Opção cultural

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Canto da Primavera 2017 tem data definida. Confira!

Evento será realizado novamente em duas fases e terá 30 apresentações de artistas e grupos goianos 

Professor Airton Veloso, uma vida de Melodia

Duas pérolas negras que se foram nesta semana. Os amo, meus Ébanos! [caption id="attachment_101647" align="alignleft" width="620"] Airton Veloso e Marcelo Brice[/caption] Marcelo Brice Especial para o Jornal Opção Dois peregrinos sábios dos enganos se foram. Dois negros, lindos e maravilhosos nos deixam mais só na nossa pobreza. Eu resisti em escrever um texto em homenagem e despedida ao Professor Airton Veloso, e hoje quando acordo, outra pérola negra se foi. O lamento é inevitável. O luto não é só pela morte, é pelos descaminhos, pelos auspícios fugidios do nosso tempo. A morte é o inevitável, que ela chegue, que nos leve dignamente é o mínimo que se espera. O problema maior é o desamparo que se anuncia às voltas da gente. Há uma alegria em ter compartilhado o mundo com eles. Professor Airton Veloso faz parte do mapa mental da minha memória ativa e é parte da vida de muitos. Todos nós temos professores em volta, principalmente em função da escola, mas a minha situação é mais grave: meu pai é professor, minha mãe, meu irmão, minha avó, minha tia, Takesi (vizinho falecido, grande professor de matemática, amigo, pai de outros grandes amigos, figura exemplar, mas pelo pavor à matemática eu só o chamava pelo nome, não de professor), o professor Airton e tantos outros professores por perto. Aprendi a me dar com a lida da educação em casa, mas, como santo de casa não faz milagre, valorizamos muito o “nosso” quando olhamos pela janela. Minha janela dava na casa do Professor Airton. Essa janela foi ampla e canalizou uma infinidade de afetos e respeito. Eu nunca o chamei pelo nome, simplesmente. Ele era o “professor”. Foi professor de História do meu pai, Reinado Assis Pantaleão, o Panta, ainda em 1967, no Colégio Pedro Gomes. Pensa nisso! E moramos do lado um do outro, nossas famílias, já por 25 anos. Professor Airton não pôde completar o curso de Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em função da perseguição política no primeiro momento do regime militar, o que foi agravado pelo preconceito racial; mineiro de Monte Carmelo, aprendeu ali a mediação com a espiritualidade; era um espírita, como no geral eles o são, sem a febre da conversão, nunca fez propaganda disso. Foi viver em Goiânia e foi ser professor de História, onde meu pai teve a sorte de topá-lo no caminho. Sabia de seu papel, negro, espírita e de esquerda. Ensinou muitos sobre a trajetória irregular, peculiar e opressora da história. Na ditadura militar qualquer vacilo era risco de vida. Ele sabia disso, participou da resistência e, embrenhado com os alunos, soube não cair. E contava histórias e histórias sobre meu pai, as reuniões no Bairro Popular (hoje Fama), em que eles por pouco não foram pegos. Esse cara foi professor de História da UFG, no antigo Colégio de Aplicação. Meu irmão foi aluno ali. Eu não o sabia em sala de aula, mas o tinha como “Professor”. Se interessava enormemente pela minha caminhada acadêmica. Me perguntava, contava histórias da época de seu mestrado, eu me sentia meio ridículo sendo doutor perto dele e de alguns outros. Somos famílias amigas. Nosso vizinho. Falávamos sobre as mudanças do Itatiaia. Me disse certa vez, num desses velórios da vida: “Marcelo, eu, Maria José, seu pai... só saímos do Itatiaia para cá”. Me deu um estalo, nesse mesmo velório, quando meu pai falava algo público em homenagem ao morto: “Seu pai diz que é ateu, pode até ser, mas no fundo ele é religioso, olha o sagrado pra ele...”. Depois que minha mãe faleceu, ele sempre dizia sobre e para minha irmã: “Ê Cejana... é difícil ser um cristal em meio a esses homens toscos, né?”. A gente ria. Mas era uma lição. Toda temporada de manga ele nos abastecia com as frutinhas. Gostava de cachorros, não muito de gatos. Como toda família de classe média em bairro da periferia da cidade, os irmãos brigavam escandalosamente, quando jovens. Nós três de cá e os quatro deles; mas ninguém nunca interferiu ou deixou de ser doce e apoiador um com outro. Isso é outra lição. Tudo regado pelo humor. Relações também tecidas pelo futebol de golzinho no fim de tarde, na rua. Professor Airton escreveu um livro sobre a história das linhagens da excêntrica e pacata Monte Carmelo (a foto é de quando ele me deu esse livro, lá em casa). Me comprometi a dar um exemplar a outro amigo da profundamente mineira Monte Carmelo. Ele me perguntava o que ele tinha achado, eu não sabia. Os dois espíritas que se comunicassem, eu pensava. Aposentado, varria a calçada. Isso era bom de ver e era um momento do dia que o encontro sempre rendia uma prosa. Antes, já findada a relação com a sala de aula, concluiu o curso de Direito e foi trabalhar em Brasília como assessor jurídico. E me dizia: “Seu pai tem que pedir indenização do Estado, eu pedi, porque fui impedido de seguir meu caminho, ele foi mais ativo naquele momento e não pede”. E eu: “É, Professor, ele não se sente bem, porque têm muitos caras, diferentes de vocês, que se aproveitam disso e que, pior, hoje são rapinas do Estado em sua atividade de puxa-saquismo dos poderosos”. Ele discordava do não pedido. E sempre íntegro e coerente, doce, e muito bem-humorado. Conversava semanalmente sobre política com meu pai e eu ouvia, palpitava. Uma vez, num almoço de domingo, impliquei com uma posição do meu pai, e ele, na mesa de casa, me repreendeu corretamente: “Marcelo, seu pai pode pensar como quiser. Não fique tentando consertar alguém mais velho”. Outra lição. Mas era só porque eu nunca os acho velhos. Eu os sinto próximos de mim, e eu, ainda, sou jovem. Numa ocasião da adolescência, aconteceu algo fundamental. O Itatiaia sofria com alguns assaltantes – nessa época só queriam levar alguma coisinha das casas e assustar todo mundo, hoje o perigo é muito maior, porque não são vizinhos do bairro, mas gangues dispostas a matar. Enfim, numa noite de fim de semana, um ladrão de pequena monta tentou pular numa casa vazia, mas errou o alvo e foi visto por outras pessoas que estavam na área. Logo, toda a vizinhança estava atenta, as crianças ouriçadas, os meninos achando que era uma batalha e, antes do desenlace, o encaminhamento foi a lição mais forte em meu peito. Meu pai gritou forte para o vizinho: “Mestre Airton, você tá vendo o rapaz aí tentando pular o muro, tá em cima do telhado?”. Professor Airton responde, em alto som: “Tô vendo só uma parte da perna, Panta...”. Meu pai: “Tô armado, mas não vejo, atira que tá na sua mira...”. E então o Professor Airton: “Vou atirar!”. Era o mais puro “caô”. Isso fez com que o ladrão, desesperado, saísse da moita, pulasse rapidamente para outra área, já povoada, e fosse preso sem levar risco para a comunidade das Ruas 18 e 17 da “República do Itatiaia”. Depois disso, eu e seu filho mais novo, o Vinícius, adolescentes, nos “preparávamos” para ser “seguranças” da rua, quando os dois viajavam para ministrar aulas por aí. Nota importante para os desavisados: não havia armas e somos contra a liberação delas – a política de pacificação social passa por outras questões. Essas lições e tantas outras lembranças me acompanharão. Os vínculos, o afeto, a relação prudente, de comunhão e respeito, nas diferenças e na ação me deixam o recado de alguma esperança. Precisamos nos encontrar pessoalmente, politicamente, na vivência, como encontramos o Professor Airton. Daí virá um mundo. Os bebês nascem, a vida se renova, mas estamos constantemente semeados, que seja por pessoas boas, que façam nossa saudade operar algo no presente, para o futuro. Esta semana, duas pérolas negras. Os amo, meus Ébanos! Marcelo Brice é doutor em Sociologia pela UFG e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

Indicações preciosas de Marcos Fayad – Parte 2

Mais dois vídeos de Marcos Fayad no canal Indicador Cultural. Tem desde Tião Carreiro, Zequinha de Abreu, Carmem Miranda, Charlie Parker (tudo isso no primeiro vídeo, que trata de "Tico Tico no Fubá", o chorinho mais conhecido do mundo) até  os contos de autores como João Ubaldo Ribeiro, Rubem Fonseca, Sérgio Santana e Luís Fernando Veríssimo (tema do segundo vídeo)! A não perder! Clique e assista! https://www.youtube.com/watch?v=tGOrV8zwuEU https://www.youtube.com/watch?v=KqdbiN34tNE

Tradução de “The Rains Of Castamere”, de Game Of Thrones

Muito longe de uma tentativa de se igualar à composição original, que esta versão seja entendida como uma simples homenagem à série [caption id="attachment_101627" align="alignleft" width="620"] Brasão da Casa de Lannister, uma das famílias da série Game Of Thrones[/caption]   Pedro Mohallem Especial para o Jornal Opção THE RAINS OF CASTAMERE  And who are you, the proud lord said, that I must bow so low? Only a cat of a different coat, that's all the truth I know.  In a coat of gold or a coat of red, a lion still has claws, And mine are long and sharp, my lord, as long and sharp as yours.  And so he spoke, and so he spoke, that lord of Castamere, But now the rains weep o'er his hall, with no one there to hear.  Yes now the rains weep o'er his hall, and not a soul to hear. Desde que vi o Serj Tankian cantando "The Rains of Castamere" no The Forum, peguei um interesse enorme à letra da canção. Eu sempre gostei da melodia, mas foi lendo a letra que percebi que George R. R. Martin a compôs na forma tradicional das baladas inglesas: quartetos de tetrâmetros e trímetros alternados, predominantemente iâmbicos (sílaba breve seguida de sílaba longa), mas eventualmente trocaicos (longa + breve) e anapésticos (duas breves + longa), e com rima nos versos pares. Para o leitor menos íntimo da metrificação inglesa, digamos que os versos ímpares possuem oito sílabas poéticas, e os versos pares seis, e que essas sílabas se dividem em pares de breves (ou átonas) e longas (ou tônicas), soando em sequência mais ou menos nessa forma: tumTUM tumTUM tumTUM tumTUM, tumTUM tumTUM tumTUM (marcando bem a pausa depois do quarto tumTUM) A cada um desses “tumTUM” daremos o nome de pé. Logo, o que temos aí são versos de quatro pés (tetrâmetros) seguidos de versos de três pés (trímetros). Os pés métricos constituídos de uma sílaba breve seguida de uma sílaba longa são chamados de iambos. Tratam-se, portanto, de tetrâmetros e trímetros iâmbicos. A isso, acrescentem-se cá e lá algumas variações de ritmo, mas nada que altere bruscamente esse ritmo rascunhado acima. Vejamos como isso se faz explícito lendo as duas primeiras estrofes e grafando em negrito as sílabas fortes: And who | are you, | the proud | lord said, that I | must bow | so low? Only | a cat | of a di | fferent coat, that's all | the truth | I know. In a coat | of gold | or a coat | of red, a li | on still | has claws, And mine | are long | and sharp, | my lord, as long | and sharp | as yours. Resolvi tentar traduzir a canção, mantendo a forma original na medida do possível. Por capricho, acabei rimando os versos 1 e 5, 3 e 7 (por acaso, os versos 1 e 5 também rimam no original). Um desafio foi traduzir o trocadilho em "now the rains weep o'er his hall", em que "rains" soa idêntico a "Reynes". E não é por acaso: os que conhecem a história sabem que Reyne é a casa apossada do castelo de Castamere, massacrada pelos Lannister quando os primeiros tentaram sobrepujá-los. E desse episódio nasceu a canção, que se tornou um verdadeiro hino de uma das casas mais odiadas dos sete reinos. Para alcançar o duplo sentido, reproduzi o jogo de palavras em "porém" ("por Reyne"), muito menos sugestivo que o original, mas ainda assim detentor de algum vestígio paronomástico. E, muito longe de uma tentativa de se igualar à composição original, que esta versão seja entendida como uma simples homenagem à série. §§ CHUVAS DE CASTAMERE "E quem és tu, tão grande assim, que rés me prostrarei? Somente um gato de outra cor, é o quanto vejo e sei. Auricolor ou carmesim, leão ainda é leão: e minhas garras, meu senhor, tais como as tuas são." Assim falou, assim falou Senhor de Castamere; o céu, porém, pranteia só sem ter quem possa ouvir. Pranteia o céu em seus salões sem um que o possa ouvir. Pedro Mohallem é tradutor. Entre seus trabalhos de tradução está “Dicção Poética”, de Owen Barfield (Editora Caminhos, Goiânia. No prelo). *** Serj Tankian cantando "The Rains of Castamere": https://www.youtube.com/watch?v=r8Kipc2IRTA

“Conclave”, ou a Rebelião do Filho de Deus

HQ de Ademir Luiz é uma espécie marginal de romance de formação, e mais claramente um prenúncio de batalha. Está amarrado de forma a deixar a ação maior para depois das páginas, no fim dos dias

Queremos, de fato, preservar nossos bens culturais?

A consciência de preservação no Brasil nasceu tardiamente e com conceitos prematuros e mal definidos, justificados a partir da observação atrasada da definição e estabelecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan)

A tragédia pedagógica da Base Nacional Curricular Comum

A BNCC é, pois, uma camisa de força que haverá de empobrecer a Nação, porque ostraciza inúmeras perspectivas humanas

“Death Note”: uma introdução ao abismo

Desde os pré-socráticos a tradição trágica tem esse pressentimento, antevisão do mau agouro lançado por Ryuk a Light: “As coisas não costumam acabar bem para os humanos que usam o Death Note [caption id="attachment_101381" align="alignleft" width="620"] "Death Note", série de mangá escrita por Tsugumi Ohba e ilustrada por Takeshi Obata[/caption] “The human whose name is written in this note shall die (o humano cujo nome for escrito neste caderno morrerá)”. Esta é a primeira instrução constante no Death Note, um caderno oriundo do mundo dos Shinigami, deuses da morte. O que você faria se páginas como estas caíssem em seu poder? Escreveria o nome de alguém? Tal foi o dilema apresentado a Light Yagami (ou Yagami Raito), um jovem prodígio japonês que por acaso encontrou o “caderno da morte”. Light decidiu usar a arma sobrenatural para criar um “novo mundo” livre de maldade e injustiça, um mundo onde existiriam apenas pessoas “boas e gentis”. Com esse ideal, logo nos primeiros dias o estudante já havia proferido folhas e folhas de penas capitais contra acusados de crimes repercutidos nos jornais em Kanto. Não que Light  fosse escolhido ou predestinado. Um Shinigami  chamado Ryuk (ou Ryuku), dono original do caderno, o deixara cair na Terra por pura diversão, simplesmente porque estava achando o mundo dos deuses sombrios meio parado, sem sentido. Por mais que matasse escrevendo nomes no Death Note, uma coisa Ryuk não conseguia matar: seu tédio. Yagami, por sua vez, o mais brilhante aluno do Japão, primeiro lugar nos exames admissionais para a prestigiosa Universidade de To-Oh, também estava entediado, sem desafios. Aqui ambos parecem cientes da shakespeariana gratuidade por trás de toda ação, seja humana ou divina, como se parafraseassem as famosas falas de Macbeth: “a vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando nada”. O nada, o vazio. É dele que tudo surge, foi por senti-lo que Ryuk resolveu pregar sua peça e Light arriscar-se em um Juízo Final particular. Quando o jovem perguntou quais seriam as consequências pelo uso do Death Note, se lhe custaria a alma ou algo similar, o Shinigami desentendeu: “O que é alma? Mais alguma invenção de vocês humanos?”. Uma segunda instrução do caderno era: “All humans will, without exception, eventually die. After they die, the place they go is MU –nothingness (Todos os humanos vão, sem exceção, em algum momento morrer. Depois de morrerem, o lugar para onde vão é MU – o nada)”. O deus da morte indicara, assim, que não existia alma a ser perdida ou salva, tampouco Céu ou Inferno, e portanto nenhum julgamento divino sobre as ações terrenas. Por que havia então o mundo Shinigami, de onde escreviam nomes humanos em seus Death Notes? Pela mesma razão justificadora do nosso mundo: nenhuma. Deuses carrascos existiam porque existiam e ao seu alvedrio escreviam as sentenças, aleatoriamente. E de fato, a morte é justa, respeita algum padrão de merecimento? Canalhas e criminosos podem prosperar por 100 anos enquanto nada impede o adoecimento e o falecer de uma criança. O universo de Death Note não tem ordem moral preestabelecida, imanente, como o nosso parece não ter. Sob esse ponto de vista, Ryuk e os outros Shinigamis são deuses semelhantes aos dos gregos, que não encaravam a vida humana como algo a se julgar e redimir, mas não raro como um espetáculo com o qual brincavam e se entretinham. O Deus cristão é o próprio Logos: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus (...)/Todas as coisas foram feitas por ele (...)/Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens./E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreendem” (João 1, 1-5). A expressão grega logos se referia originariamente à palavra escrita ou falada, ao “verbo”, e filosoficamente foi ganhando a acepção de “razão”, de princípio organizador. Teologicamente, por fim, Logos passou a significar a Ordem do Cosmos. Quando o apóstolo João diz que “no princípio era o Verbo (ou o Logos)”, o Deus dos Evangelhos é revelado tanto como a fonte quanto como o princípio organizador de tudo o que existe e por isso não submetido a nenhuma conjuntura além de si mesmo. Já na Teogonia grega, escrita por Hesíodo, os deuses não criaram o Universo, mas surgiram a partir de suas estruturas. Mesmo ao mais antigo deus, Caos, é atribuído um “nascimento” e tal divindade, como o nome sugere, não é um princípio de criação racional. Por consequência, na mitologia grega tanto os homens quanto os deuses estão submetidos a conjunturas naturais e cosmológicas que não controlam, ou seja, estão presos ao Destino. Esse também parece ser o caso do macabro deus Ryuk, pois embora seja o proprietário natural do Death Note, não pode criar regras de funcionamento para o caderno, nem modificá-las. E como Shinigami, lhe é vedado estender o tempo vital de seres humanos, sob pena de desintegrar-se em areia, desaparecendo para sempre. Essa própria constituição arenosa dos Shinigami aponta que nasceram a partir dos elementos do seu mundo, um escuro deserto. A imemorial consciência desse fatalismo talvez seja o que inspirou Ryuk em sua única advertência a Light: “Você sentirá o medo e a dor que só os humanos portadores do Death Note conhecem”. O ímpeto do jovem prodígio Yagami não se abalou com o vaticínio. Ao contrário, cresceu na determinação de criar um “novo mundo”. Se Ivan Karamázov concluiu que, sem Deus, “tudo é permitido”; Light Yagami foi mais longe ao imaginar que, sendo Deus, tudo é permitido. Afinal, se não existia alma, Céu, Inferno, nem punição sobrenatural alguma, quem poderia impedi-lo de dizer o que é o “bem” e o que é o “mal”, passando seus julgamentos com o poder do Death Note? A advertência de Ryuk escondia, no entanto, profundidade. A falta de ordem moral e racional intencionalmente preestabelecida na disposição das coisas do mundo não significa que nestas inexista uma natureza e um funcionamento assentados, que podem tragar quem desafie seu curso. Light preocupou-se apenas se um Deus o julgaria pelos pecados, mas o Shinigami sabia que mesmo um Cosmos sem esse Deus é maior do que os indivíduos e os destrói quando atentam contra o equilíbrio de seus papéis no Destino, para voltarmos à teogonia e à mitologia gregas. Desde os pré-socráticos a tradição trágica tem esse pressentimento, antevisão do mau agouro lançado por Ryuk a Light: “As coisas não costumam acabar bem para os humanos que usam o Death Note”. (continua)

Seguindo em frente, sem esquecer o passado

Baseado no livro chileno "Um pai de cinema", de Antonio Skármeta , "O Filme de Minha Vida" é o terceiro filme dirigido por Selton Mello, adaptado por ele e por seu parceiro nos longas anteriores, Marcelo Vindicato [caption id="attachment_101373" align="aligncenter" width="620"] Set de filmagens de "O filme da minha vida", dirigido pelo também ator Selton Mello[/caption] Quando Selton Mello veio a Goiânia, no dia 23 de julho, para a avant-première de seu mais novo filme, "O filme da minha vida", disse que gostaria muito que os goianos recebessem a obra como um presente. Uma flor, um bálsamo para os olhos. Porque, mais do que nunca, em tempos como os em que vivemos, precisamos de coisas assim: simples, sensíveis, bonitas e que toquem fundo o coração. E não há definição mais exata para a obra. Baseado no livro chileno "Um pai de cinema", de Antonio Skármeta (também autor de "O carteiro e o poeta" e fazendo uma ponta na tela), esse é o terceiro filme dirigido por Selton, adaptado por ele e por seu parceiro nos longas anteriores, Marcelo Vindicato. Considerando que o responsável pela fotografia é Walter Carvalho (responsável também por "Febre do Rato", "Baixio das Bestas", "O céu de Suely", "Central do Brasil", "Terra Estrangeira", "Carandiru", "Amarelo Manga" e, talvez seu trabalho mais primoroso, "Lavoura Arcaica"), já temos nessa pequena ficha técnica o indicativo de mais uma grande obra do cinema nacional. Tony Terranova, o protagonista vivido de forma competente por Johnny Massaro, deixa sua família na Serra Gaúcha para ir cursar a faculdade na cidade grande. Quando retorna, alguns anos depois, dá de cara com a ausência de seu pai, o francês Nicolas (o francês mais brasileiro do mundo, Vincent Cassel), que abandonou a esposa brasileira, Sofia (Ondina Clais Castilho), e voltou para a França. Simplesmente desapareceu, sem deixar motivo algum. Como é de se esperar, Tony entra numa espiral melancólica tremenda, dividindo seu crescimento pessoal com a vontade de descobrir o que é feito do pai, atolado em memórias de infância. Paco, um antigo amigo da família vivido pelo próprio Selton Mello, preenche de forma troncha o papel paterno, dando conselhos ou servindo como escape emocional vez ou outra. Aliás, é ele o símbolo da contradição humana: o conselheiro que recomenda perseguir o futuro, mas que ainda briga contra a evolução tecnológica. O homem que se julga superior ao porco, mas que carrega em si a dúvida quanto a qual classe mamífera pertence. Que veste a capa de heroi, mas esconde dentro de si o chiqueiro. O primeiro ato do filme reforça o tempo todo a prisão emocional que estagna a vida de Tony, dividido entre a idealização do pai e o inconformismo com seu abandono. Isso cria o clima perfeito para as reviravoltas que o filme dá, já que os relances da busca pela maturidade frequentemente trazem surpresas. Um papel discreto mas bastante importante foi reservado a Rolando Boldrin: o maquinista Giuseppe que, nas suas próprias palavras, "tem uma das funções mais nobres de todas: levar as pessoas para resolverem coisas". Boldrin cuida da linha de trem que une as cidades de Recanto, onde vive Tony e a mãe, e Fronteira, um povoado um pouco maior onde a vida flui mais - seja pela existência do único cinema das redondezas, seja pela movimentada "casa da luz vermelha" – dois palcos fundamentais para a estória. O maquinista, tal qual Caronte, da mitologia grega, será fundamental na jornada de Tony para resolver coisas entre dois mundos. No fim das contas, "O filme da minha vida" compõe de forma digna mais esse tijolo na já consistente obra de Selton por trás das câmeras. Uma ou outra falha de roteiro, ou mesmo a solução rasa para o final da estória passam despercebidos por trás de sua delicadeza e sensibilidade técnicas. A fotografia toda forjada em tons de sépia, como num álbum de fotos antigo, e a trilha sonora recheada de músicas nostálgicas remetem à melancolia de tempos em que o afeto e a ligação entre as pessoas era a coisa mais importante do mundo. O amor salva tudo. Quando for ao cinema para assistir ao filme, no dia 03 de agosto, lembre-se das palavras de Selton na pré-estreia e aproveite o presente. Porque na ferrovia da vida, o início e o fim são importantes, mas é o meio que faz da viagem inesquecível. Assista ao Trailer Oficial do filme: https://www.youtube.com/watch?v=TDVegL5nfYs

Vozes marcantes da música sertaneja se reúnem no projeto “Clássico”

O repertório rico repleto de hits que cada dupla tem faz valer a pena comprar e assistir o show, que verdadeiramente é um “clássico” da música sertaneja

Teatro Goiânia tem Débora Colker e Orquestra Sinfônica em agosto. Veja programação

Os ingressos têm preços acessíveis e, para algumas atrações, a entrada é gratuita

Filme “As Boas Maneiras” é renovação no cinema brasileiro, diz diretor do Festival de Locarno

[caption id="attachment_101209" align="alignleft" width="266"] Carlo Chatrian, diretor do Festival de Cinema de Locarno[/caption] Rui Martins Especial para o Jornal Opção Carlo Chatrian, diretor artístico do Festival Internacional de Locarno, nos afirmou numa entrevista exclusiva, que o cinema latinoamericano está numa boa fase, tomando como exemplo o cinema brasileiro. Para ele, o filme As Boas Maneiras, na Competição Internacional, de Juliana Rojas e Marco Dutra, produzido por Sara Silveira, mostra a renovação do cinema brasileiro. Deu também destaque para Severina, de Felipe Hirsch, e para Era Uma Vez Brasília, de Adirley Queirós. Uma atração latinoamericana em Locarno, contou Chatrian, será o filme La Telenovela Errante, uma espécie de filme póstumo do realizador chileno Raúl Ruiz, pois sua viúva, Valeria Sarmiento - também cineasta - recuperou as bobinas do filme perdidas mas encontradas depois da morte de Ruiz, e cuidou a montagem, com a experiência de quem sempre montou os outros filmes do marido. O Festival de Locarno começará quarta-feira dia 2. O filme Boas Maneiras será exibido domingo dia 6, um dia depois da exibição de Severina. Entrevista com Carlo Chatrian para Rui Martins Quais os critérios na seleção dos filmes? Os filmes que escolhemos foi porque gostamos e porque são bons filmes. Nada mais que isso. Gostou, então, do filme brasileiro? O filme brasileiro na competição, As Boas Maneiras, é um filme para se ir descobrindo à medida que se desenvolve a história, por isso eu não quis fazer revelações durante a coletiva com a imprensa suíça e internacional. É um filme de jovens realizadores, Juliana Rojas e Marco Dutra, que estiveram com seu primeiro filme Trabalhar Cansa, em Cannes, na mostra “Um Certo Olhar”. É um filme único, mesmo se começa como tantos outros filmes brasileiros com uma jovem afrobrasileira que trabalha como doméstica para uma mulher rica, branca. A partir disso, o filme toma diversas direções. Iremos descobrir a patroa grávida, mas acho que não devo desvendar tudo, apenas que o filme se transforma depois num filme de horror. Este ano quisemos colocar dois ou três filmes desse gênero na competição, mas com realizadores já consagrados. Esse filme produzido por Sara Silveira representa a renovação no cinema brasileiro. Outro filme brasileiro? Na mostra “Sinais de Vida” temos o filme de Adirley Queirós, com bons filmes anteriores: Era Uma Vez em Brasília. Um filme de ficção científica que deverá ser surpreendente. Ele inclui política no filme com o impeachment de Dilma Rousseff, mas com esse episódio deslocado para o futuro. Outra participação latinoamericana? Um filme póstumo do realizador Raúl Ruiz, falecido em 2011, que dispensa apresentação por ser um dos grandes cineastas não só do Chile, mestre do surrealismo, um dos herdeiros de Buñuel. O filme, cujo título é La Telenovela Errante, é algo extraordinário. Foi filmado em 1990, portanto há 27 anos, mas não chegou a ser montado por terem se perdido as bobinas. Finalmente, no ano passado, essas bobinas foram encontradas numa Universidade americana. Não sei que viagem fizeram essas bobinas para chegar lá, mas a realizadora Valeria Sarmiento, que sempre montou os filmes de Ruiz e que era sua esposa, concluiu em pós-produção e cuidou da montagem do filme, coisa não tão difícil, imagino, pela maneira como Ruiz ordenava suas filmagens facilitando a montagem. Este filme será exibido pela primeira vez aqui em Locarno, na competição internacional. Será um presente de aniversário para os 70 anos do Festival de Locarno, mesmo porque Ruiz foi um dos cineastas premiados com o Leopardo de Ouro, aqui em Locarno, com seu filme Três Tristes Tigres. La Telenovela Errante é um filme que vem do passado mas fala do presente. É um filme que emprega o estilo da telenovela para falar da realidade que não existe mais,  de um mundo imaterial. Filme dividido em sete dias ou sete temas diferentes. Começa com o adultério, a seguir um tema político tratando de um terrorista, depois aborda uma espécie de vagabundagem, e assim por diante, entrando numa espécie de pesadelo, com as pessoas olhando a televisão e ao mesmo tempo sendo vistas pelas personagens da televisão. É um filme 100% Ruiz. Como se pode definir o cinema hoje na América Latina? Encontra-se num estado muito bom. Há um outro filme brasileiro aqui na mostra Cineastas do Presente, do produtor Rodrigo Teixeira, dirigido por Felipe Hirsch, Severina. Foi todo rodado no Uruguai e tem o estilo do francês Jacques Rivette, um tanto fantástico. É a história de um livreiro e de uma jovem que frequenta a livraria, embora não se saiba se ela é real ou um fantasma projetado pelo dono da livraria. É um ano com mais filmes brasileiros em Locarno, enquanto no ano passado era a Argentina com mais filmes. Os aspectos principais tratados pelos filmes são o fantástico e o político. E, enfim, o cinema português? É um ano forte do cinema português, mas infelizmente tivemos de deixar de lado dois filmes muito bons que não entraram na competição internacional. Temos, porém, um primeiro filme, na mostra “Cineastas do Presente”, Verão Danado, de Pedro Cabeleira, que será uma das boas surpresas deste ano. Rui Martins, que estará do dia 2 ao dia 12 de agosto, em Locarno, convidado pelo Festival Internacional de Cinema.  

A desilusão romântica segundo Philip Roth

Em "O Professor do Desejo", o sumiço da atração carnal confere à história narrada um clima de inadequação com as normas sociais revelado num pathos deveras trágico

Hora do pesadelo!

"Perambulação" merece ser visto pela importância no mercado audiovisual goiano, que se fortalece a cada dia, e pelo amadurecimento do diretor e roteirista, em comparação a suas obras passadas [caption id="attachment_101029" align="aligncenter" width="620"] Filme "Perambulação", de Samuel Peregrino[/caption] Não se sabe o que é mais difícil: o surgimento de boas obras cinematográficas goianas, ou sua divulgação. Porque se existe um problema grave (e antigo) envolvendo o cinema nacional, esse problema está justamente na dualidade produção x distribuição. Foi pensando nessa questão que o diretor goiano Samuel Peregrino decidiu ousar, contrariando a lógica do mercado - principalmente a do mercado local - e lançando seu mais novo filme diretamente numa plataforma de streaming digital. "Perambulação" (que até poderia narcisisticamente se chamar "Peregrinação"), a terceira obra de sua já elogiada filmografia, estreou sexta (28/07) no recém lançado portal do Snapcine, uma plataforma digital inteiramente voltada ao streaming de filmes brasileiros. Peregrino surge mais maduro nesse novo filme, a começar por suas escolhas. A ficha técnica da obra, enriquecida com as participações (dentre outras) de Pedro Gomes, Isaac Brum, Taynara Borges e Marcos Bruno conta ainda com Tiago Rener e Carlos Brandão atuando. Todos nomes conhecidos no audiovisual goiano. Samuel assina a direção e o roteiro. Com a participação decisiva de uma equipe técnica já experimentada, "Perambulação" consegue ir além do que "Dejejum" (2014) e "Ensaio sobre um fim de mundo" (2016) já haviam conseguido. Com um roteiro mais complexo que o primeiro e menos experimental que o último, a obra certamente se destaca dentre a produção audiovisual universitária. A estória centra-se em Nathanael, porteiro de um prédio que sofre com noites de sono mal dormidas e pesadelos constantes. Para resolver seus distúrbios noturnos, procura o Dr. Coppelius, um especialista no sono, que lhe aplica métodos nada ortodoxos. O tiro sai pela culatra. A vida de Nathanael vira um emaranhado de imagens e sensações, num labirinto onírico sem fim. É interessante a influência declarada que a obra pega no conto "Homem de Areia", do escritor alemão Ernst Theodor Amadeus Hoffmann, no qual um outro Nathanael tropeça entre realidade e ilusão. No conto, o protagonista é assombrado pelo Homem de Areia, uma figura que os pais usavam para obrigar as crianças a dormir. O monstro, dizia-se, roubava os olhos das crianças desobedientes, jogando-as num mundo de suplícios e delírios. Não se sabe a quem o Nathanael de Peregrino desobedeceu durante a infância. Mas o que vemos na tela é um homem sem olhos para a realidade, lutando para escapar de um pesadelo que não tem fim. E não adianta obrigá-lo a dormir. "Toda a vida era para ele sonho e pressentimento", é a frase pinçada do conto e que abre o filme. Curiosamente, o que traz paz ao protagonista é a música, expressa nos arranjos de uma gaita. Coincidência ou não, Coppelius (nome do especialista em sono na obra de Samuel, e de um dos personagens do conto de Hoffmann) é também o nome de uma banda metaleira alemã, que faz músicas pesadas usando clarineta, violoncelo e uma boa dose de teatro. Tão interessante quanto improvável. Talvez uma metáfora perfeita para a vida do Nathanael do filme: na aspereza do batente, ainda há tempo e espaço para a delicadeza e o lirismo - ainda que em desespero. O filme tem desenvoltura ao manejar os diversos aspectos técnicos. Som e fotografia se destacam pela falta de excessos. A simbologia dos planos também é trabalhada de forma interessante e consegue presentear o espectador com belos momentos (a cena em que Nathanael desperta, com o rosto cheio de fios, e sua cabeça se sobrepõe a um grande olho na parede ao fundo é genial). Por tudo isso, "Perambulação" merece ser visto. Pela importância no mercado audiovisual goiano, que se fortalece a cada dia. Pelo amadurecimento do diretor e roteirista, em comparação a suas obras passadas. Pela riqueza simbólica da estória e da linguagem cinematográfica utilizada - esta última, em flagrante superioridade à maioria dos curtas nacionais independentes, seja quanto à fotografia, som ou atuação. Ganham os espectadores e o próprio cinema goiano. Porque ao contrário de Nathanael, seu personagem, Samuel Peregrino sabe muito bem aonde está indo.

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