Por Irapuan Costa Junior

[caption id="attachment_25807" align="alignnone" width="620"] Ministro das Comunicações do Brasil, Ricardo Berzoini, Adolf Hitler e Stálin: o primeiro é um personagem menor da história, mas quer o mesmo que os outros dois — o controle da imprensa[/caption]
O filósofo Alexandre Koyré (1892-1964) nasceu em Taganrog, a mesma aldeia russa de Anton Tchekhov, e viveu na Alemanha, na França e nos Estados Unidos, onde se refugiou durante a Segunda Guerra (era judeu). Quando leu, na década de 1920, o livro “Mein Kampf” (“Minha Luta”), que Adolf Hitler havia escrito na prisão de Landsberg, se escandalizou: todos os horrores que o nazismo viria a praticar no futuro estavam ali anunciados com todas as letras, mas poucos atentaram nas promessas tirânicas e se preocuparam em evitar que passassem do terreno das ideias para o dos fatos irreversíveis.
O filósofo classificaria a desfaçatez com que Hitler, publicamente, prometia aniquilar os judeus, ocupar a União Soviética e dominar a Europa como “conspiração à luz do dia”. Era um alerta que o mal enviava ao bem, mas que, como tantos outros, foi ignorado, com todas as tristes consequências conhecidas.
Estamos, nós brasileiros também, contemplando uma “conspiração à luz do dia”, e já são passados dez anos. O alerta, ainda tímido, precisa de amplificadores. “Antes que o mal cresça, corte-se-lhe a cabeça”, diz o ditado. Acertado ditado. Cortar cabeça de males grandes, além de difícil, é arriscado. A parte mais radical do petismo, que recusa sepultura ao cadáver do marxismo e que vê no “bolivarianismo” — tão “bem” sucedido na Venezuela — sua ressurreição, cultiva com verdadeira obsessão a ideia da censura à imprensa.
Quando imaginamos que possam os integrantes desse núcleo mais empedernido, os saudosistas do stalinismo, os “esquerdistas radicais” aos quais não é estranha a própria presidente da República, ter se esquecido dessa perigosa ambição, e desistido de concretizá-la, vemos que eles já voltam à carga. E voltam com renovada energia, como se almejassem algo normal, benfazejo, útil à sociedade, quando se trata justamente do contrário. Os porta-vozes dos credos totalitários não costumam esconder suas ideias. Afinal julgam-se arautos de organizações superiores da sociedade, que prometem elevar a patamares mais igualitários, justos e prósperos (como aconteceu em Cuba, por exemplo).
O último acontecimento dessa conspiração está aí à vista de todos — sem dúvida mais um episódio da “conspiração à luz do dia” contra a liberdade de informação, pois é disso que falamos: o “camarada” Ricardo Berzoini, bastante conhecido por nunca desmentir suas posições atrasadas de esquerda, tanto que já foi rebatizado de “Berzoniev” por alguns setores da imprensa, acaba de ser nomeado ministro das Comunicações.
E quais são suas primeiras declarações? De que o governo promoverá a “regulação econômica da mídia”, que devem ser evitados “monopólios e oligopólios”, que inicialmente não cuidar-se-á de regular o conteúdo (atenção para o advérbio “inicialmente” que mostra claramente a intenção de censurar a imprensa), que o governo preparará um projeto de lei, que promoverá debates “com participação popular, de preferência”.
O recado de Berzoini está tão claro quanto o livro de Hitler: o PT pretende fragmentar as grandes organizações, como a Rede Globo, proibir a “posse cruzada” — rádios, televisões e jornais de uma mesma empresa —, vai elaborar projeto de lei, convocando a “participação popular”, que significa pedir apoio às organizações dominadas pelo petismo mais radical, e apenas inicialmente não pretende efetuar a censura direta, de conteúdo, ficando subentendido que isso virá logo depois.
Subtende-se também, e nunca disso duvidamos, o apoio da presidente da República às medidas. Para isso, ela nomeou Berzoini. Suas declarações foram imediatas. Não concordasse a presidente com elas, e Berzoini teria sido chamado às falas e teria feito um desmentido, tal como ocorreu, de maneira humilhante, com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e suas pretensas e natimortas mudanças no cálculo do salário mínimo.
Mas isso já era esperado, e havia sido revelado em reportagem da “Folha de S. Paulo” em 28 de maio do ano passado, pelos jornalistas Valdo Cruz e Andreia Sadi. Dilma havia se comprometido com os radicais petistas a ceder, no segundo mandato, se conquistado, e apoiar algum tipo de censura.
Só para lembrar: Berzoini está desde o início na raiz das tentativas petistas de censurar a imprensa. A primeira tentativa efetiva de controle das redações tem as impressões digitais de “Berzoniev”. Deu-se logo após o correspondente americano Larry Rohter, do “New York Times”, em maio de 2004, ter feito reportagem em que mencionava a prodigalidade com que Lula entornava seus copos de bebida (alcoólica).
Como nos lembramos, o jornalista chegou a ser expulso, embora a medida tenha sido revogada. Três meses depois chegava no Congresso o projeto de lei nº 3985/2004, que criava o Conselho Federal de Jornalismo, visivelmente voltado para a censura da imprensa. A origem era o Ministério do Trabalho, e a exposição de motivos era assinada exatamente por Ricardo Berzoini, que se sabia acolitado por Franklin Martins, ex-terrorista, sequestrador, radical de esquerda e também ministro petista.
O Congresso, embora dominado pelo governo petista, teve o bom senso (e a coragem) de rejeitar o absurdo, ainda em 2004. Mas não houve trégua, por parte dos mais radicais, e nem haverá, está claro. Não só o partido, em seus encontros, não abandona o tema, e inclui em suas resoluções sua disposição de implantar a censura, ainda que esconda esse desejo em eufemismos, como “marco regulatório da mídia”, como figuras importantes do mesmo PT estão sempre doutrinando pela aceitação das medidas.
Frei Betto, Tarso Genro, Rui Falcão e outros que professam o credo encarnado não se fazem de rogados, quando o assunto é “regular a mídia” ou regulamentar os artigos 220 e 221 da Constituição Federal. Lula, embora não seja um radical de esquerda (como sê-lo, acumulando fortuna, adquirindo apartamento tríplex e dando sempre preferência, quando se hospeda, às suítes mais caras dos mais caros hotéis?), talvez para agradar, dentro de sua astúcia, esses radicais, tem defendido com ardor essas medidas de futura censura à imprensa.
O fato, tomando por empréstimo as palavras do “filósofo da ciência” Alexandre Koyré, é que a “conspiração à luz do dia” dos radicais petistas continua com o mesmo ímpeto com que nasceu, 12 anos atrás. Os revezes não injetaram desânimo naquelas hostes. Eles sabem encarar suas derrotas como temporárias tão bem como sabem tornar definitivas suas vitórias. Assim procederam seus colegas, sempre.
Na Venezuela, Hugo Chávez não se preocupou com as derrotas em suas tentativas de institucionalizar a ditadura, via de reeleições sucessivas. Quando obteve uma vitória, esta foi para sempre. Os exemplos de sujigamento da imprensa estão à vista do petismo, pois foram obtidas pelos companheiros “bolivarianos” na Venezuela, no Equador, na Bolívia e quase chegam a seu termo na Argentina. Por isso insistem nela, ainda que nossas instituições, mais sólidas, resistam.
Thomas Jefferson disse certa vez, sobre a censura à imprensa: “Se eu pudesse escolher entre um governo sem jornais ou jornais sem governo, não hesitaria em escolher o último”.
[caption id="attachment_25063" align="alignleft" width="620"] Mário César Flores: o ex-ministro da Marinha percebe que argumentos da Comissão Nacional da Verdade servem para “incriminar” a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula da Silva no caso da corrupção na Petrobrás | Foto: Solan Soares[/caption]
O almirante da reserva Mário César Flores é um dos mais qualificados intelectuais brasileiros vivos. O leitor deve se lembrar dele por ter sido ministro da Marinha no governo Fernando Collor. Foi também ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos no governo Itamar Franco. Flores publicou, que eu saiba, sete livros sobre defesa e poder militar. Talvez tenha escrito outros. Cidadão educadíssimo, além de inteligente e culto, mesmo na reserva não seria dispensado de prestar serviço a nenhum governo, se não existisse enorme preconceito contra os militares. Preconceito que vem desde que Fernando Henrique Cardoso, a esquerda, chegou ao governo. É uma pena, pois quem perde, ao deixá-lo na prateleira, é o Brasil.
Do alto de seus 83 anos, Mário Cesar Flores, dono de uma lucidez invejável, de um raciocínio tão preciso quanto arguto e de muita experiência, seria melhor ministro da Defesa que qualquer um dos que já ocuparam a pasta. Ou do Planejamento, ou de outra meia dúzia de ministérios, hoje nas mãos de nulidades absolutas.
Ninguém na imprensa ou na oposição percebeu, mas não passou batido para Mário César Flores: a Comissão Nacional da Verdade responsabilizou integralmente Lula e Dilma por toda a roubalheira da Petrobrás. Responsabilidade mesmo, condizente com as penas da lei. Explico, ou melhor, o almirante Flores explica: a dita Comissão Nacional da Verdade, em seu relatório, responsabilizou os ex-presidentes do regime militar por todos os excessos cometidos pela repressão contra presos políticos. Responsabilizou também os ministros militares da época, bem como os comandantes dos Exércitos e de unidades militares onde podem ter ocorrido violações de direitos humanos. No entender da tal Comissão essas autoridades são responsáveis por tais crimes, pelo fato de ocuparem postos mais altos na cadeia de comando em que foram cometidos. Ainda no entender dos “brilhantes” membros da Comissão essa posição na hierarquia os faz, irretorquivelmente, culpados. O recurso ao “eu não sabia” é integralmente repelido pela dita Comissão Nacional da Verdade.
A seguir, pois, os critérios da Comissão, Lula e Dilma respondem pela roubalheira da Petrobrás, como presidentes da República. Há ainda o agravante de Dilma ter ocupado a presidência do conselho de administração da Petrobrás, e ambos, Lula e Dilma, terem como próximos, quase de casa, elementos-chave nos desvios de dinheiro público, como Paulo Roberto Costa. Metaforicamente, na interpretação da dita Comissão Nacional da Verdade, a “tortura” a que foi submetida a Petrobrás pela “ditadura” petista instalada no país, tem Lula e Dilma como responsáveis iniludíveis. Responsáveis “político-administrativos”, como presidentes. Dilma mais responsável ainda, pois chefiou um dos “centros de tortura” onde foi vitimada a Petrobrás: o conselho de administração da empresa. E Lula e Dilma conviveram, fraternalmente com os “torturadores” Paulo Roberto Costa, José Sergio Gabrielli e Renato Duque, entre outros.
A qualidade de Joaquim Levy é útil para esconder falta de qualidade de ministros
Esvaiu-se muito rapidamente o sentimento de alívio com a escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda. A meritocracia na formação do novo ministério virou fumaça com o anúncio dos 13 ministros da segunda leva. O critério é o mesmo dos governos anteriores: loteamento da Esplanada dos Ministérios entre os partidos que dão apoio ao governo, sem a menor preocupação (que poderia facilmente ser exercida) com a identidade e a capacidade dos ministros em relação às pastas que ocuparão. A presidente Dilma Rousseff poderia, sim, exercer seu “governo de coalizão”, mas diminuindo os prejuízos dessa prática fisiológica com a exigência de que os partidos “coligados” apontassem nomes adequados, técnica e eticamente, para as pastas a serem preenchidas. É impossível que não existam esses nomes; apenas não são convenientes para a prática política atual, que acaba redundando em escândalos. Dilma e Lula parecem não aprender nada de bom e nem esquecer nada de mau. Ao que parece, nem a Dilma do segundo mandato aprendeu com a Dilma do primeiro. E lições não faltaram, o que não diz muito de bom sobre a inteligência da aluna. Tomemos um exemplo de como as coisas pioram no quintal governista: Aldo Rebelo será o novo ministro de Ciência e Tecnologia. Se no ministério anterior um Edison Lobão, por exemplo, nada possuía no curriculum que o ligasse à pasta de Minas e Energia, que ocupou por indicação do PMDB (leia-se José Sarney), no atual, um Aldo Rebelo ostenta sérios predicados que o contraindicam para a pasta de Ciência e Tecnologia, que vai ocupar por indicação do PCdoB. Uma imprensa livre nos faz lembrar de fatos como esses: Aldo Rebelo, como deputado, foi autor de projeto contra o uso de computadores no serviço público, pois poderiam “eliminar postos de serviço” na burocracia estatal; pretendia “dar cidadania brasileira” à jaqueira, quando se sabe que essa árvore é natural da Índia; pretendia proibir o uso das palavras imperialistas como “computador” e “mouse”, que deveriam, obrigatoriamente dar lugar, respectivamente, a “ordenador” e “rato” em nosso vernáculo; confessa-se “devoto do materialismo dialético como ciência da natureza”, e não acredita que exista influência humana no aquecimento global, vendo nos movimentos de preservação ambiental “um movimento internacional que é uma cabeça de ponte do imperialismo”. [caption id="attachment_25064" align="alignright" width="300"]

Em tempo de reatamento de relações entre Cuba e Estados Unidos, vale a pena ler o livro “À Espera de Neve em Havana”, um relato pungente e de alta qualidade literária de um menino cubano que foi obrigado a sair de seu país e imigrar para outra nação, e sem os pais
[caption id="attachment_24062" align="alignright" width="620"] Carlos Lamarca: o capitão do Exército desertou e, aliado a esquerdistas, contribuiu para matar pessoas inocentes.
Resultado: foi valorizado pelos governos da esquerda
Foto: Wikipédia[/caption]
Verdades sobre a dita Comissão Nacional da Verdade: todas as “verdades” que a Comissão Nacional da Verdade vem de proclamar por meio de seu relatório publicado no presente mês, já eram esperadas, desde o dia em que se instalava com pompa a dita cuja, mais de dois anos atrás. Não há surpresas. São “verdades” sabidas — e contestadas — antes mesmo de seu levantamento (melhor seria dizer de seu “preparo”) e sua publicação. O relatório é um ovo de réptil, jamais um ovo de pássaro. As afirmações dele constantes, feitas de encomenda para inculpar os militares e desculpar os terroristas, não podem ser tomadas como verdades, pura e simplesmente. Quando muito serão meias verdades, e o que há de positivo nelas — como a condenação das torturas e da subtração às famílias de desaparecidos do direito de sepultar seus mortos — perde muito do valor, pela omissão dos crimes do terrorismo, que a comissão escondeu. Se as “verdades” do relatório não podem ser tomadas inteiramente como tal, as verdades abaixo enunciadas não poderão ser contestadas. Se alguém provar que alguma delas merece desmentido, caro leitor, vou me penitenciar.
Verdade 1
Embora criada pela Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011, que, conforme seu artigo 6º, exige o respeito à Lei de Anistia, a dita Comissão Nacional da Verdade, em seu relatório, propõe que se ignore essa anistia, mas apenas para os agentes do Estado (vale dizer, para os militares), mantendo integralmente seus benefícios para os terroristas. Mesmo que a validade da Lei de Anistia tenha sido até reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal (em abril de 2010), ainda que a anistia seja hoje além de benefício legal (Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979) e também tenha sido incorporada à Constituição pela Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985, o relatório da dita Comissão da Verdade nega todo esse aparato legal, já na segunda recomendação das 29 que faz: “[2] Determinação, pelos órgãos competentes, da responsabilidade jurídica — criminal, civil e administrativa — dos agentes públicos que deram causa às graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado pela CNV, afastando-se em relação a esses agentes, a aplicação dos dispositivos concessivos de anistia inscritos nos artigos da Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979, e em outras disposições constitucionais e legais.”Verdade 2
Nenhum dos componentes da dita Comissão Nacional da Verdade é figura de respeito geral da nação por serviços prestados ou por elevadas qualidades culturais ou morais; têm como característica a identidade com o pensamento de esquerda. Isso não os deixa isentos para um exame de conflitos (armados, principalmente) entre esquerdistas e militares, durante os anos de vigência do regime militar. Não há entre os membros da dita Comissão, por exemplo, um ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, ou um membro das Academias Brasileiras de Letras ou de Ciências. Não está ali presente nenhum historiador de renome. São apenas figuras apagadas da burocracia, do academicismo ou da política menor. Falta-lhes pois, além do conhecimento, a grandeza, que em geral vem acompanhada da visão mais larga, da seriedade e da isenção que a tarefa exigia. [caption id="attachment_24063" align="alignright" width="333"]
Verdade 3
Mesmo acionada por terceiros inocentemente envolvidos nos fatos que deveria apurar, a dita Comissão da Verdade evitou que fossem responsabilizados terroristas vivos ou mortos, mesmo diante de claras evidências de violação de direitos humanos. Citemos um exemplo — apenas um, de muitos — dos fatos graves de violação desses direitos promovidos por terroristas e ignorados deliberadamente pela CNV, como foi relatado por Cardênio Jaime Filho: em 2 de setembro de 1971, um comando terrorista assaltou a Casa de Saúde Dr. Eiras, em Botafogo, no Rio de Janeiro, para roubar o dinheiro do pagamento dos funcionários. Os terroristas buscavam fundos para a luta armada, que suas organizações articularam a mando de Cuba, cujo regime sonhavam importar para o Brasil. Chegaram atirando, e mataram no ato três vigilantes, entre eles o pai de Cardênio. Só nessa operação, a luta armada deixou 22 órfãos, de famílias pobres, que jamais tiveram, como têm muitos terroristas ou seus familiares, dinheiro das “bolsas ditadura” distribuídas com prodigalidade pelos governos de esquerda. Cardênio procurou recentemente, segundo relatou ao jornal “O Globo”, a dita Comissão Nacional da Verdade, buscando uma tardia reparação, ainda que fosse apenas moral, para a família. Ouviu que a Comissão não tomaria conhecimento do assassinato de seu pai, pois só cuidava de casos em que militares e policiais eram culpados. Os terroristas já haviam sido julgados e condenados. Mas Cardênio tinha o nome de todos (eram 11), que nunca haviam sido incomodados. Dois ainda eram vivos, e um tinha até uma sinecura na Câmara dos Deputados. Nem assim foi ouvido. Mandaram-no catar coquinhos, ou lamber sabão, ou ainda pentear macacos, sei lá. “Grande” Comissão Nacional da Verdade. Vale lembrar que até o diretor da ONG Human Rights Watch, o chileno José Miguel Vivanco, alguém que jamais poderá ser chamado de direitista ou simpatizante de militares, disse à “Folha de S. Paulo”, no dia 14 deste mês, que a Comissão Nacional de Verdade erra, e adota dois pesos e duas medidas, ao investigar os militares e esconder os terroristas, no apurar abusos aos direitos humanos.Verdade 4
O relatório da dita Comissão Nacional da Verdade menciona detalhadamente 434 mortes e desaparecimentos que considera promovidos por agentes do Estado, quase todos entre as organizações de esquerda que inauguraram a luta armada. Mesmo os que morreram fora do Brasil ou que se suicidaram, como os que morreram em combate, com armas na mão, têm suas mortes debitadas aos agentes do Estado, o que para a CNV significa os militares. Até em homicídios praticados por pistoleiros, em conflitos de terras, a dita Comissão Nacional da Verdade vê responsabilidade dos militares. Há no relatório uma descrição detalhada da vida de cada um desses militantes. Nem um dos cerca de 120 mortos pelas esquerdas, na maioria inocentes, apolíticos, sem credo ideológico, foi sequer mencionado. Os mortos pela esquerda brava não mereceram indenizações ou apoio. Suas famílias foram ignoradas. Nem sequer tiveram uma menção ou memória da dita Comissão Nacional de Verdade. Não sendo de esquerda, nada do que lhes foi feito, por mais cruel que tenha sido, foi classificado como “grave violação dos direitos humanos”. São brasileiros de segunda classe, e nem merecem lágrimas, para os membros da dita Comissão Nacional da Verdade.Verdade 5
Ao citar o presidente Ernesto Geisel, no relatório, como “responsável político-institucional” por violações de direitos humanos, a dita Comissão Nacional da Verdade apenas mostra sua ojeriza aos militares. Mesmo militantes de esquerda mais equilibrados, inteligentes e isentos, veem em Geisel o presidente que em primeiro lugar eliminou a tortura dos porões do regime, e em segundo lugar promoveu a volta à democracia plena. Geisel teve a coragem de enfrentar a parte mais extremada de seus colegas de farda, e demitir o comandante do II Exército, Ednardo D’Ávila Mello, quando constatou a prática de tortura, contrariando suas determinações, nas dependências de unidade sob seu comando. Foi ele também quem demitiu o ministro do Exército, Sylvio Frota, que se insurgia contra a abertura e dava cobertura aos “duros” do regime, únicos que poderiam ter responsabilidade em excessos no combate ao terrorismo, dentro dos quartéis.
O Estatuto do Desarmamento é cúmplice dos bandidos, colocando-os em situação de superioridade armada, dando a eles confiança e favorecendo a situação de insegurança em que se vive

[caption id="attachment_22683" align="alignleft" width="620"] O romance “Oblómov”, de Ivan Gontchárov, mostra o parasitismo da vida da nobreza da Rússia no século 19 / Foto: The Guardian[/caption]
O que é a boa literatura? Impossível dizer. A sensação literária, aquela que nos atinge o espírito quando lemos, é por demais subjetiva para admitir uma classificação. O leitor pode gostar de “Harry Potter”, da autora inglesa J. K. Rowling, e eu posso preferir “O Sítio do Pica-Pau Amarelo”, de Monteiro Lobato. Muitos (a vendagem comprova) acham Paulo Coelho um grande escritor, enquanto outros tantos não conseguem sequer lê-lo. Para cada um, boa literatura é a que lhe deixa na consciência uma impressão mais profunda, que lhe transmite as imagens que o autor tentou deixar claras no papel. É aquela que dá uma sacudidela de satisfação quando uma cena bem descrita lhe toca num ponto sensível; é aquela que volta à lembrança tempos após terminada a leitura e fechado o livro.
Se é fácil definir o que é a boa literatura para um indivíduo, difícil, senão impossível, é defini-la de uma maneira geral. Poder-se-ia dizer, o que seria até certo ponto aceitável, que boa literatura é aquela que persistiu através dos tempos e varou a barreira de seu idioma de origem. Se afirmamos que “Guerra e Paz”, de Liev Tólstoi, “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, ou “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, de Goethe, são bons livros, provavelmente não seremos desmentidos. A produção de Shakespeare é considerada boa literatura, quase que por unanimidade.
A busca dessa boa literatura, objeto da crítica literária e das premiações, é um exercício de boa vontade, mas não muito mais que isso. Muitos livros e autores, elogiados e premiados, não resistem a poucos anos e a uma ou duas tiragens, enquanto alguns outros, menosprezados a princípio, acabam por se impor e persistir. A maior dessas premiações, o Prêmio Nobel não deixa de ser uma busca por boa literatura, não por ação de um crítico, mas por ação de um conjunto deles, todos de alto nível: os membros da Academia Sueca.
O Nobel busca destacar os autores (não os livros) cujas obras já têm uma aceitação e permanência no tempo passado, e que no seu entender, poderão continuar a tê-las no tempo futuro. O Nobel comete erros, humano que é, mas faz também seus acertos. Desde que instituído, em 1900, para ser outorgado a partir de 1901, premiou pouco mais de uma centena de autores pelo mundo, na esmagadora maioria (cerca de 80%) europeus. Os franceses são campeões, com 14 premiações, seguidos dos alemães com 9, ingleses e americanos com 8 prêmios cada.
Interessante é que os americanos só conquistaram seu primeiro Nobel em 1930, 30 anos após sua criação, com Sinclair Lewis. E William Faulkner, que desde os anos 1920 já o merecia (escreveu “Paga de Soldado” em 1926), só foi contemplado em 1949. Em língua portuguesa, apenas José Saramago foi lembrado pelos suecos, e poucos poderão discordar de que melhor seria ter buscado Fernando Pessoa. A América do Sul é um deserto de prêmios Nobel. Espanha ou Polônia (cinco vezes cada uma) foram mais premiadas que todo o subcontinente em conjunto: dois prêmios para o Chile (Gabriela Mistral e Pablo Neruda), um para a Colômbia (Gabriel García Márquez) e um para o Peru (Mario Vargas Llosa). Os russos acumularam apenas cinco prêmios Nobel, o que é pouco, para a literatura mais pujante de todo o século XIX e começo do século XX.
Como o Nobel só contempla escritores vivos, russos como Gógol, Puchkin, Dostoiévski e Turguêniev, todos expoentes literários reconhecidos, cada um merecedor de seu Nobel, ficaram de fora, pois já eram falecidos quando o prêmio começou a ser conferido. Mas Tchekhov (que faleceu em 1904) e Tolstói (que morreu em 1910) seriam indiscutíveis, tivessem sido escolhidos pela Academia Sueca, que os preteriu. A ignorância totalitária soviética, principalmente sob Stálin, sufocou a melhor literatura do mundo. Como hoje se sabe, Stálin pretendia dirigir pessoalmente o trabalho dos escritores soviéticos. Só conseguiu anulá-los, ou fisicamente, mandando fuzilá-los se não obedeciam, ou intelectualmente, fazendo com que obedecessem suas diretrizes literárias.
O primeiro Nobel russo, Ivan Bunin (1933), era um exilado em Paris. O vigor da literatura russa vai muito além dos superautores que citamos acima. Menos lido, embora traduzido no Brasil, Ivan Gontcharóv (1812-1891) é autor, entre outras obras, de um magnífico clássico que marcou a literatura russa na época, e teve influência considerável no pensamento de então. O romance “Oblómov”, publicado em 1859, atravessou as fronteiras e foi traduzido nas línguas mais faladas do Globo. Conta a história de um aristocrata russo, cujo nome dá o título do livro, íntegro mas apático, honesto mas displicente e desestimulado com a própria existência, que vê vazia e sem sentido. É enganado pelos comerciantes, pelos empregados e pelos amigos inescrupulosos, vendo se esvaírem as rendas de sua propriedade rural, que nunca visita.
Em oposição a ele, há seu amigo Stolz, plebeu de origem alemã, homem de caráter, dinâmico, empreendedor, que faz fortuna com seu trabalho. Stolz tenta tirar Oblómov do marasmo e do descuido em que vive, cuida de suas finanças, tenta enfim salvá-lo de si mesmo. Oblómov tem uma centelha de reação ao conhecer a bela Olga Sergueiévna, por quem se apaixona, mas isso dura pouco, e ele volta à letargia displicente de sempre, enquanto Stolz acaba por se casar com Olga, sob a total indiferença de Oblómov, que ao fim, suprema indolência, casa-se com a criada, que dele cuida com desvelo, e segue até a morte abominando a vida.
Se “Oblómov” é um romance atraente, de fácil leitura, é também uma crítica ao parasitismo da nobreza russa e ao sistema econômico dos czares. Ao confrontar a letargia de Oblómov com o dinamismo de Stolz, Ivan Gontcharóv não fez mais que tecer sua crítica a um sistema econômico burocrático e semifeudal. Compara, contrastando personagens, a apatia da nobreza russa e a vontade empreendedora da sociedade industrial alemã, em franco desenvolvimento à época em que Oblómov era escrito. Dá uma mensagem de esperança no amor, que pode operar regeneração, se correspondido.
O romance de Gontcharóv penetrou fundo na sociedade russa, já quase madura para contestar o czarismo. O substantivo oblomovismo foi criado para significar displicência ou apatia, e incorporou-se à língua russa.
Reflexos de Oblómov chegaram até Goiás. O livro foi traduzido em 1966 pelo mineiro Francisco Inácio Peixoto, já falecido (Edições O Cruzeiro). Em 2001 surgiu outra tradução, agora assinada por Juliana Borges (Germinal). Só que, ao que parece, a segunda tradução era um plágio da primeira, conforme alerta lançado pelo professor Anselmo Pessoa, da Universidade Federal de Goiás ao jornalista Euler de França Belém. Euler, cotejando as duas traduções, concordou com o mestre Anselmo: haviam coincidências demais, e até nos erros das duas traduções. Tradutores da primeira estão nos tribunais contra os tradutores da segunda edição.
Perguntas para o senhor ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, diante do assalto em Goiás a três carros fortes e da morte de três vigilantes, trabalhadores e arrimos de família: 1) De que vale o Estatuto do Desarmamento que V. Excia. defende? Os bandidos portavam armas do mais grosso calibre militar. 2) O governo de V. Excia. é contra o encarceramento. Se forem presos, verá V.Excia, os bandidos são reincidentes ou foragidos. Se estivessem devidamente presos, teria ocorrido a carnificina? 3) O governo de V. Excia. premiou famílias de terroristas, assaltantes de bancos, assalariados de ditaduras, com indenizações milionárias. As famílias desses trabalhadores ficam no desamparo. É justo isso? 4) Não pensa V. Excia. que a política de direitos humanos do governo, muito voltada para os marginais, de alguma forma estimula essas ações ousadas?
A pantomima do (im)possível assassinato de Jango não acaba, mesmo após a comissão de exumação ter atestado que não encontrou traços de veneno. “Não encontrou, mas pode ter sido envenenado mesmo assim”, bradam a esquerda hidrófoba e a família do ex-presidente que não deixou marcas positivas na história. Houvesse algum indício, Jango teria sido envenenado. Como não há, ainda assim pode tê-lo sido. Para que, então, a exumação? Jango, cardiopata, fumante, beberrão, sedentário e de maus hábitos alimentares, durou muito, até que seu coração falhasse de vez, como os que com ele conviviam sabem muito bem.

[caption id="attachment_22018" align="aligncenter" width="620"] Foto: Claudio Fachel/Palácio Piratini[/caption]
O governador do Rio Grande do Sul, o petista Tarso Genro, no dia 25 de novembro, publicou na UOL um artigo, cujo título, já por si um artigo. É: “Irada com derrota, oposição pode favorecer invenção de um Berlusconi caboclo”.
Pareceu-me, pelo veneno das linhas e entrelinhas, que Tarso é quem está irado com a derrota exemplar que conseguiu conquistar a duras penas, perdendo a reeleição para o governo gaúcho. A duras penas, digo, porque se há algo difícil, quase impossível no Brasil, é quem está no poder perder uma reeleição majoritária. Aliás, em qualquer lugar do mundo. Tarso conseguiu a façanha.
A exemplo de outro petista, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, Tarso está indignado com as oposições, que classifica ora “de direita”, ora de “neoliberais”, coisas, no seu (dele) entender, piores do que xingar a mãe.
Indignado porque as oposições estão explorando a roubalheira do Petrolão, coisa que, interpretado seu artigo, seria normal e corriqueira na empresa, tanto assim que já havia sido denunciada por Paulo Francis. Essa exploração, ainda segundo seu artigo, pode levar a uma instabilidade política tal que gere um futuro presidente com as características de Berlusconi, o caricato ex-primeiro-ministro italiano. Menos, Tarso, menos.
O que deve mesmo nos preocupar não é um Berlusconi, mas um Hugo Chávez. Um Berlusconi ainda daria para suportar, pois, mesmo com todos os seus defeitos, o italiano não desorganizou a economia de seu país e nem atentou contra a democracia. Já um Hugo Chávez...
Tarso termina sua diatribe pedindo a Dilma que nomeie logo seus ministros, pelo republicanismo democrático. Hum... Tarso jamais acreditou em repúblicas democráticas, exceto aquelas cujo modelo é Cuba. E quanto a esse seu pedido: “Presidente, nomeie logo seus ministros fundamentais...” me pareceu que nele bradava uma oração oculta: “e eu entre eles”. Esperemos que não.

[caption id="attachment_22017" align="aligncenter" width="620"] Marcio Thomaz Bastos: morto, o advogado de parte da cleptocracia tropical virou santo em artigos e reportagens publicados nos jornais | Foto: Nelson Jr./SCO/STF[/caption]
“Mas sabe o senhor por que somos sempre mais justos e mais generosos para com os mortos? A razão é simples: para com eles não existe obrigação.” [“A Queda”, de Albert Camus]Não faz muito tempo, faleceu entre nós de uma figura pública de comportamento discutível, que costumava receber críticas bastante ácidas da imprensa. A surpresa veio no dia mesmo do enterro: uma unanimidade de elogios, na mesma imprensa. Cheguei a comentar, aqui mesmo na coluna, que às vezes no Brasil é mais confortável estar morto do que vivo (falava, é mais que evidente, do conforto moral). Essa é uma característica nossa, é mais uma jabuticaba: a morte redunda numa imediata beatificação e o velório já é palco da canonização do de cujus, de uma maneira quase geral. A história agora se repete, superlativamente. Morto na semana passada, o advogado e político Marcio Thomaz Bastos foi alvo deste comportamento à exaustão. Noventa e nove por cento dos necrológios impressos, televisivos e irradiados exaltavam a figura do falecido com os mais positivos adjetivos. Tornou-se, da noite em que ainda vivia, para o dia em que morreu, um Pai da Pátria, um Varão de Plutarco. Pouquíssimos os que, muito timidamente disseram algum “não é bem assim”. Não faz bem à história esse comportamento abertamente condescendente. E não só a ela, história, que é passado. Tampouco faz bem ao futuro, que pede exemplos, e onde, para se usar figura bem atual de retórica, há sempre uma estiagem de exemplos a serem seguidos. Maquiagem dos fatos reais, eis uma farsa. Voltaire dizia que aos vivos devemos respeito, e aos mortos devemos verdade. Não conheci pessoalmente Marcio Thomaz Bastos. Falei com ele ao telefone por duas vezes, ainda no final da década de 1970. Foi interessante: um amigo de São Paulo, honesto, mas temperamental, reagiu a uma ofensa agredindo severamente uma pessoa em local público. Foi preso em flagrante, respondia a processo e necessitava de um bom advogado. Era um homem de posses. Pediu-me para falar com Bastos, já conhecido como um dos melhores e mais caros criminalistas da Pauliceia, que ele não conhecia. Ponderei que também não o conhecia, mas ele insistiu: Marcio Thomaz Bastos dava-se muita importância, tinha vasta clientela e talvez não o atendesse. Já eu, era um ex-governador... Diante de sua insistência, liguei para Bastos, e expus a questão. A resposta foi que, sim, a causa lhe interessava, e custaria um determinado valor. Pediu uma resposta em 24 horas. Com a concordância de meu amigo, voltei a ligar no dia seguinte. Para minha surpresa, Bastos me comunicou que não prosseguiria na negociação, pois havia combinado defender... a parte contrária. Ficou-me uma má impressão, de um leilão entre dois possíveis clientes em litígio. Lembrei-me do fato quando vi sua nomeação para ministro da Justiça de Lula, e muitas vezes critiquei aqui sua atuação na vida pública. Não concordo com as louvações que recebeu quando de seu falecimento precoce, logo lamentável. Concordo que foi arguto, inteligente, conhecedor como pouquíssimos dos meandros da advocacia criminal. Chegou, nos últimos tempos, a ser chamado de “God” pelos advogados dos mensaleiros, tal a sua proeminência entre os colegas, reverentes ao seu preparo e inteligência. Talvez devesse — e poderia fazê-lo — selecionar um pouco melhor sua clientela, por critérios outros que não o do saldo bancário. Usaria melhor sua inteligência. Mas não é questão que nos diga respeito; diz respeito apenas a ele e ao Criador, a quem deve, nesta hora, prestar contas. Não quero, pois, me referir ao advogado, mas ao homem público, ao ministro e petista. A verdade é que foi figura central para que a impunidade, ainda que em parte, prevalecesse no mensalão. A sua tese do “caixa dois de campanha”, se não triunfou sobre a tese de roubo escancarado foi apenas devido à pertinácia de Joaquim Barbosa. Mas a cúpula petista, ao contrário dos empresários envolvidos, embora todos igualmente culpados, já está fora das grades, e até fazendo suas viagens de recreio, disfarçadas de trabalho. Em grande parte agradece a Marcio Thomaz Bastos por isso. O célebre advogado foi ainda figura central em evitar o impedimento de Lula, que parecia inevitável. Bastos foi quem, com Antônio Palocci, convenceu Fernando Henrique Cardoso a se acovardar e fazer recuar a oposição, que já se aprestava a requerer um impeachment. A continuidade do petismo, assim obtida, até hoje nos estiola como brasileiros. Vide o Petrolão, escândalo símbolo dessa continuidade. O desarmamento dos corretos, a omissão do desarmamento dos bandidos e o desrespeito ao resultado do referendo sobre o desarmamento tiveram também o concurso firme de Marcio Thomaz Bastos. O resultado, para o Brasil está à vista: mais de 50 mil assassinatos por ano, uma população inerme, a marginalidade superconfiante, ciente de que o governo fez o favor de desarmar suas vítimas. A tentativa — felizmente fracassada — de transformar a Polícia Federal em polícia política também pode ser creditada a Bastos. Nossa fraca memória não traz à tona as operações espetaculosas, sempre com a presença de uma televisão escolhida a dedo, “prendendo ricos pela primeira vez na história deste país”. A maioria dessas prisões em nada redundou, a não ser espetáculos e jactância de Lula. Sigamos Voltaire: a morte não pode elidir a verdade.
Muito em silêncio, o governo brasileiro está financiando a hidrelétrica de Tumarin, na Nicarágua, governada pelo “bolivariano” Daniel Ortega. Teria sido montado um “esquema” por Lula, beneficiando politicamente Ortega e economicamente a construtora Queiroz Galvão, que faria a obra, cujo valor é bilionário (em dólares). Benefício de uns, prejuízo de outros. Nós brasileiros saímos perdendo: lá se vai nosso dinheiro da Eletrobrás e do BNDES, para não mais voltar, e continuamos com nossas térmicas caras e poluentes ligadas, enquanto a Nicarágua desliga as suas.

[caption id="attachment_20915" align="aligncenter" width="620"] Dilma Rousseff: no governo da presidente, montaram um processo corrupto na Petrobrás
Foto: Roberto Stuckert Filho / PR[/caption]
Surrealismo no governo: a presidente da República, Dilma Rousseff, ficou em Brisbane, na Austrália (após uma vilegiatura em Qatar), enquanto o incêndio na Petrobrás ia se alastrando.
Não existem mais dúvidas de que foi montada uma estrutura muito sofisticada para saquear a maior empresa brasileira. É fora de questão também que a estrutura era dirigida por elementos da diretoria da Petrobrás e elementos de cúpula dos partidos do governo.
A operação consistia em:
1) Fixar propina na assinatura de contratos de grandes empresas com a Petrobrás — Nível I (altos dirigentes políticos, diretores da Petrobrás e das empreiteiras).
2) Colher as quantias desviadas e passá-las por empresas de fachada, muitas vezes no exterior — Nível II (doleiros e elementos partidários).
3) Efetuar a distribuição para parlamentares e outras autoridades, ressalvadas as comissões dos operadores — Nível III (ainda doleiros, dirigentes partidários e congressistas).
O nível de sofisticação, os montantes desviados, além de indícios nas providências de governo relativas ao prosseguimento das obras objeto dos saques torna impossível na prática que o governo desconhecesse os desvios. Eles se tornaram metódicos, há anos.
[caption id="attachment_21441" align="alignright" width="250"] José Eduardo Cardozo: o Salvador Dalí da política brasileira (Elza Fiuza /Agência Brasil)[/caption]
Surrealista a entrevista coletiva do ministro da Justiça na semana passada. Comentando a Operação Lava Jato, da Polícia Federal, que investiga o esquema, José Eduardo Cardozo mostrava-se muito irritado. Surpreendentemente, não com o que se faz na Petrobrás, e com os ladrões lá refestelados. Irritava-se com a oposição, que estaria tirando proveito do acontecido, politizando-o, e fazendo dele um terceiro turno eleitoral, no seu entender e do governo. É próprio do governo fazer de conta que não é com ele.
Quando não alega desconhecimento (o velho “eu não sabia”), a culpa é sempre alheia, mesmo que não exista quem culpar. Surrealismo.
O próprio ministro da Justiça já havia declarado, tempos atrás, que preferia a morte ao encarceramento nas péssimas prisões brasileiras, como se não fosse ele próprio o responsável pelo estado dessas prisões.
A presidente, ainda mais surrealista, diante do descalabro na Petrobrás, bate no peito, alegando orgulho por ter seu governo descoberto os desvios, como se não fossem a Justiça e a Polícia Federal, agindo independentemente e contra a má vontade do governo os responsáveis pela descoberta. E se os atos criminosos não tivessem sido praticados por elementos do seu governo, e de sua confiança. Sem falar nos indícios veementes de que tudo era de seu conhecimento, e no fato de que ela, ex-ministra de Minas e Energia e da Casa Civil, era a presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, no auge da roubalheira.
[caption id="attachment_21438" align="alignleft" width="200"] Janio de Freitas escreveu artigo antidemocrático contra policiais federais[/caption]
Todos precisamos da boa informação. Afinal, é ela que nos dá elementos para fazermos nossas escolhas políticas, econômicas e sociais. Não ter informação nos faz votar mal, buscar o trabalho errado, aplicar mal nosso dinheiro e até comprar algo inútil ou buscar a diversão diferente da que queríamos. No universo do jornalismo político, tenho um critério para bem me informar: procuro o jornalista isento na informação, aquele que não dá pistas de sua preferência pessoal, aquele que o espectador não sabe em quem votará.
Exemplos televisivos: Renata Lo Prete e Gerson Camarotti. Eliane Cantanhede, no passado algo encantada com alguns petistas não lá muito recomendáveis, como José Dirceu e Celso Amorim, tem se mostrado uma profissional amadurecida, além de sempre ter sido uma articulista arguta e inteligente. Pena que foi demitida da “Folha de S. Paulo”, por razões econômicas, segundo o jornal. Melhor para a “Folha” teria sido demitir Janio de Freitas, que mais desinforma que informa. Mas ao que parece o salário de Eliane e de Fernando Rodrigues, outro bom jornalista demitido, seriam naturalmente bem maiores que os ganhos de Janio.
Janio de Freitas no dia 19 do mês passado criticava o Tribunal Superior Eleitoral pela proibição na campanha passada da exibição de entrevistados apoiando afirmações críticas feitas por candidatos. Julgava antidemocrático, e estava certo. Já no dia 16 de novembro último, investia contra delegados da Polícia Federal que haviam, em suas redes sociais privadas, manifestado sua preferência contra o PT. Defendia a investigação que o ministro da Justiça abrira contra eles. Antidemocrático e contraditório, por parte do jornalista, que não consegue esconder em quem vota.
Uma das (poucas) vantagens que adquirimos atingindo a senectude, digamos assim, é a de conferir aos acontecimentos uma certa previsibilidade. As coisas acontecidas, testemunhadas ou de alguma forma remota conhecidas, vão se acumulando, até restar, para acontecer, não muita coisa absolutamente nova ou espantosa no universo humano. Fora o que é tecnológico, logo de alguma forma descartável, pouca coisa tida como novidade costuma ocorrer sob o sol ou nas caladas. Uma sonda espacial que pousa em um cometa é um feito, um acontecimento. Mas as paixões humanas não mudam. Uma de minhas mais remotas lembranças é de 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Meu pai mostrava a um amigo uma fotografia, numa revista ou jornal, não me lembro bem, de um homem muito magro, que parecia dormir, sentado em uma cadeira. Meu pai falava revoltado sobre o castigo que merecia quem fazia aquilo. Perguntei se o homem estava dormindo e ele me respondeu que não. Estava morto. De fome. Tinham deixado que ele morresse de fome. “Quem deixou?”, perguntei. “Hitler”, respondeu meu pai, embora esse nome nada dissesse a um garoto de 8 anos, que eu era então. Mas foi um impacto saber que alguém faria outro morrer de fome, e logo de fome, algo tão ruim, que as mães evitavam que nós experimentássemos por uma hora sequer. Só tempos depois fui saber que se tratava de foto de um prisioneiro, judeu provavelmente, morto de inanição num dos campos de concentração tomados pelos aliados. Nada há de novidade, nas guerras que hoje fazem tremer o Oriente Médio: se não fazem morrer de fome alguns inimigos, hoje podem degolá-los em público. Pouco ou nada muda, nas relações humanas. Apenas o retrato no jornal, impresso meses após ter sido revelado, é substituído hoje pela imagem quase instantânea que o satélite transmite para nosso computador. A Alemanha, com enorme capacidade de soerguimento, construiu, depois da destruição da Segunda Guerra, uma das democracias mais ricas e socialmente justas da Terra. E não foi fácil, pois apenas um quarto de século atrás ainda estava dividida, e a metáfora da divisão era o Muro de Berlim, atrás do qual outros Hitlers ainda subjugavam e infligiam sofrimento a boa parte dos alemães. Se a Alemanha deve a si mesma a reconstrução e o alto padrão econômico e social que seu povo hoje ostenta, o mundo deve a ela a mais cabal demonstração de fracasso do sistema comunista de governo, que provocou não só a liberdade alemã, mas o efeito dominó em todo o Leste Europeu e a desmoralização comunista no mundo. Nada mais devastador para o comunismo do que comparar a marcha das duas Alemanhas: a Ocidental, saída da ditadura nazista para a democracia, pujante, cada vez mais próspera e livre, proporcionando à sua população bens materiais em abundância, educação e saúde no mais alto grau. A Oriental, que havia apenas trocado a ditadura hitlerista por sua irmã stalinista, autoritária, estagnada, desabastecida, coagida pelos órgãos de espionagem interna, policialesca, cada vez mais atrasada e soturna. Dois modelos. E ainda existe quem prefira o segundo. A queda do Muro de Berlim, que completou 25 anos, deveria ser comemorada mundialmente.