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“Nosso propósito foi mostrar o ‘caos criativo’ de Fausto Valle”

Edival Lourenço e João Bosco de Carvalho Freire falam da organização do livro de memórias do escritor mineiro, radicado em Goiás, autor de “A Fonte do Sal”  [caption id="attachment_102984" align="aligncenter" width="620"] Edival Lourenço e João Bosco de Carvalho Freire falam do escritor Fausto Valle, amigo de ambos, falecido em 2010 | Foto: Fernando Leite
[/caption] “Policio-me muito. O julgamento de meu trabalho não me cabe. Interessa-me somente o prazer de lidar com as palavras, tão honestamente quanto possa”. Esta frase de Fausto Valle, escritor falecido em 2010, sintetiza sua postura criteriosa e responsável de escritor maduro. A frase foi retirada de seu livro de memórias, organizado e editado pelos escritores e amigos de Fausto, Edival Lourenço e João Bosco de Carvalho Freire, sob o título de “No Meio de Tanto Graveto”. Em entrevista ao Opção Cultural, ambos escritores falaram da relação com Fausto e da feitura do volume, que será lançado dia 22, terça-feira, às 19 horas, na sede da União Brasileira dos Escritores, Seção Goiás (UBE-GO), em Goiânia.   Fausto Valle pediu, pessoalmente, a você, Edival, que cuidasse dessa massa de arquivos inéditos. Como isso se deu? Além deste volume de memórias, há outros que serão publicados? Edival Lourenço — Bom, nós tínhamos um contato muito próximo. Conversávamos praticamente todos os dias, fosse por e-mail ou por telefone. E o assunto era quase sempre literatura. Quando ele ficou doente, e sentiu que o fim estava próximo, mandou que me chamassem no hospital onde ele estava. Quando cheguei ao hospital, ele me disse, de uma forma bem alegre e não pesarosa: “Olha, estou sentindo que dessa eu não passo”. Talvez por ter sido médico, ele tivesse consciência mais aguda dos problemas que estava enfrentando (complicações de um enfisema pulmonar e o câncer). Então, ele continuou: “Eu queria te fazer um pedido: estou deixando um material. Nos arquivos, há diários, contos, poemas e correspondências. Os contos e poemas eu quero que você os reúna em um só volume com o título de “Fundo de Bateia”. Este título é o último ‘ouro’ que eu consegui capturar na minha luta com a palavra. As minhas memórias não têm título. Depois você pensa em algum. Quanto às minhas correspondências, você vê se vale a pena publicar. Mas eu queria que você não deixasse esse material sem publicação.” Eu ainda cheguei a brincar com ele na ocasião, dizendo: “Rapaz, você vai sair dessa, não diga isso. Você mesmo vai cuidar de concluir a sua obra.” Ele insistiu: “Não. Eu sei o que está acontecendo comigo e estou lhe pedindo para que faça isso.” Então, eu prometi a ele que, caso ele não conseguisse sobreviver, eu cuidaria, sim, de editar a sua obra. João Bosco, conte como era a sua amizade com o Fausto. Como foi a convivência de vocês? João Bosco de Carvalho Freire — Bom, eu fui amigo do Fausto por 37 anos. Em alguns momentos estivemos mais próximos, em outros, um pouco menos. Mas sempre nos comunicamos. Nos últimos sete anos de vida dele, o contato ficou bem intenso. Ele, inclusive, começou a me incentivar fortemente a voltar a escrever. Eu havia escrito uma ou outra coisa quando pequeno. Mas, desde então, não escrevi mais. Ele, então, se dispôs a me ensinar, de fato, como era o trabalho literário. Me telefonava quase todos os dias, mandava e-mails – eu tenho quase mil e-mails trocados ele. Eu mandava um conto meu para ele, e ele devolvia com reformulações etc. Ele também passou a me indicar os melhores autores de literatura moderna, entre outros. Mas ele gostava de sair para cafés, para lugares interessantes e bonitos. Gostava de conversar sobre vários assuntos. Em meados de 2006, ele me mandou um e-mail com o arquivo dos inéditos dele. Um arquivo muito grande. Eu lembro que, à época, eu imprimi tudo em corpo 8. (risos). Depois, eu passei na porta da casa dele com todo esse material dentro de uma sacola. Ele me viu e perguntou o que era aquilo que eu levava. Eu respondi que era o arquivo de inéditos que ele havia me passado. Ele ficou muito feliz e pediu para que eu guardasse bem tudo aquilo. Como foi, para vocês, a experiência de editar este livro? Porque o que o Fausto pensava está posto no volume, mas a organização deve ter sido muito difícil. Vocês, naturalmente, tiveram que dar uma uniformidade ao material. Edival Lourenço — O material chegou para mim em formato eletrônico, em um pendrive, e em alguns grossos volumes de papel. E não apenas isso, o Fausto também escrevia em papeis de cigarro, papel de embrulho de pão, guardanapo etc. Então, isso me deixou louco. (risos). Eu fiquei um pouco desesperado, pois não sabia como e por onde começar a organizar esse material. Tanto é que o primeiro volume só está saindo agora, após sete anos da morte dele. Diante dessa situação, marquei um encontro com o João Bosco e o primo dele, Ênio Magalhães Freire, que também foi amigo do Fausto e conviveu muito com ele, nos anos finais. Expus aos dois as dificuldades de organização do material. Eles, então, se dispuseram a me ajudar. O Ênio – acho que por ter formação em Física – é alguém que tem um senso de organização extraordinário. Com a ajuda do Ênio, nós conseguimos estabelecer um critério de organização a partir daquilo que o Fausto havia registrado com data. Porque, se começássemos a organização tomando como critério as ideias e reflexões desenvolvidas, seria bem mais complicado. Portanto, ficou decidido que seria a partir das datas. Se o leitor quisesse, por sua própria conta, ler o material de outra forma, ficaria ao seu critério; do mesmo modo que como ocorre com leitor de “O Jogo da Amarelinha”, do Júlio Cortázar. (risos). Havia também o problema de que, se organizássemos tomando como critério as ideias do Fausto, talvez tivéssemos que cortar algo e mutilar o conjunto. Assim, correríamos o risco de dar uma “unidade” falsa e forçada às memórias. Além disso, nosso propósito não era dar ao leitor uma formatação sistematizada das memórias do Fausto, mas mostrar o “caos criativo” dele. A escolha do título “No Meio de Tanto Graveto” tem a ver com essa questão de “mostrar o caos criativo” do Fausto? Edival Lourenço — Sim. Eu queria dar um título às memórias que viesse do próprio texto do Fausto. Ao ler todo material, percebi que a frase que resumia não apenas as memórias, mas toda a produção do Fausto, era a seguinte: “No meio de tanto graveto, haverá uma ou outra coisa boa.” A imagem dos gravetos me remeteu aos ninhos das aves pernaltas. Aquele tipo de ninho que parece não ter a menor chance de dar certo. Como, por exemplo, o ninho da cegonha. A cegonha faz seu ninho em cima de algum lugar muito alto; geralmente, nas copas das árvores. O vento balança esse ninho para todos os lados, e ele permanece intacto. A cegonha consegue colocar os ovos e cuidar dos filhotes ali, no meio daqueles gravetos. Então, essa metáfora dos gravetos, escrita pelo próprio Fausto, veio a calhar como título. “No meio de tanto graveto” é onde nascem as novas ideias. Uma característica do Fausto que é muito evidente na escrita dessas memórias é o bom humor. Ele era muito bem humorado? Edival Lourenço — Sim, muito. Nós até tivemos que cortar algumas passagens em que apareciam risadas na forma de “heheheheheheh”. Mas muitas ainda ficaram. Aparecem no livro. Edival Lourenço — Sim, mas haviam muitas outras. Muito mais do que estas que deixamos. (risos). João Bosco de Carvalho Freire — Ele gostava de colocar isso como observação de algo que ele achava realmente muito engraçado. Outra característica interessante do Fausto é que ele sabia do talento que tinha, mas também sabia que precisava trabalhá-lo mais, estudar para se aperfeiçoar como escritor. E ele sempre retrabalhava o material que já tinha publicado, mesmo de livros com os quais ele já tinha ganhado prêmios literários. Ele era muito autocrítico? Edival Lourenço — É verdade. Ele era bastante autocrítico. E, pra dizer a verdade, eu acho que o sujeito que pensa que tem um talento pronto e acabado talvez ele próprio seja um equívoco. Uma das qualidades que fazem com que a pessoa aperfeiçoe o seu talento é sempre desconfiar do próprio talento que tem. O Fausto era assim. O escritor argentino Jorge Luis Borges dizia que nós publicamos um livro para nos livrarmos dele. Porque senão vamos escrevendo, escrevendo e não terminamos nunca. O Fausto, se deixasse, reescrevia tudo. A "auto-desconfiança" era uma das suas características. [caption id="attachment_102989" align="alignleft" width="300"] Capa do livro "No Meio de Tanto Graveto", que reúne as memórias de Fausto Valle | Foto: Fernando Leite
[/caption] O Fausto também diz que, nestas memórias, que julgava que os seus poemas fossem melhores que os seus contos. Ele era realmente mais poeta que contista? Edival Lourenço — Particularmente, eu gosto mais dos contos. Talvez por conta do excesso de desconfiança do próprio talento, os poemas do Fausto são um pouco contidos. Os poemas perdiam um pouco da espontaneidade pelo excesso de zelo.  Já os contos são muito bons. Têm uma linguagem fluida, uma boa amarração, além daquelas tensões internas que os contos devem ter. Ele não tinha a intenção de abarcar uma ideia inteira. Ele fazia o conto como o conto deve ser, isto é: mostrava escondendo.  A produção poética que o Fausto desenvolveu no período da juventude se perdeu? Edival Lourenço — Ele dizia que havia perdido. Mas acho que ele tinha vergonha de mostrar. Mas, no período de maturidade, ele teve mais prudência em compor sua obra. Começou a estudar crítica de prosa e poesia. Leu o livro do Gilberto Mendonça Teles, “Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro”. Leu os principais poetas modernos, Mallarmé, Baudelaire etc. O primeiro livro de poesia dele fui publicado em 1988? Edival Lourenço — Foi. Sob o título de “A Fonte do Sal”. Edival, é notória a incursão de Fausto Valle nos gêneros do conto, da poesia, da memorialística e do teatro (inclusive com peças escritas para teatro de mamulengo). Ele chegou a se aventurar pelo gênero do romance? Edival Lourenço — Não.  Cerca de quinze anos antes do falecimento, ele chegou a manifestar a vontade de escrever um romance. Mas, até onde eu sei, não levou adiante nenhum projeto nesse sentido. O tempo foi passando e ele foi se dando por satisfeito em escrever, principalmente, poemas e contos. Ele era um grande poeta e acho que foi também um ótimo contista. Seus contos são bem estruturados e não são pretensiosos. São histórias bem feitas e surpreendentes. Vocês poderiam falar do interesse do Fausto pela poesia oriental e pelo misticismo? Edival Lourenço — O fausto tinha uma certa precaução em falar do misticismo dele comigo. Sabendo da minha orientação ateísta, materialista – aliás, eu nem sei se, até certo ponto, esta é mesmo a minha orientação –, ele evitava tocar nesse assunto. Mas as tradições místicas tiveram muita influência sobre a obra (principalmente sobre a poesia) dele. Inclusive, ele pertencia à Loja Rosacruz. O João Bosco, que também é da Rosacruz, acompanhava o Fausto e pode falar melhor disso. João Bosco Carvalho Freire — A Loja que frequentávamos é aquela que fica na Vila Brasília (bairro da cidade de Aparecida de Goiânia, região metropolitana da capital).  É importante ressaltar que o Harvey Spencer Lewis (1883 – 1939), que fundou a primeira Loja Rosacruz nos Estados Unidos, absorveu e adaptou todas as tradições místicas, ocidentais e orientais, antigas e modernas. E, de certa forma, todo conhecimento esotérico que não é Rosacruz acaba indo parar nela. Ela é bem abrangente. Então, o tipo de busca que fazemos na Rosacruz é visionário. É uma busca por conhecer Deus nas profundezas de seu ser, de conhecer as maravilhas de Deus. E essas ordens não são secretas. Nem a maçonaria nem a Rosacruz – eu faço parte das duas. Elas são ordens privadas. Organizações secretas são proibidas por lei, inclusive. Edival Lourenço — Parte desse misticismo se refletiu nos momentos finais da vida do Fausto. Pouco antes de morrer, ele dizia acreditar que uma nova estação, um novo tempo estava se aproximando. Não sei se ele se referia a uma nova era tecnológica, ou um novo tempo de singularidade física. Mas, para ele, algo novo estava vindo. Ele acha que as pessoas já estavam começando a nascer com habilidades novas que ele, quando criança, não poderia nunca ter tido. [caption id="attachment_102988" align="aligncenter" width="620"] Editor do Opção Cultural, Cláudio Ribeiro, e o editor-chefe do Jornal Opção, Euler Belém, entrevistam Edival Lourenço e João Bosco de Carvalho Freire | Foto: Fernando Leite
[/caption] Vale ressaltar que a tradição poética sempre flertou com o misticismo. Dois casos emblemáticos podem ser citados: Fernando Pessoa e William Blake. João Bosco Carvalho Freire — Inclusive, o Fernando Pessoa foi Rosacruz. João Guimarães Rosa, também. No livro de poesias, “Magma” (1936), Guimarães Rosa faz referência aos “magos da Rosacruz”. Edival Lourenço — Em “Grande Sertão: Veredas”, também, há referências esotéricas, como ao tarô; personagens que são descritas cada uma correspondendo a uma carta do tarô etc. O Fausto foi, ao que parece, um grande crítico dos poetas de experimentalismo gráfico, apesar de não citar, explicitamente, os nomes dos irmãos Campos (Augusto e Haroldo) e de Décio Pignatari. Edival Lourenço — Ele defendia que a poesia não podia prescindir da palavra. Para o Fausto, a matéria prima da poesia era a palavra, a palavra é que precisava ser trabalhada. Experimentalismo visual, para ele, tinha que ficar restrito às artes plásticas e gráficas. Mas vale ressaltar que, apesar disso, o Fausto era muito ligado às modernas tecnologias. Ele foi a primeira pessoa a me apresentar um grupo de discussões de temas literários na internet, por meio do programa ICQ. Em um trecho do livro, o Fausto diz que, quando pensava em não mais escrever poemas, eles começaram a se remexer dentro dele. Edival, você que também é poeta, entende da mesma forma? Edival Lourenço — Sim. O poeta Ferreira Gullar dizia algo que sintetizava isso. Dizia ele que, para se escrever poesia, é preciso que o sujeito tenha um certo enlevo, um certo encantamento, um “espanto”, um estado de espírito. Para se fazer outro tipo de texto, basta que o sujeito tenha, conhecimento, habilidade e atitude. Mas com poesia é diferente; é necessário algo mais. E como o Fausto como pode ser classificado como poeta? Em qual corrente ele estaria vinculado? Está mais ligado ao Carlos Drummond de Andrade e ao Manuel Bandeira? Edival Lourenço — Talvez ele esteja mais na linha do Manuel Bandeira, só que mais contido. E ele tinha algum poeta ou escritor favorito? Edival Lourenço — Não. Eu não lembro de ele expressar abertamente uma preferência. Mas lembro de que o poeta americano Dylan Thomas era muito apreciado por ele. Mas não chegava a dizer que era “o melhor poeta”, para ele. João Bosco de Carvalho Freire — Uma pergunta inócua com ele era essa. Ele não dizia nunca quem era o melhor escritor ou o melhor poeta. De todos, ele buscava absorver alguma coisa. Mas, verdade seja dita, ele dizia que admirava muito o que o Edival Lourenço escrevia. Tinha no Edival um exemplo de grande escritor. Como era o Fausto leitor? Era muito crítico? Edival Lourenço — Ah, ele era muito crítico, sim. Na verdade, era muito exigente. Por várias vezes eu o ouvi comentar que havia muita gente que achava que fazer poesia consistia apenas em colocar uma palavrinha debaixo da outra, fazer uma rimazinha aqui, uma aliteração ali e pronto. Ele via muita gente começar na vida literária fazendo poesia, achando que poesia fosse mais fácil. Quando, para ele, era exatamente o contrário. A poesia, entre as artes da palavra, é a mais difícil. Outra coisa de que o Fausto reclama muito em suas memórias é dos concursos literários. Por que ele fazia essa crítica tão acirrada aos concursos? Edival Lourenço — O que acontece é o seguinte: os concursos são dados a premiar textos “engraçadinhos”, textos “modernosos”. O Fausto tinha um texto que não era assim. E, além disso, na minha opinião, grande parte dos concursos tem por feitio premiar escritores imaturos. Quando o escritor maduro perde o estímulo de querer inventar essas coisas mais modernas, mais “engraçadinhas”, naturalmente, ele também perde a possibilidade de ganhar concursos. Inclusive, eu acredito que, quando o sujeito percebe que chegou a um ponto em que deposita um pouco mais de confiança em seu texto, ele deve parar de concorrer nesses concursos que são destinados a iniciantes. Nós temos aqui em Goiás exemplos de contistas e poetas que passam a vida inteira ganhando concursos. E esse negócio de ficar sempre ganhando concursos indica que o texto deles ainda não está maduro; continua aquele tipo de texto “engraçadinho”. ***   Trechos do livro “No Meio de Tanto Graveto”: “Por que todo gênio há de sofrer? Porque não se ajusta à mediocridade que domina o mundo. Lembro-me de José Ingenieros que escreveu ‘El hombre mediocre’, fazendo sua apologia. O homem medíocre ‘vence’ na vida. Atenção mediocridade não tem nada a ver com falta de inteligência. Já vi muitos inteligentes medíocres. (Será que há medíocres muito inteligentes?). (Risos)” “Estive relendo meus contos. Definitivamente, a minha roça não é de contos. Não gostei. Não publicarei livro de contos. Se quiser, um dia, publicar contos, devo apurar a minha linguagem na prosa.” “Tenho pensado se a ojeriza por meus contos não advém da grande autocrítica de que me armo, quando leio o que escrevo. De qualquer modo, autocrítica ou não, esse sentimento é útil, porque não me deixa pensar que os meus escritos são a melhor coisa que já se fez.”  “Por oportuno, situo-me. Não me acho um grande poeta. Mas, por outro lado, levo muito a sério o ato de escrever poesia. Policio-me muito. O julgamento de meu trabalho não me cabe. Interessa-me somente o prazer de lidar com as palavras, tão honestamente quanto possa. Burilo meus versos à exaustão. (...) Não passo na prova com 10, mas consigo aprovação sem envergonhar o examinador (leitor).” “Há alguns dias, refiz um poema cinco vezes. Até que o deixei em uma forma definitiva (?), com 80% de versos a menos do que a primeira versão. Porém, do meu ponto de vista, muito mais significativo e ‘forte’. Mas é opinião minha. Ninguém mais leu o poema.” “As comissões julgadoras, com medo de serem tidas como retrógradas ou passadistas, ou isto e aquilo, vão na onda e fingem que entendem ginásticas semânticas de uns quantos e premiam o ‘gênio’”.

Goiânia Noise deu ao chato tudo que ele queria: o direito de gritar “toca Raul”

Primeira noite do festival de música independente deixou o roqueiro fã da metamorfose ambulante mais do que feliz ao homenagear um dos ícones do rock brasileiro

A vanguarda na Rua do Odéon

A livraria de Sylvia Beach tornou-se célebre, mas a de Adrienne Monnier, por alguma razão, ainda é pouco conhecida no Brasil. Vale lembrar que as duas tiveram um relacionamento amoroso e nunca foram rivais

Memórias de Fausto Valle são reunidas sob o título de “No Meio de Tanto Graveto”

Livro póstumo do escritor mineiro, radicado em Goiás, será lançado na sede da União Brasileira dos Escritores, Seção Goiás

Considerações sobre um estudo de Albertina Bertha e sobre o legado de Friedrich Nietzsche*

Não gosto de Nietzsche; tenho por ele ojeriza pessoal. Acuso-o, a ele e ao Esporte, como causadores do flagelo que vem sendo a guerra de 1914

Após anunciar pausa na carreira, O Rappa faz show de despedida em Goiânia

Única apresentação será no dia 7 de outubro no Centro Cultural Oscar Niemeyer 

“Fábula indigesta”

Por mais lúdica e simples que seja, a história de “Okja” nos mostra a cruel verdade que está aí para todos verem, mas à qual muitos viram a cabeça [caption id="attachment_102498" align="alignleft" width="620"] Cena do filme "Okja" (2017)[/caption] O novo filme do diretor sul-coreano Bong Joon-ho, "Okja", começou a gerar alardes antes mesmo de estrear. E as polêmicas que carrega têm a ver, basicamente, com uma expressão, utilizada em dois contextos diferentes: "distribuição em massa". A primeira questão surgiu no Festival de Cannes desse ano, no qual a obra concorria à Palma de Ouro. "Okja" é uma produção da rede de streaming Netflix, uma plataforma virtual que distribui suas produções de forma direta. Até o ano passado, era impossível encontrar uma produção original Netflix num cinema perto de você. Os críticos em geral e, posteriormente, a própria organização do evento passaram a questionar se um filme que não tem distribuição regular estaria apto a concorrer. Afinal, como premiar uma obra que não foi exibida em nenhum cinema?   Dessa vez, passou batido. Quando a logo da Netflix apareceu, pela primeira vez na história, na tela de exibição do Grande Teatro Lumière do Palácio de Festivais, a plateia vaiou. Mas o filme de Bong Joon-ho foi exibido mesmo assim, e aplaudido ao final. Concorreu, mas não levou nada. De todo modo, levantar essa questão quanto à forma de distribuição de uma obra audiovisual serviu para questionar a própria essência dos filmes e a sua função social. Afinal, se uma obra não é amplamente distribuída e de acesso fácil a qualquer pessoa do mundo, qual a sua serventia? Para quê produzir, se não se vai exibir? A quem é conveniente elitizar o acesso à produção cinematográfica? Enfim, acertados ou não, questionamentos pipocaram para todos os lados. Esse tipo de polêmica não estava nos planos do diretor Joon-ho. Mas, sem dúvida nenhuma, foi um excelente marketing para outro tipo de questionamento - esse sim, pensado cuidadosamente por ele na trama do filme. A segunda polêmica envolvendo "distribuição em massa". "Okja" é o nome de um superporco. "Superporco" é um animal geneticamente modificado, com a forma aproximada de um hipopótamo. Sua carne é comestível, mas com sabor ainda desconhecido (um dos personagens brinca, a certo ponto: "vamos torcer para que seja gostoso".) E é a principal esperança de grana fácil para a "Mirando Corporation", uma espécie de Friboi mundial. O filme começa com uma propaganda didática da Mirando, na qual a CEO Nancy Mirando (interpretada pela sempre competente Tilda Swinton) explica para seus investidores, jornalistas e a nós, espectadores, a premissa básica do produto - e do filme. O mundo passa por uma crise na produção de alimentos. O futuro é incerto. Com base nisso, a espécie humana precisa se virar para continuar sobrevivendo. A esperança surge quando a Mirando, uma empresa ambientalmente comprometida (ra-ram) encontra por acaso (ra-raaaam) uma espécie nova na natureza: os superporcos. Nancy então assume seu lado Silvio Santos e esclarece que a Mirando conseguiu reproduzir em cativeiro a nova espécie, resultando em 26 novos filhotes. Tais espécimes foram distribuídas a fazendeiros ambientalmente comprometidos do mundo inteiro. A partir daí, como uma espécie de Presidente Alma Coin, de Jogos Vorazes, Nancy declara aberta a competição na busca do melhor superporco do mundo. O resultado seria conhecido depois de 10 anos. "Okja" é o nome que recebeu o superporco distribuído à Coreia do Sul, ao pai de Mija (interpretada pela ótima Ahn Seo-Hyun). Dez anos depois, quando a Mirando retorna para buscar o animal, Mija e Okja não querem mais desgrudar uma da outra. E a garota vai ter que lutar para não se separar da sua melhor amiga. A estória é contada em forma de fábula. O que pode, num primeiro instante, desagradar aos que buscam um filme mais sério, de questionamento social profundo. Mas não se apresse: Okja não é um filme para crianças. Tudo bem que o roteiro, no geral, lembre um típico filme da Sessão da Tarde, com saídas meio óbvias de roteiro e um ritmo bastante previsível. A jornada do herói, descrita por Joseph Campbell em "O herói de mil faces", está ali o tempo todo, cumprindo requisitos básicos que Syd Field impõe em seu manual de roteiro. Temos a protagonista destemida, a vilã caricata (só faltou ter um bordão), os camaleões, os pícaros, mentores. Jake Gyllenhaal surge num exagerado papel secundário, Steve Yeun parece reprisar seu papel de Glenn em "The Walking Dead", Paul Dano aparece sóbrio, consistente, interpretando o que pediram para ele interpretar. Giancarlo Esposito tira os óculos, mas ainda não teve oportunidade de mostrar mais do que o já conhecido Gus Fring, de "Breaking Bad". Está tudo lá, mais ou menos repetido. A ponto de antevermos o que vai acontecer no final. O formato de fábula, entretanto, adiciona um elemento interessante. Remonta aos filmes de Hayao Miyazaki e outros mestres da animação japonesa. Não por acaso, "Okja" lembra bastante Totoro, o mascote dos Estúdios Ghibli e símbolo da obra de Miyazaki (Tilda Swinton e Bong são fãs confessos). A trupe que acompanha Mija em sua jornada também lembra bastante equipes como a de Cowboy Bebop, Gantz, Yu Yu Hakusho, ou até mesmo a atuação desastrada da "Rocket Team" de Pokémon. Esse clima de anime permeia toda a obra, em momentos de tensão e de reflexão. E reveste o questionamento mais profundo da obra: o sistema de produção e distribuição de alimentos no mundo. Não à toa, Otto Von Bismarck teria dito que ninguém dormiria à noite se soubesse como são feitas as leis e as salsichas. O diretor Bong declarou que escolheu um porco como animal protagonista da trama porque achou que seria o mais comumente associado a comida. Pessoas comuns vêem bichinhos apenas de duas formas: estimação ou alimentação. E o porco seria o campeão em alimentação, com todo o seu bacon, pernil, presunto, salsichas, linguiças e tudo mais. Toda a saga de Mija por tentar salvar sua doce Okja da eliminação redunda na negação completa do cruel sistema de produção. E da impotência em enfrentá-lo. O sistema é triste, é indigno, frio, cruel. E necessário, ao mesmo tempo. A luta contra ele deve ser racional, equilibrada. A crítica bem-humorada à militância radical e desequilibrada, inclusive, é mostrada em vários trechos. Mas a realidade é pesada. Por mais lúdica e simples que seja a história, nos mostra a cruel verdade que está aí para todos verem, mas à qual muitos viram a cabeça. Os campos de produção agropecuários talvez sejam o mais próximo de campos de concentração que jamais conheceremos - as referências também são claras na tela. O próprio Bong Joon-ho virou pescetariano (alimenta-se só de vegetais e peixes) após a conclusão da obra. Não há final feliz. Não há como passar incólume por todos esses tipos de questionamento. E ainda que a saída oferecida pelo roteiro pareça ser a melhor para todo mundo, os próprios personagens não parecem aceitá-la muito bem. O que sobra é um melancólico sorriso de Mona Lisa. Uma pequena dica: não perca a cena pós-créditos. O recado que fica é que a militância não está morta, a luta não pode acabar. Pensemos, todos nós, no tipo de alimento que queremos em nossas mesas, e na forma como ele chega lá. Equilíbrio e racionalidade são a chave de tudo. Assista ao trailer oficial de "Okja": https://www.youtube.com/watch?v=rMQ-sruQ8aA    

Novo DVD de Zé Henrique e Gabriel mostra tudo o que a dupla já teve e ainda tem a oferecer

A dupla já teve composições gravadas por estrelas como Zezé Di Camargo e Luciano, Bruno e Marrone, Daniel, Rionegro e Solimões, e Rick e Renner

José Saramago e suas personagens

Principal verbete do dicionário que trata das criações do autor português é sobre Jesus Cristo

Livro de historiador inglês retrata cinquenta plantas que mudaram o rumo da história mundial

Escolha de Bill Laws foi relevante, pois contempla plantas de significativa importância para a humanidade. Claro que uma lista brasileira incluiria, certamente, o pau-brasil, a mandioca e a bananeira. Mas a lista de Laws é universal e precisa

Uma Defesa do “Nonsense”

É significativo que no maior dos poemas religiosos, o Livro de Jó, o argumento que convence o descrente não é uma imagem da benevolência ordenada da criação; é, pelo contrário, uma imagem da sua enorme e indecifrável sem-razão

Chorinho retorna no próximo dia 18 ao Grande Hotel

Cada dia terá 3 atrações. Confira programação do retorno

Canto da Primavera 2017 tem data definida. Confira!

Evento será realizado novamente em duas fases e terá 30 apresentações de artistas e grupos goianos 

Professor Airton Veloso, uma vida de Melodia

Duas pérolas negras que se foram nesta semana. Os amo, meus Ébanos! [caption id="attachment_101647" align="alignleft" width="620"] Airton Veloso e Marcelo Brice[/caption] Marcelo Brice Especial para o Jornal Opção Dois peregrinos sábios dos enganos se foram. Dois negros, lindos e maravilhosos nos deixam mais só na nossa pobreza. Eu resisti em escrever um texto em homenagem e despedida ao Professor Airton Veloso, e hoje quando acordo, outra pérola negra se foi. O lamento é inevitável. O luto não é só pela morte, é pelos descaminhos, pelos auspícios fugidios do nosso tempo. A morte é o inevitável, que ela chegue, que nos leve dignamente é o mínimo que se espera. O problema maior é o desamparo que se anuncia às voltas da gente. Há uma alegria em ter compartilhado o mundo com eles. Professor Airton Veloso faz parte do mapa mental da minha memória ativa e é parte da vida de muitos. Todos nós temos professores em volta, principalmente em função da escola, mas a minha situação é mais grave: meu pai é professor, minha mãe, meu irmão, minha avó, minha tia, Takesi (vizinho falecido, grande professor de matemática, amigo, pai de outros grandes amigos, figura exemplar, mas pelo pavor à matemática eu só o chamava pelo nome, não de professor), o professor Airton e tantos outros professores por perto. Aprendi a me dar com a lida da educação em casa, mas, como santo de casa não faz milagre, valorizamos muito o “nosso” quando olhamos pela janela. Minha janela dava na casa do Professor Airton. Essa janela foi ampla e canalizou uma infinidade de afetos e respeito. Eu nunca o chamei pelo nome, simplesmente. Ele era o “professor”. Foi professor de História do meu pai, Reinado Assis Pantaleão, o Panta, ainda em 1967, no Colégio Pedro Gomes. Pensa nisso! E moramos do lado um do outro, nossas famílias, já por 25 anos. Professor Airton não pôde completar o curso de Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em função da perseguição política no primeiro momento do regime militar, o que foi agravado pelo preconceito racial; mineiro de Monte Carmelo, aprendeu ali a mediação com a espiritualidade; era um espírita, como no geral eles o são, sem a febre da conversão, nunca fez propaganda disso. Foi viver em Goiânia e foi ser professor de História, onde meu pai teve a sorte de topá-lo no caminho. Sabia de seu papel, negro, espírita e de esquerda. Ensinou muitos sobre a trajetória irregular, peculiar e opressora da história. Na ditadura militar qualquer vacilo era risco de vida. Ele sabia disso, participou da resistência e, embrenhado com os alunos, soube não cair. E contava histórias e histórias sobre meu pai, as reuniões no Bairro Popular (hoje Fama), em que eles por pouco não foram pegos. Esse cara foi professor de História da UFG, no antigo Colégio de Aplicação. Meu irmão foi aluno ali. Eu não o sabia em sala de aula, mas o tinha como “Professor”. Se interessava enormemente pela minha caminhada acadêmica. Me perguntava, contava histórias da época de seu mestrado, eu me sentia meio ridículo sendo doutor perto dele e de alguns outros. Somos famílias amigas. Nosso vizinho. Falávamos sobre as mudanças do Itatiaia. Me disse certa vez, num desses velórios da vida: “Marcelo, eu, Maria José, seu pai... só saímos do Itatiaia para cá”. Me deu um estalo, nesse mesmo velório, quando meu pai falava algo público em homenagem ao morto: “Seu pai diz que é ateu, pode até ser, mas no fundo ele é religioso, olha o sagrado pra ele...”. Depois que minha mãe faleceu, ele sempre dizia sobre e para minha irmã: “Ê Cejana... é difícil ser um cristal em meio a esses homens toscos, né?”. A gente ria. Mas era uma lição. Toda temporada de manga ele nos abastecia com as frutinhas. Gostava de cachorros, não muito de gatos. Como toda família de classe média em bairro da periferia da cidade, os irmãos brigavam escandalosamente, quando jovens. Nós três de cá e os quatro deles; mas ninguém nunca interferiu ou deixou de ser doce e apoiador um com outro. Isso é outra lição. Tudo regado pelo humor. Relações também tecidas pelo futebol de golzinho no fim de tarde, na rua. Professor Airton escreveu um livro sobre a história das linhagens da excêntrica e pacata Monte Carmelo (a foto é de quando ele me deu esse livro, lá em casa). Me comprometi a dar um exemplar a outro amigo da profundamente mineira Monte Carmelo. Ele me perguntava o que ele tinha achado, eu não sabia. Os dois espíritas que se comunicassem, eu pensava. Aposentado, varria a calçada. Isso era bom de ver e era um momento do dia que o encontro sempre rendia uma prosa. Antes, já findada a relação com a sala de aula, concluiu o curso de Direito e foi trabalhar em Brasília como assessor jurídico. E me dizia: “Seu pai tem que pedir indenização do Estado, eu pedi, porque fui impedido de seguir meu caminho, ele foi mais ativo naquele momento e não pede”. E eu: “É, Professor, ele não se sente bem, porque têm muitos caras, diferentes de vocês, que se aproveitam disso e que, pior, hoje são rapinas do Estado em sua atividade de puxa-saquismo dos poderosos”. Ele discordava do não pedido. E sempre íntegro e coerente, doce, e muito bem-humorado. Conversava semanalmente sobre política com meu pai e eu ouvia, palpitava. Uma vez, num almoço de domingo, impliquei com uma posição do meu pai, e ele, na mesa de casa, me repreendeu corretamente: “Marcelo, seu pai pode pensar como quiser. Não fique tentando consertar alguém mais velho”. Outra lição. Mas era só porque eu nunca os acho velhos. Eu os sinto próximos de mim, e eu, ainda, sou jovem. Numa ocasião da adolescência, aconteceu algo fundamental. O Itatiaia sofria com alguns assaltantes – nessa época só queriam levar alguma coisinha das casas e assustar todo mundo, hoje o perigo é muito maior, porque não são vizinhos do bairro, mas gangues dispostas a matar. Enfim, numa noite de fim de semana, um ladrão de pequena monta tentou pular numa casa vazia, mas errou o alvo e foi visto por outras pessoas que estavam na área. Logo, toda a vizinhança estava atenta, as crianças ouriçadas, os meninos achando que era uma batalha e, antes do desenlace, o encaminhamento foi a lição mais forte em meu peito. Meu pai gritou forte para o vizinho: “Mestre Airton, você tá vendo o rapaz aí tentando pular o muro, tá em cima do telhado?”. Professor Airton responde, em alto som: “Tô vendo só uma parte da perna, Panta...”. Meu pai: “Tô armado, mas não vejo, atira que tá na sua mira...”. E então o Professor Airton: “Vou atirar!”. Era o mais puro “caô”. Isso fez com que o ladrão, desesperado, saísse da moita, pulasse rapidamente para outra área, já povoada, e fosse preso sem levar risco para a comunidade das Ruas 18 e 17 da “República do Itatiaia”. Depois disso, eu e seu filho mais novo, o Vinícius, adolescentes, nos “preparávamos” para ser “seguranças” da rua, quando os dois viajavam para ministrar aulas por aí. Nota importante para os desavisados: não havia armas e somos contra a liberação delas – a política de pacificação social passa por outras questões. Essas lições e tantas outras lembranças me acompanharão. Os vínculos, o afeto, a relação prudente, de comunhão e respeito, nas diferenças e na ação me deixam o recado de alguma esperança. Precisamos nos encontrar pessoalmente, politicamente, na vivência, como encontramos o Professor Airton. Daí virá um mundo. Os bebês nascem, a vida se renova, mas estamos constantemente semeados, que seja por pessoas boas, que façam nossa saudade operar algo no presente, para o futuro. Esta semana, duas pérolas negras. Os amo, meus Ébanos! Marcelo Brice é doutor em Sociologia pela UFG e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT).