Contraponto
Perguntas para o senhor ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, diante do assalto em Goiás a três carros fortes e da morte de três vigilantes, trabalhadores e arrimos de família: 1) De que vale o Estatuto do Desarmamento que V. Excia. defende? Os bandidos portavam armas do mais grosso calibre militar. 2) O governo de V. Excia. é contra o encarceramento. Se forem presos, verá V.Excia, os bandidos são reincidentes ou foragidos. Se estivessem devidamente presos, teria ocorrido a carnificina? 3) O governo de V. Excia. premiou famílias de terroristas, assaltantes de bancos, assalariados de ditaduras, com indenizações milionárias. As famílias desses trabalhadores ficam no desamparo. É justo isso? 4) Não pensa V. Excia. que a política de direitos humanos do governo, muito voltada para os marginais, de alguma forma estimula essas ações ousadas?
A pantomima do (im)possível assassinato de Jango não acaba, mesmo após a comissão de exumação ter atestado que não encontrou traços de veneno. “Não encontrou, mas pode ter sido envenenado mesmo assim”, bradam a esquerda hidrófoba e a família do ex-presidente que não deixou marcas positivas na história. Houvesse algum indício, Jango teria sido envenenado. Como não há, ainda assim pode tê-lo sido. Para que, então, a exumação? Jango, cardiopata, fumante, beberrão, sedentário e de maus hábitos alimentares, durou muito, até que seu coração falhasse de vez, como os que com ele conviviam sabem muito bem.

[caption id="attachment_22018" align="aligncenter" width="620"] Foto: Claudio Fachel/Palácio Piratini[/caption]
O governador do Rio Grande do Sul, o petista Tarso Genro, no dia 25 de novembro, publicou na UOL um artigo, cujo título, já por si um artigo. É: “Irada com derrota, oposição pode favorecer invenção de um Berlusconi caboclo”.
Pareceu-me, pelo veneno das linhas e entrelinhas, que Tarso é quem está irado com a derrota exemplar que conseguiu conquistar a duras penas, perdendo a reeleição para o governo gaúcho. A duras penas, digo, porque se há algo difícil, quase impossível no Brasil, é quem está no poder perder uma reeleição majoritária. Aliás, em qualquer lugar do mundo. Tarso conseguiu a façanha.
A exemplo de outro petista, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, Tarso está indignado com as oposições, que classifica ora “de direita”, ora de “neoliberais”, coisas, no seu (dele) entender, piores do que xingar a mãe.
Indignado porque as oposições estão explorando a roubalheira do Petrolão, coisa que, interpretado seu artigo, seria normal e corriqueira na empresa, tanto assim que já havia sido denunciada por Paulo Francis. Essa exploração, ainda segundo seu artigo, pode levar a uma instabilidade política tal que gere um futuro presidente com as características de Berlusconi, o caricato ex-primeiro-ministro italiano. Menos, Tarso, menos.
O que deve mesmo nos preocupar não é um Berlusconi, mas um Hugo Chávez. Um Berlusconi ainda daria para suportar, pois, mesmo com todos os seus defeitos, o italiano não desorganizou a economia de seu país e nem atentou contra a democracia. Já um Hugo Chávez...
Tarso termina sua diatribe pedindo a Dilma que nomeie logo seus ministros, pelo republicanismo democrático. Hum... Tarso jamais acreditou em repúblicas democráticas, exceto aquelas cujo modelo é Cuba. E quanto a esse seu pedido: “Presidente, nomeie logo seus ministros fundamentais...” me pareceu que nele bradava uma oração oculta: “e eu entre eles”. Esperemos que não.

[caption id="attachment_22017" align="aligncenter" width="620"] Marcio Thomaz Bastos: morto, o advogado de parte da cleptocracia tropical virou santo em artigos e reportagens publicados nos jornais | Foto: Nelson Jr./SCO/STF[/caption]
“Mas sabe o senhor por que somos sempre mais justos e mais generosos para com os mortos? A razão é simples: para com eles não existe obrigação.” [“A Queda”, de Albert Camus]Não faz muito tempo, faleceu entre nós de uma figura pública de comportamento discutível, que costumava receber críticas bastante ácidas da imprensa. A surpresa veio no dia mesmo do enterro: uma unanimidade de elogios, na mesma imprensa. Cheguei a comentar, aqui mesmo na coluna, que às vezes no Brasil é mais confortável estar morto do que vivo (falava, é mais que evidente, do conforto moral). Essa é uma característica nossa, é mais uma jabuticaba: a morte redunda numa imediata beatificação e o velório já é palco da canonização do de cujus, de uma maneira quase geral. A história agora se repete, superlativamente. Morto na semana passada, o advogado e político Marcio Thomaz Bastos foi alvo deste comportamento à exaustão. Noventa e nove por cento dos necrológios impressos, televisivos e irradiados exaltavam a figura do falecido com os mais positivos adjetivos. Tornou-se, da noite em que ainda vivia, para o dia em que morreu, um Pai da Pátria, um Varão de Plutarco. Pouquíssimos os que, muito timidamente disseram algum “não é bem assim”. Não faz bem à história esse comportamento abertamente condescendente. E não só a ela, história, que é passado. Tampouco faz bem ao futuro, que pede exemplos, e onde, para se usar figura bem atual de retórica, há sempre uma estiagem de exemplos a serem seguidos. Maquiagem dos fatos reais, eis uma farsa. Voltaire dizia que aos vivos devemos respeito, e aos mortos devemos verdade. Não conheci pessoalmente Marcio Thomaz Bastos. Falei com ele ao telefone por duas vezes, ainda no final da década de 1970. Foi interessante: um amigo de São Paulo, honesto, mas temperamental, reagiu a uma ofensa agredindo severamente uma pessoa em local público. Foi preso em flagrante, respondia a processo e necessitava de um bom advogado. Era um homem de posses. Pediu-me para falar com Bastos, já conhecido como um dos melhores e mais caros criminalistas da Pauliceia, que ele não conhecia. Ponderei que também não o conhecia, mas ele insistiu: Marcio Thomaz Bastos dava-se muita importância, tinha vasta clientela e talvez não o atendesse. Já eu, era um ex-governador... Diante de sua insistência, liguei para Bastos, e expus a questão. A resposta foi que, sim, a causa lhe interessava, e custaria um determinado valor. Pediu uma resposta em 24 horas. Com a concordância de meu amigo, voltei a ligar no dia seguinte. Para minha surpresa, Bastos me comunicou que não prosseguiria na negociação, pois havia combinado defender... a parte contrária. Ficou-me uma má impressão, de um leilão entre dois possíveis clientes em litígio. Lembrei-me do fato quando vi sua nomeação para ministro da Justiça de Lula, e muitas vezes critiquei aqui sua atuação na vida pública. Não concordo com as louvações que recebeu quando de seu falecimento precoce, logo lamentável. Concordo que foi arguto, inteligente, conhecedor como pouquíssimos dos meandros da advocacia criminal. Chegou, nos últimos tempos, a ser chamado de “God” pelos advogados dos mensaleiros, tal a sua proeminência entre os colegas, reverentes ao seu preparo e inteligência. Talvez devesse — e poderia fazê-lo — selecionar um pouco melhor sua clientela, por critérios outros que não o do saldo bancário. Usaria melhor sua inteligência. Mas não é questão que nos diga respeito; diz respeito apenas a ele e ao Criador, a quem deve, nesta hora, prestar contas. Não quero, pois, me referir ao advogado, mas ao homem público, ao ministro e petista. A verdade é que foi figura central para que a impunidade, ainda que em parte, prevalecesse no mensalão. A sua tese do “caixa dois de campanha”, se não triunfou sobre a tese de roubo escancarado foi apenas devido à pertinácia de Joaquim Barbosa. Mas a cúpula petista, ao contrário dos empresários envolvidos, embora todos igualmente culpados, já está fora das grades, e até fazendo suas viagens de recreio, disfarçadas de trabalho. Em grande parte agradece a Marcio Thomaz Bastos por isso. O célebre advogado foi ainda figura central em evitar o impedimento de Lula, que parecia inevitável. Bastos foi quem, com Antônio Palocci, convenceu Fernando Henrique Cardoso a se acovardar e fazer recuar a oposição, que já se aprestava a requerer um impeachment. A continuidade do petismo, assim obtida, até hoje nos estiola como brasileiros. Vide o Petrolão, escândalo símbolo dessa continuidade. O desarmamento dos corretos, a omissão do desarmamento dos bandidos e o desrespeito ao resultado do referendo sobre o desarmamento tiveram também o concurso firme de Marcio Thomaz Bastos. O resultado, para o Brasil está à vista: mais de 50 mil assassinatos por ano, uma população inerme, a marginalidade superconfiante, ciente de que o governo fez o favor de desarmar suas vítimas. A tentativa — felizmente fracassada — de transformar a Polícia Federal em polícia política também pode ser creditada a Bastos. Nossa fraca memória não traz à tona as operações espetaculosas, sempre com a presença de uma televisão escolhida a dedo, “prendendo ricos pela primeira vez na história deste país”. A maioria dessas prisões em nada redundou, a não ser espetáculos e jactância de Lula. Sigamos Voltaire: a morte não pode elidir a verdade.
Muito em silêncio, o governo brasileiro está financiando a hidrelétrica de Tumarin, na Nicarágua, governada pelo “bolivariano” Daniel Ortega. Teria sido montado um “esquema” por Lula, beneficiando politicamente Ortega e economicamente a construtora Queiroz Galvão, que faria a obra, cujo valor é bilionário (em dólares). Benefício de uns, prejuízo de outros. Nós brasileiros saímos perdendo: lá se vai nosso dinheiro da Eletrobrás e do BNDES, para não mais voltar, e continuamos com nossas térmicas caras e poluentes ligadas, enquanto a Nicarágua desliga as suas.

[caption id="attachment_20915" align="aligncenter" width="620"] Dilma Rousseff: no governo da presidente, montaram um processo corrupto na Petrobrás
Foto: Roberto Stuckert Filho / PR[/caption]
Surrealismo no governo: a presidente da República, Dilma Rousseff, ficou em Brisbane, na Austrália (após uma vilegiatura em Qatar), enquanto o incêndio na Petrobrás ia se alastrando.
Não existem mais dúvidas de que foi montada uma estrutura muito sofisticada para saquear a maior empresa brasileira. É fora de questão também que a estrutura era dirigida por elementos da diretoria da Petrobrás e elementos de cúpula dos partidos do governo.
A operação consistia em:
1) Fixar propina na assinatura de contratos de grandes empresas com a Petrobrás — Nível I (altos dirigentes políticos, diretores da Petrobrás e das empreiteiras).
2) Colher as quantias desviadas e passá-las por empresas de fachada, muitas vezes no exterior — Nível II (doleiros e elementos partidários).
3) Efetuar a distribuição para parlamentares e outras autoridades, ressalvadas as comissões dos operadores — Nível III (ainda doleiros, dirigentes partidários e congressistas).
O nível de sofisticação, os montantes desviados, além de indícios nas providências de governo relativas ao prosseguimento das obras objeto dos saques torna impossível na prática que o governo desconhecesse os desvios. Eles se tornaram metódicos, há anos.
[caption id="attachment_21441" align="alignright" width="250"] José Eduardo Cardozo: o Salvador Dalí da política brasileira (Elza Fiuza /Agência Brasil)[/caption]
Surrealista a entrevista coletiva do ministro da Justiça na semana passada. Comentando a Operação Lava Jato, da Polícia Federal, que investiga o esquema, José Eduardo Cardozo mostrava-se muito irritado. Surpreendentemente, não com o que se faz na Petrobrás, e com os ladrões lá refestelados. Irritava-se com a oposição, que estaria tirando proveito do acontecido, politizando-o, e fazendo dele um terceiro turno eleitoral, no seu entender e do governo. É próprio do governo fazer de conta que não é com ele.
Quando não alega desconhecimento (o velho “eu não sabia”), a culpa é sempre alheia, mesmo que não exista quem culpar. Surrealismo.
O próprio ministro da Justiça já havia declarado, tempos atrás, que preferia a morte ao encarceramento nas péssimas prisões brasileiras, como se não fosse ele próprio o responsável pelo estado dessas prisões.
A presidente, ainda mais surrealista, diante do descalabro na Petrobrás, bate no peito, alegando orgulho por ter seu governo descoberto os desvios, como se não fossem a Justiça e a Polícia Federal, agindo independentemente e contra a má vontade do governo os responsáveis pela descoberta. E se os atos criminosos não tivessem sido praticados por elementos do seu governo, e de sua confiança. Sem falar nos indícios veementes de que tudo era de seu conhecimento, e no fato de que ela, ex-ministra de Minas e Energia e da Casa Civil, era a presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, no auge da roubalheira.
[caption id="attachment_21438" align="alignleft" width="200"] Janio de Freitas escreveu artigo antidemocrático contra policiais federais[/caption]
Todos precisamos da boa informação. Afinal, é ela que nos dá elementos para fazermos nossas escolhas políticas, econômicas e sociais. Não ter informação nos faz votar mal, buscar o trabalho errado, aplicar mal nosso dinheiro e até comprar algo inútil ou buscar a diversão diferente da que queríamos. No universo do jornalismo político, tenho um critério para bem me informar: procuro o jornalista isento na informação, aquele que não dá pistas de sua preferência pessoal, aquele que o espectador não sabe em quem votará.
Exemplos televisivos: Renata Lo Prete e Gerson Camarotti. Eliane Cantanhede, no passado algo encantada com alguns petistas não lá muito recomendáveis, como José Dirceu e Celso Amorim, tem se mostrado uma profissional amadurecida, além de sempre ter sido uma articulista arguta e inteligente. Pena que foi demitida da “Folha de S. Paulo”, por razões econômicas, segundo o jornal. Melhor para a “Folha” teria sido demitir Janio de Freitas, que mais desinforma que informa. Mas ao que parece o salário de Eliane e de Fernando Rodrigues, outro bom jornalista demitido, seriam naturalmente bem maiores que os ganhos de Janio.
Janio de Freitas no dia 19 do mês passado criticava o Tribunal Superior Eleitoral pela proibição na campanha passada da exibição de entrevistados apoiando afirmações críticas feitas por candidatos. Julgava antidemocrático, e estava certo. Já no dia 16 de novembro último, investia contra delegados da Polícia Federal que haviam, em suas redes sociais privadas, manifestado sua preferência contra o PT. Defendia a investigação que o ministro da Justiça abrira contra eles. Antidemocrático e contraditório, por parte do jornalista, que não consegue esconder em quem vota.
Uma das (poucas) vantagens que adquirimos atingindo a senectude, digamos assim, é a de conferir aos acontecimentos uma certa previsibilidade. As coisas acontecidas, testemunhadas ou de alguma forma remota conhecidas, vão se acumulando, até restar, para acontecer, não muita coisa absolutamente nova ou espantosa no universo humano. Fora o que é tecnológico, logo de alguma forma descartável, pouca coisa tida como novidade costuma ocorrer sob o sol ou nas caladas. Uma sonda espacial que pousa em um cometa é um feito, um acontecimento. Mas as paixões humanas não mudam. Uma de minhas mais remotas lembranças é de 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Meu pai mostrava a um amigo uma fotografia, numa revista ou jornal, não me lembro bem, de um homem muito magro, que parecia dormir, sentado em uma cadeira. Meu pai falava revoltado sobre o castigo que merecia quem fazia aquilo. Perguntei se o homem estava dormindo e ele me respondeu que não. Estava morto. De fome. Tinham deixado que ele morresse de fome. “Quem deixou?”, perguntei. “Hitler”, respondeu meu pai, embora esse nome nada dissesse a um garoto de 8 anos, que eu era então. Mas foi um impacto saber que alguém faria outro morrer de fome, e logo de fome, algo tão ruim, que as mães evitavam que nós experimentássemos por uma hora sequer. Só tempos depois fui saber que se tratava de foto de um prisioneiro, judeu provavelmente, morto de inanição num dos campos de concentração tomados pelos aliados. Nada há de novidade, nas guerras que hoje fazem tremer o Oriente Médio: se não fazem morrer de fome alguns inimigos, hoje podem degolá-los em público. Pouco ou nada muda, nas relações humanas. Apenas o retrato no jornal, impresso meses após ter sido revelado, é substituído hoje pela imagem quase instantânea que o satélite transmite para nosso computador. A Alemanha, com enorme capacidade de soerguimento, construiu, depois da destruição da Segunda Guerra, uma das democracias mais ricas e socialmente justas da Terra. E não foi fácil, pois apenas um quarto de século atrás ainda estava dividida, e a metáfora da divisão era o Muro de Berlim, atrás do qual outros Hitlers ainda subjugavam e infligiam sofrimento a boa parte dos alemães. Se a Alemanha deve a si mesma a reconstrução e o alto padrão econômico e social que seu povo hoje ostenta, o mundo deve a ela a mais cabal demonstração de fracasso do sistema comunista de governo, que provocou não só a liberdade alemã, mas o efeito dominó em todo o Leste Europeu e a desmoralização comunista no mundo. Nada mais devastador para o comunismo do que comparar a marcha das duas Alemanhas: a Ocidental, saída da ditadura nazista para a democracia, pujante, cada vez mais próspera e livre, proporcionando à sua população bens materiais em abundância, educação e saúde no mais alto grau. A Oriental, que havia apenas trocado a ditadura hitlerista por sua irmã stalinista, autoritária, estagnada, desabastecida, coagida pelos órgãos de espionagem interna, policialesca, cada vez mais atrasada e soturna. Dois modelos. E ainda existe quem prefira o segundo. A queda do Muro de Berlim, que completou 25 anos, deveria ser comemorada mundialmente.

[caption id="attachment_20858" align="alignright" width="620"] Rafael Correa, Evo Moraes, Nicolás Maduro e Dilma Rousseff: os presidentes do Equador, da Bolívia, da Venezuela e do Brasil querem implantar uma Federação das Repúblicas Bolivarianas | Fotos: Juan Madromata/AFP, Javier Soriano/AFP, Agência EFE e Roosewelt Pinheiro/ABR[/caption]
O progresso do homem sobre a Terra começa pelo aprendizado da natureza, registrando fenômenos naturais úteis para o alimento e a proteção. No campo físico, aprendeu a dominar o fogo e a pedra lascada, 2 milhões de anos atrás; há 10 mil anos a pedra polida e há 3 mil os metais. Hoje, envia uma sonda a Marte, uma ação muito mais complexa, mas que apenas agrega um número incomensurável de experiências, que ele acumulou na evolução humana.
No campo social, as coisas correm muito mais lentamente, para nossa infelicidade. O homem não acumulou, no mesmo grau, o que experimentou. O filósofo alemão Hegel dizia mesmo que povos e governos nada aprendiam com a história ou com a experiência. Há algum exagero. Foi também com a experiência que se conseguiram as melhores condições de governo, de convivência, de educação, de saúde, que hoje ostentam os países mais adiantados. O Brasil não está entre eles, e precisa de um modelo de sociedade, para escapar dos graves problemas que enfrenta nos campos social, político e econômico. Estudar as experiências alheias pode poupar o tempo que às vezes se perde com experiências próprias malsucedidas.
Uma definição elementar em economia diz que os fatores de produção são terra, capital e trabalho. Não há teoria marxista que mostre algo diferente: é a lei da natureza. Populismo nunca enriqueceu nação nenhuma; o que enriquece é a produção. É saber juntar recursos naturais, capital e trabalho com eficiência e correção. O Brasil tem recursos naturais e força de trabalho. Capital sobra hoje no mundo, buscando segurança e rentabilidade. Se propiciarmos isso, vão sobrar aqui recursos para investir.
O que falta para progredirmos, como tanto queremos? Antes de tudo, definir um modelo de organização pública e social, e não vou sugerir o dos EUA. Não quero deixar mais irritados do que já estão os esquerdistas fiéis que me leem. Nem mesmo vou sugerir o Canadá. Afinal, os canadenses têm muita parecença com os odiados americanos. Mas que tal a Alemanha? Ou a Suécia? Ainda não. A formação social destes países difere muito da nossa. Afinal, somos latinos. Fiquemos então com Itália ou França. Por que não debruçarmos sobre a estrutura de governo, o planejamento, a educação, a saúde, as leis, o judiciário, o funcionamento do legislativo, o sistema penal destes países? Por que não decifrar suas regras econômicas? Por que não estudá-los e saber o que podemos aproveitar?
Mas tudo isso é para formular a pergunta de outra forma: o que pode nos ensinar o atual modelo político e econômico da Venezuela? Ou da Argentina? Ou ainda da Bolívia, da Guatemala, do Equador ou da Nicarágua, para não dizer de Cuba? Pois ao que parece esses são e serão, ao menos pelos próximos quatro anos, o nosso paradigma, em vez de França e Itália. Governo e PT marcham nesse rumo. Veem a Venezuela à frente da Itália, e a Bolívia, melhor que a França. Formou-se, na América Latina, como que uma Federação das Repúblicas Bolivarianas, e o Brasil caminha para dela fazer parte.
São duas as afirmações comprováveis: que se formou, ainda que informalmente, a FRB; e que o Brasil, por seu governo, quer entrar em sua composição, só não fazendo porque nossas instituições ainda reagem. Que esses países “bolivarianos” agem em uníssono, e obedecem à pauta do Foro de São Paulo, é desnecessário demonstrar. Basta ver a solidariedade entre eles e a unidade dos modelos: estatização da economia, domínio do Legislativo, submissão do Judiciário, reeleição indefinida de presidentes (para isso torcendo as constituições), censura econômica e institucional da imprensa, prisão de oposicionistas, ataque permanente aos EUA, solidariedade a ditaduras (principalmente Cuba). O Paraguai escapou quando apeou do poder o célebre bispo Fernando Lugo, e o Uruguai, seguindo a personalidade de seu presidente, não sabe se está ou não na FRB.
Uma louvável exceção a esse estado de loucura institucional coletiva reside no Chile. Apesar da sucessão de governos de esquerda, os chilenos mantiveram as reformas na economia e na previdência que herdaram da ditadura. Conservam essas conquistas, endossam apenas na retórica o bolivarianismo, não embarcaram no furado Mercosul, preferindo a inteligência da Aliança do Pacífico. Não admira que vivam uma tranquila situação socioeconômica. Negar a existência, pois, ainda que não formal da Federação das Repúblicas Bolivarianas (FRB) não é só ignorância: é cinismo.
Vamos à segunda afirmação: o Brasil, pela vontade da presidente Dilma Rousseff, do PT e principalmente do exército de “esquerdistas revolucionários” muito presentes no partido e no governo, está com um pé na FRB. É claro que boa parcela da imprensa, parte honesta e otimista, parte alinhada com o petismo por convicção ou ligada ao governo pelo dinheiro, procura negar essa verdade. Mas a estatização da economia sempre esteve na pauta petista. Foi preciso que se anunciasse um grande vexame na Copa, para que alguns aeroportos fossem privatizados, ainda que envergonhadamente.
Tarso Genro, governando os gaúchos, reverteu a privatização das estradas estaduais, fazendo despencar sua qualidade e segurança. O Legislativo submeteu-se pelo dinheiro do Mensalão e agora do Petrolão. Tem sido muito obediente ao governo, nestes 12 anos. Aprovou quase tudo o que Lula e Dilma pretendiam e esvaziou as CPI mais incômodas. Rebelou-se (e aqui falo de nossas instituições mais fortes que as dos vizinhos) apenas em dois grandes temas, nos quais, se o governo e o PT tivessem logrado êxito, já faríamos parte da FRB: na censura à imprensa, tentada desde 2004, com a criação do Conselho Federal de Jornalismo, e na criação dos “conselhos populares”, versão verde e amarela dos sovietes que deram musculatura a Lênin. Mas não foi só a fortaleza das instituições que serviu de freio.
O Congresso tem horror a duas coisas: perder poder (e teria que o cedê-lo aos “conselhos populares”, obviamente dirigidos por governo e PT) e desagradar a imprensa. O domínio do Judiciário é uma das metas evidentes do governo e do petismo. A preocupação cresceu após Joaquim Barbosa e o Mensalão. Um ministro do Supremo (Gilmar Mendes) chegou a dar o alerta, com todas as letras: “Corremos o risco de uma corte bolivariana”. Não fala sem base. O nome mais falado para a vaga de Barbosa é o do ministro da Justiça, cuja credencial maior para o cargo reside no “companheirismo”. Não se pode esperar que o Senado venha a frear a indicação de “companheiros” para as próximas vagas, como esperam alguns, honestos e otimistas. O Senado nunca faz isso. Faria agora, dominado pelo governo? A reeleição indefinida ainda não se tentou por aqui. Nem mesmo o terceiro mandato, embora de certa forma Dilma tenha representado uma prorrogação dos mandatos lulistas.
O PT não precisou do terceiro (e outros) mandatos ou ainda não se achou forte para esse teste em nossas instituições. Uma das facetas mais preocupantes do “bolivarianismo” está na censura à imprensa. Desde aquele longínquo 2004 em que se tentou criar o CFJ (Conselho Federal de Jornalismo) até na semana passada, quando o PT emitiu uma nota que não esconde sua tendência totalitária, e a presidente reeleita manifestou seu apoio. Nessa nota o partido investe contra monopólios e oligopólios da imprensa, deixando claríssimo que pretende fazer aqui o que já se fez ou ainda se faz na Argentina, na Bolívia no Equador, na Venezuela. A nota só falta dizer com todas as letras que o PT vai fulminar a Rede Globo. Está claro nas legíveis entrelinhas. Tal nota muito se parece com aquelas saídas do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), e publicadas aqui no clandestino jornal “Voz Operária”, financiado por Moscou na Guerra Fria.
Ainda não se prendem opositores no Brasil, mas são sempre sujeitos ao linchamento moral, com auxílio da imprensa alinhada. Os deputados Marcos Feliciano e Jair Bolsonaro são exemplos, ainda que maciçamente vitoriosos nas urnas. Como eles, sofrem esse linchamento alguns jornalistas, por mais sérios e competentes que sejam como a apresentadora Rachel Sheherazade e os colunistas Demétrio Magnoli e Reinaldo Azevedo.
Se o governo não prende (ainda) opositores, nem por isso deixa de se acumpliciar com os bolivarianos nesse crime. O senador boliviano Roger Pinto Molina que o diga. A solidariedade a ditaduras fica para outro dia. É assunto enorme, até porque se liga à solidariedade com os próprios “bolivarianos”, para quem o governo petista tem entregado boa parte dos recursos pagos em impostos pelo povo brasileiro. Não podemos nos descuidar.
Totalitaristas sempre se valeram de confiantes e otimistas. E os “bolivarianos” já nos veem como sócios do clube. Encorajado pela simpatia brasileira, um ministro venezuelano aqui esteve dias atrás estabelecendo parceria com os marginais do MST, para “ações revolucionárias”, sem sequer contato com o Itamaraty.
Naturalmente, já se julga em casa. Afastemo-nos enquanto é tempo do” bolivarianismo”. Como diz o jornalista Ruy Fabiano, “nada temos com Simón Bolivar, que é herói de outro mundo, forjado numa mitologia política que não nos diz respeito”.
[caption id="attachment_20256" align="alignright" width="120"] Gilmar Mendes: um nome que sinaliza para um Supremo independente (Foto: Fellipe Sampaio/ SCO/STF)[/caption]
Surgiu a notícia de que ministros dos tribunais superiores estariam se movimentando para a aprovação do projeto de emenda constitucional que altera a idade de aposentadoria compulsória dos magistrados, de 70 para 75 anos. A chamada PEC da Bengala (PEC 475/2005), de autoria do senador Pedro Simon, aprovada no Senado em 2005, dorme em alguma gaveta da Câmara dos Deputados, pela vontade que tem o governo de nomear novos ministros, principalmente os do Supremo Tribunal Federal.
Motorizam a movimentação dos ministros três razões: uma política, e louvável, uma natural, e indiscutível, e uma pessoal, e compreensível.
A razão política seria a de impedir que o governo, vale dizer, o PT, aparelhe por completo a Suprema Corte e demais tribunais superiores, fazendo com que eles diminuam sua importância e respeitabilidade, com a designação de ministros escolhidos mais por critérios políticos do que éticos e jurídicos.
A razão louvável: o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, deu no dia 3 deste mês surpreendente e esclarecedora entrevista a respeito. A razão natural seria ligada ao aumento da expectativa de vida, que saltou nos últimos anos. A Constituição de 1934, que introduziu a aposentadoria compulsória para o servidor público, falava em 75 anos. A expectativa de vida no Brasil era em volta dos 45 anos. A Constituição de 1937, quando a expectativa de vida estava no mesmo patamar, baixou a idade máxima no serviço público para 68 anos. A
Constituição de 1946 (quando a expectativa de vida ainda andava na casa dos 40 anos) a fixou em 70 anos, número que ainda hoje vigora. Agora, o brasileiro vive em média 73 anos. É indiscutível, pois, que os limites fixados em lei para aposentadoria involuntária estão arcaicos. Devem ser revistos.
E existe por fim a razão pessoal, compreensível: é a de que estes magistrados, sentindo-se vigorosos, lúcidos e úteis, relutam em uma retirada que, se por um lado os remunera no ócio, permitindo até que tenham outra atividade, por outro lado traz um sentimento de inutilidade e desimportância.
Existem de fato dois Brasis. Um que Lula da Silva (PT) garante ter descoberto e que o ventríloquo da presidente, João Santana, aperfeiçoou. É o Brasil maravilhoso, das obras concluídas e funcionando, da saúde e educação normais, baixa violência, onde a corrupção é apenas uma maldosa invenção da revista “Veja”, e onde o governo conduz com imensa eficiência a economia, mesmo atacada pela “crise externa”. O outro Brasil, o real onde realmente vivemos, mostra sua cara imediatamente após as eleições: os juros sobem, o déficit público é o maior da história, a balança comercial degringola e o PIB persegue o zero. E esperem o tarifaço para combustíveis, energia elétrica, etc. Mas pelo menos o “decreto bolivariano” que espírito terrorista redivivo da presidente exumou vai para o lixo. A corrupção inexistente, inventada pela imprensa golpista parece ter assustado um petista graúdo: O “inocente” José Vaccari Netto, substituto de Delúbio Soares na tesouraria do PT, está se afastando do conselho de Itaipu, uma sinecura de milhares de reais por mês. Inocente como se diz, nas roubalheiras da Petrobrás, apoiado pela presidente, deveria ter se mantido no cargo. Sérgio Machado, presidente da Transpetro, também sai. Exigência dos auditores independentes.
Houve, sem qualquer apoio da grande imprensa, no dia 31 de outubro passado, uma solenidade comemorativa dos 70 anos do envio da Força Expedicionária Brasileira (FEB) à Itália. Aconteceu no Monumento aos Pracinhas, no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Única força sul-americana a participar do combate ao nazismo, era talvez a menos preparada e equipada para uma guerra, de todas as que compunham as tropas aliadas. Além disso, lutava num clima totalmente diverso daquele que conhecia. Contudo, cumpriu seu dever, realizou todas as tarefas que lhe foram confiadas. Ombreou com o exército mais rico e bem aparelhado que existia — o dos EUA — e lutou contra o mais fanático e de melhor armamento no mundo, o alemão. Olhados com desconfiança pelos americanos e ingleses a princípio, vistos como caipiras, os brasileiros haviam se tornado soldados e oficiais respeitados quando a guerra acabou. Nas comemorações pelos 60 anos do fim da guerra, na Normandia, em 2005, o governo brasileiro, isto é, Lula da Silva, não compareceu. Na cerimônia da semana passada, ao que parece, não compareceram nem Dilma Rousseff, nem Celso Amorim, ministro da Defesa, nem Enzo Perri, comandante do Exército. Um tapa na cara dos 25.334 brasileiros que lutaram na Europa, e uma cusparada nos 467 que morreram em combate e foram enterrados em Pistóia.
Para a presidente Dilma Rousseff, Marco Aurélio Garcia e Rui Falcão, é de matar de inveja. Rafael Correa, o ditadorzinho do Equador, tem sua ditadura praticamente consolidada nesta semana, sempre usando a democracia para chegar lá. Paulatinamente aparelhou o Judiciário, até torná-lo obediente às suas ordens. Perseguiu a oposição até fazê-la, usando sua própria falta de combatividade, inexpressiva. Rafael Correa dominou totalmente o Legislativo. Perseguiu a imprensa livre, faliu empresas de comunicação e tornou todo o sistema equatoriano de divulgação em uma imprensa oficial. Elegeu-se, reelegeu-se e conseguiu torcer a constituição para um terceiro mandato. Agora, tal como na Venezuela, está prestes a alterar novamente a constituição, permitindo a reeleição sem limites.
Brasília está grávida do rumor de que Jaques Wagner será o novo presidente da Petrobrás. A ser verdade, nossa governanta será mais teimosa do que aparenta, e ainda mais do que contam seus auxiliares mais próximos, sujeitos às suas constantes trovoadas. Não terá ela nada aprendido de bom como nada terá esquecido de ruim de seu passado a serviço de Marx. Jaques Wagner tem exatamente o perfil oposto àquele que a Petrobrás de hoje, cambaleante, roubada, descapitalizada, mal gerida, exige. A Petrobrás precisa de um técnico competente, conhecedor do setor petrolífero, e não de um político-sindicalista, como é o ex-governador da Bahia. Afinal, foram dois político-sindicalistas que geriram (?) no passado a empresa, e foi em sua gestão que ela desceu ladeira abaixo: José Eduardo Dutra e José Sérgio Gabrielli. A Petrobrás está a pedir alguém atuante, dinâmico, e não dizem isso de Jaques Wagner. Sequer terminou seu curso de engenharia, que abandonou pelo meio, e no governo da Bahia ficou famoso pelas vezes que viajou para fora do Estado, para o exterior inclusive. Finalmente, o novo presidente há que exibir uma honestidade exemplar e cobrá-la dos companheiros de direção. Nesse quesito não ouvi restrições a Jaques Wagner. Mas não seria o suficiente. Eu diria mesmo que a presidência da empresa, se a presidente Dilma Rousseff quiser que ela ganhe a confiança indispensável para enfrentar os desafios administrativos, policiais e econômicos que estão por vir, não poderia ser entregue a um político. Muito menos a um político “companheiro” e próximo dos ameaçados de comparecer em breve ao interior das prisões.