessa hora / o chicote da verdade / embora / no suor dos que resistem / ainda é anêmica / a pólvora / que a(s)cenderá – o grito.

 Do também mineiro Iacyr Anderson Freitas (1963), o poema “A liberdade possível”: Não poderá ser livre / quem luta entre muralhas / e sofre ao defendê-las / de canhões e canalhas. / Nenhuma liberdade / foi feita para os guetos, / para os pobres de sempre, / mulatos, índios, pretos. / Logo, aqui se tem / o quilombo possível / (de quando a liberdade / teima em baixar de nível).

Ou ainda este “Speculum Patriae”, de Alexei Bueno (1963): Um povo feio, essencialmente feio, / Fora os meio imigrantes. Cada dia / Uma outra humilhação que se anuncia, / Um saque, um roubo, sem controle ou freio. / Uma hora de imbecis, de olho no alheio, / Cuja rapina é a única mestria, / Pretensamente os donos da alegria, / Da esperteza, da graça, e Deus no meio. / Um pátio dos milagres de devotos / De tudo, irracionais, analfabetos, / A orar, a praguejar, a cumprir votos, / À espera do que os salve, em meio a insetos, / A matar-se, a banhar-se nos esgotos / Das praias sem iguais, entre os dejetos.

Se alguma ausência se pode lamentar neste livro é a de Tomás Pinto Brandão (1664-1743) que, nascido no Porto, a exemplo de Tomás Antônio Gonzaga, pode ser também considerado brasileiro, pois à época éramos todos portugueses. Ainda jovem, Pinto Brandão conheceria em Lisboa o baiano Gregório de Matos Guerra, advogado desbocado que ficaria mais conhecido como “Boca do Inferno”, cuja amizade seria decisiva para o rumo desencontrado que tomaria sua vida. Juntos, seguiriam para a Bahia, onde Pinto Brandão assentaria praç a na guarnição local. Foi igualmente anticlerical e feroz crítico das mazelas de governos corruptos, como se pode constatar em Verdades Pobres de Tomás Pinto Brandão – edição crítica e estudo, de Jair Rattner (Beau Bassin, Mauritius: Novas Edições Acadêmicas/International Book Service, 2018).

IV

André Seffrin  nasceu em Júlio de Castilhos, Rio Grande do Sul, em 1965. Durante onze anos viveu no Paraná e em 1987 fixou residência no Rio de Janeiro. Ensaísta, organizador de dezenas de antologias e pesquisador independente, escreveu cerca de duas centenas de apresentações, prefácios e posfácios para edições de escritores brasileiros clássicos e contemporâneos. Autor de ensaios críticos e biográficos, alguns em edições de arte (Joaquim Tenreiro, Paulo Osorio Flores, Sérgio Rodrigues), foi também colaborador de jornais e revistas (Jornal do Brasil, Jornal da Tarde, O Globo, Manchete, Gazeta Mercantil, EntreLivros etc.) e coordenou coleções de literatura para diversas editoras.

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Revolta e protesto na poesia brasileira: 142 poemas sobre o Brasil, de André Seffrin (org.). Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 272 páginas, R$ 39,90, 2021. Site: www.novafronteira.com.br E-mail: [email protected]

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*Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012),  Direito e Justiça em terras d´el-rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os vira-latas da madrugada (José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O reino, a colônia e o poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. E-mail: [email protected]

Obra ‘Verdade Obscura’ mistura ciência e ficção para discutir o Raciocínio Crítico e Criativo

Ao aliar literatura e artigos científicos, autor C. S. Bolton amplia horizontes sobre dilemas comuns do cotidiano

Ficção fortalece discussão política e social entre os jovens

Sagas como "Subterrâneo" incluem no universo literário juvenil reflexões sobre os rumos da humanidade

Museu de Imagem e do Som de Goiás recebe videodocumentário sobre lambe-lambe durante 1ª ocupação cultural

O objetivo do evento é democratizar a arte fotográfica, ampliando o acesso aos bens culturais do museu na sua pluralidade, criando novos olhares e releituras, contribuindo para uma maior fruição entre o espaço museológico e a comunidade

O fazendeiro chinês e seu contraposto

Com a expansão da China, é antevisto que o fazendeiro chinês e seu contraposto entrem em conflito, certamente a produtividade como um dos campos de batalha

Breve passeio no insólito

Valéria V. Valle (especial para o Jornal Opção)

A estranheza é um luxo para poucos. O leitor da obra “Breve Segunda Vida de uma Ideia” fica estagnado entre a face do assombro e os ecos do sobrenatural abraçados ao crível da narrativa. O livro de Solemar Oliveira, seu “cemitério de palavras”, circula a roda enigmática do destino e impulsiona a leitura abismal de construções místicas, míticas e surreais.

Nessa breve única vida de leitor, saboreia-se a delícia desses contos que se realizam e nos deixam “Exilados” no rolar infinito da rocha de Sísifo, lendo os textos na sequência linear e, em seguida, de trás para frente, perseguindo essa pedra do sem parar. O início invertido, do final para o começo, em nada obstrui o que o leitor deseja ver: as entrelinhas do infiltrado, do estrábico e do inusitado.

Somos convidados desses contos inexplicáveis que se lançam em si mesmos e nos deixam no embaralhamento da busca de sentido real. Como sujeitos da leitura, projetamos nossas sensações e frustrações nesse universo, ao mesmo tempo familiar e desconhecido, na tentativa de remontar o encantamento textual. Ao ler a jornada dos “Viajantes”, esses loucos Marcianos, com a sua tripulação que os acompanha, sempre amantes contagiados pela idiotice, pela inércia e pelo imbecilismo desperta um alvo certo: o leitor e o escritor.

No processo de ler e reler os contos, observa-se uma viagem com personagens sutis, sombreados de mistério e caos. Continua-se essa conversa na disposição contrária ao sumário, destacando o personagem Hugo, distorcido e ensimesmado, que explora uma performance grotesca e colhe o vermelho insano; existe também o “Eu” cínico do escritor que se arrisca e enfrenta a “metralhadora crítica” dos medíocres; há ainda o Bonarda em sua cova patética, trôpego e deformado, na busca um resgate para a sua loucura.

Vários elementos são evocados para a organização da diégese, ora despertando as emoções, ora eclodindo assuntos inquietantes ou temáticas complexas. Essa sucessão de gêneros surpreendentes adentram uma diversidade de esferas bastante curiosas: São personificações de Raposas eloquentes de olhos profundamente  azuis e ardilosos que lutam na trilha do deserto do viver; um extraordinário tumor gêmeo inominado mergulhado na leitura e no silêncio; há também um bloco de poemas ainda “órfãos” que exige um leitor melhor para um escritor ruim e literariamente  mutilado; o nonsense e o niilismo de Fibonacci transcende as miríades que minicontam a criação inusitada de outros escritores; a lástima de Francisco/Poema entre o consolo, as chagas e as cicatrizes do sáurio e ainda Abelardo em seu círculo magnífico e sua pirotecnia: inércia e vivas da criação fantástica!

Em uma breve segunda volta do destino, continua-se a girar na tautologia do sombrio e do espanto. Em “Inimigo de toda gente” a invisível existência de pássaros melancólicos, pousados em fios de arames farpados, coexistem com uma dupla decrépita e sinistra nas ruínas do cotidiano; o conhecimento obscuro registrado no “O homem que virou abobrinha” pode ser comunicado no choro inaudível e conectado na metamorfose do pensar no papel desempenhado na grande ordem; e  nesse caleidoscópio textual apreciamos os elementos sobrenaturais de “O enigma de Lujan” que percorre uma visão taciturna entre dimensões estranhas de diferentes realidades.

O estranhamento e as alucinações podem ser lidos no conto “Nos caminhos da loucura”, se você “sobreviver à primeira página”.  Torna-se difícil mergulhar em um drama denso e demente criado em uma obra que adverte: “só abra se for merecedor”, portanto, cuidado ao abrir; mais que difícil, diria ceifado a sangue, emerge o fado de “Míriam”: um beijo arremessado, cúmplice da terra da foice, na lonjura chorosa dos herdeiros do rubro pesar.

 A hesitação do leitor não é interrompida na estrada derradeira e de pedra dura, ela percorre os dois desertos interdependentes do “Mar Morto”, árdua empreitada de angústia revelada na epifania gratuita de miragens; o leitor viaja em “Marília tem um segredo” constituído de um mistério patético e uma divagação sinistra. “Elementar, vou explicar...”; Em “Samsara” observa-se o colapso infernal da coisa de “eus” que vacilam em reescrever suas histórias e desejam o Samadhi.

Em um breve segundo despertamento observamos em “Isolamento” – O enlouquecer da meia-noite decretado no isolamento entre as chicotadas dos berros e o chocoalhar dos grunhidos que espirra o sangue proibido. A navalha afiada do choro rangido e do silêncio restaurador estripa o monstro purgado em cada ser e em cada um de nós. Em “Isis”, somos passageiros na viagem de um solitário que, com nossos medos geniais e invasivos, recriamos o ambiente inóspito para o tripulante de alma sulcada: “Você me ama?”. A fantástica intimidade impregnada na fissura negra pede o beijo analisado no trono de Isis.

O vacilo entre a explicação e o insólito continuam nas construções mágicas de outras histórias de Solemar Oliveira. Em “O espaço-tempo invertidos”, entre a certeza e a digressão, sempre ouvindo o doce canto e o assobio harmonioso, prossegue inexoravelmente a Morte, sepultando as vozes que são insubstituíveis; percebe-se em “Da Vinci” que a ideia é incrustrada e atarracada no segredo do Nada e do Breu, uma ideia materializada no código que se decifra e na esfinge que lhe devora.

Nas várias faces existenciais mitológicas, filosóficas, literárias e de outras áreas destacam-se crespas de assuntos inquietantes como em “Confraria”, no qual vislumbra-se o tempero entre autor e cultura, banhados a fogo e sangue, o artista sempre acompanhado de aplausos e de loucuras. Também no conto “Condenados” presenciamos uma vivência intrigante que vai desde a muda de um simples manjericão ao um sopro de vela numa narrativa inusitada e imprevista; bebe-se ainda, mais uma vez, no ópio da “Carta ambígua”, um singular delírio nos escritos desvairados.

O barqueiro chegou. Com assombro, ouve-se as águas misteriosas e remadas por Dante. “Caronte” aporta com as “Almas danadas” sob a parca luz do poema; em “Benedito” sente-se a dor da invisibilidade, sempre ancorada na língua e na boca e também no sorriso indelicado do heroico defunto em decomposição. Em “Anjos Caídos”, vive-se o triste janeiro de um “garoto de fé”. Num refrão poemático e reavivado surgem elementos aparentemente desconexos: céu vermelho, chave, ira, túnel, chuva, música, raízes, lagos de lama, pênis, criaturas insinuantes, claustro...  Um poente de vazio seco para muitos anteriormente emprenhados da terra.

Interessante “desvendar” no conto “Ágata” que há uma gradação crescente em busca de controle e poder, mas para isso, precisamos “guardar os olhos”. Solemar seleciona alguns substantivos, adjetivos, verbos e advérbios que traçam um percurso ascendente de atitudes e planejamentos da astróloga: perguntava, acreditava, esperava, questionava, influenciava, convencia, adestrava e alterava destinos; assim intimamente, estrategicamente, sistematicamente, categoricamente, poderosamente ela conquista o poder. Entre o isolamento e o massacre da multidão, o conhecimento encarnou na “Santa Viva” e, pedaço por pedaço, é devorada saciando o discurso da loucura.

Em uma breve e segunda imprecisão, observa-se em “Abismos” uma situação inusitada - irradia-se o morto. Uma lastimosa verdade reverberada com “voz gutural e gargalhada abismal” anuncia: os ratos e morcegos paralisados e o silêncio sulcado no indivíduo. O conto “Moto Perpétuo” torna-se marcante ao apontar, de maneira sutil, a solução para a Roda do Destino: A instauração sorrateira da instabilidade, da imprevisibilidade e da imponderabilidade das coisas e dos seres. Outro texto envolvente é “A curiosidade é a mãe das armadilhas” na “Ordem do dia” que é sugerida entre um mesclado de caras e bocas, de medos e raivas, de disciplina e ordem, de risos e rudezas, pedidos e conselhos que, por sua vez, incognitamente nada dizem.

“E se...” presente no texto “Doçura dos Tártaros” rumina a possibilidade e o questionamento dos possíveis caminhos inesperados vividos por Caos. . O inverossímil e o crível estão presentes na âncora da mitologia. A ironia e a irreverência criam um “stand up canino”, propõem a companhia do cão Tártaro, fantástico/falador e, quem sabe, colocando uma coleira no protagonista.

Em uma “Breve Segunda Vida de uma Ideia”, nota-se que a utilização de elementos fantásticos perpetra esse livro de Solemar Oliveira, degusta-se um sabor tão especial e surreal, temperado com o insano instável e com a realidade fragmentada. Emerge a crítica reflexiva do autor e a sua feitura escrita como uma Cegueira Branca, como um  Memórias Póstumas ou uma Sombra de Poe, ou ainda, como Macunaíma, como Incidente em Antares, como Pirotécnico Zacarias ou Metamorfose, por inúmeras vezes, contrariando a nossa noção de realidade. Realmente, uma “cria do Nada” que habita a “Caverna do Absurdo”, como sugere o autor.

Dança em Trânsito chega a Goiás com dez espetáculos, oficina e residência artística

Em sua vigésima edição, o festival envolve 32 companhias nacionais e nove internacionais em sua programação. O evento contempla oito circuitos que percorrem as cinco regiões do país e trinta cidades no Brasil e exterior

Festival de Nova Veneza começa com programação especial

Atrações culturais, shows, festival de massas e passeio ciclístico vão compor o 16ª Festival Italiano de Nova Veneza, que será realizado entre os dias 04 a 07 de agosto, com entrada gratuita