Por Euler de França Belém
O brasileiro Júnior Cigano perdeu duas lutas para Cain Velasquez, na categoria dos pesos-pesados, porque é menos completo e complexo do que o americano. Cigano é mais lutador de boxe do que de MMA. É unidimensional. Glover Teixeira é o Cigano dos meios-pesados. Só luta em pé e é meramente um boxeador. Perdeu para Phil Davis porque é previsível, mais lento e com reflexos ruins. Não chuta e, se o faz, o chute passa longe do alvo. Não luta no chão com desenvoltura. Davis o venceu até em pé.
É provável que tenha sido a luta mais fácil de Davis. Contra Jon Jones, muito melhor do que Davis, Glover lutou com um repertório um pouco mais amplo.

O jornalista e escritor Klester Cavalcanti conta a história de Júlio Santana, que matou quase 500 pessoas, entre elas a guerrilheira Maria Lúcia Petit, crianças, mulheres e o sindicalista goiano Nativo da Natividade (no mandato de Iris Rezende e Onofre Quinan). Ele feriu José Genoino, na Guerrilha do Araguaia
“Só mato quando me pagam para matar.” Júlio Santana
[caption id="attachment_18931" align="alignleft" width="350"] “O Nome da Morte” mostra que a realidade pode ser tão ou mais virulenta do que obras literárias. Fiódor Dostoiévski possivelmente ficaria interessado na história do assassino brasileiro Júlio Santana[/caption]
O livro “O Nome da Morte — A História Real de Júlio Santana, O Homem que Já Matou 492 Pessoas” (Editora Planeta, 245 páginas), do jornalista Klester Cavalcanti, ex-repórter da “Veja”, contém histórias impressionantes e muito bem-contadas. Persistente, Klester demorou sete anos para convencer Júlio Santana, o Julão, hoje com 60 anos, a relatar sua história. O assassino serial começou a matar aos 17 anos, ajudou a prender José Genoino Neto e matou Maria Lúcia Petit, na Guerrilha do Araguaia, em 1972. Mais tarde, matou, em Goiás, o sindicalista Nativo da Natividade e um homem não identificado no livro em Porangatu, Norte do Estado.
Leitores menos atentos podem alegar que o repórter trata um “monstro” como se fosse um ser humano “normal”. É um engano. Se tivesse tentado mostrar Júlio Santana como “monstro”, primeiro, a história não teria sido contada; depois, a tentativa de demonização não seria útil para compreender a personagem que, apesar de tudo, é muito rica. Ao mostrar, mais do que demonstrar, Klester julga o assassino, ou melhor, o julgamento é a narrativa de sua história.
O romance “Crime e Castigo”, do escritor russo Fiódor Dostoiévski, conta a história de Raskólnikov, o jovem que mata duas mulheres e tenta justificar os crimes filosoficamente. Mesmo sendo ficção, a história é espantosa. O livro de Klester prova que a realidade pode superar a ficção. Nem mesmo Dostoiévski, um escritor que tinha um instinto especial para descrever as misérias humanas, seria capaz de imaginar Júlio Santana. Raskólnikov é frango de granja perto de Júlio Santana.
Aos 17 anos, Júlio Santana tinha 1,76m e era excelente atirador (“aos 11 anos, o garoto já conseguia acertar um animal ‘do outro lado do rio’”, o Tocantins, “a uma distância de cerca de 100 metros”). A família vivia do que pescava e caçava em Porto Franco, à beira do Rio Tocantins, no Estado do Maranhão. Em agosto de 1971, o jovem recebe a visita do tio Cícero Santana, de 31 anos, que dizia ser policial militar. Pistoleiro, Cícero havia sido contratado para matar Antônio Martins, o Amarelo. Marcos Lima, pai de uma garota de 13 anos que havia sido estuprada por Amarelo, pagou para Cícero liquidá-lo.
Com malária, Cícero não tinha condições físicas de matar Amarelo, mas, como já havia recebido parte da recompensa, decidiu convencer Júlio a substituí-lo. “Tio, eu não quero saber de nada disso. Eu não vou matar ninguém. Até agora, não consigo acreditar que o senhor está me pedindo um negócio desse. Quer que eu vire um assassino como o senhor? Deus me livre”, disse Júlio.
Pressionado por Cícero, a quem admirava, Júlio aceitou matar Amarelo: “Está bem, tio. Eu vou fazer esse serviço para o senhor. Mas nunca mais me peça uma coisa dessas”. Mesmo assim, o garoto relutou. O tio insistiu: “Depois de matar Amarelo, é só você pedir perdão a Deus e Ele vai perdoar”. Aproveitando que o adolescente ficou confuso, Cícero continuou: “Deus perdoa tudo, Julão. (...) Amanhã, depois de matar Amarelo, você volta para casa e reza dez ave-marias e 20 pai-nossos. Assim, eu garanto que você estará perdoado”.
Depois da conversa, Júlio seguiu para a mata e, após relutar muito, atirou em Amarelo, matando-o. Ao se encontrar com o tio, disse, profundamente abalado: “Só quero esquecer essa desgraça toda. E nunca mais venha conversar comigo sobre esse negócio de matar gente para ganhar dinheiro. Não quero nem ouvir falar nesse tipo de coisa”. Deitado numa rede, prometeu a Deus: “Nunca mais vou matar ninguém na minha vida, Senhor. Nunca mais”.
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[caption id="attachment_18925" align="alignleft" width="350"] Nadine Gordimer: a escritora percebe Jorge Luis Borges como sucessor de Kafka e diz que a literatura de Alejo Carpentier é maravilhosa / Foto: Berthold Stadler/Publico[/caption]
Numa entrevista a Jannika Hurwitt, da “Paris Review” (publicada no livro “Os Escritores — As Históricas Entrevistas da Paris Review”, Companhia das Letras, 327 páginas, tradução de Alberto Alexandre Martins e Beth Vieira), a escritora sul-africana Nadine Gordimer (1923-2014) acerta e erra sobre a literatura latino-americana. “O tema entre os escritores latino-americanos dignos de nota é o ditador corrupto. No entanto, apesar da repetição do tema, eu a considero a ficção mais excitante que está sendo escrita no mundo hoje em dia” (entre 1979 e 1980).
Jannika Hurwitt pede que mencione quais escritores latino-americanos são mais interessantes. “Gárcia Márquez, é claro. Nem é necessário citar [Jorge Luis] Borges. Borges é o único sucessor vivo de Franz Kafka [o autor argentino morreu em 1986]. Alejo Carpentier era absolutamente maravilhoso. ‘O Reino Deste Mundo’ é um livrinho delicioso... é brilhante. Há também Carlos Fuentes, um escritor magnífico. Mario Vargas Llosa. E Manuel Puig. [...] Mas há sempre esse tema obsessivo — o ditador corrupto. Todos eles escrevem sobre isso; são obcecados por isso”. Não há o que contestar: os autores citados são do primeiro time e escreveram sobre ditadores. Algumas das estrelas do chamado boom latino-americano chegaram a se reunir para escrever sobre o assunto, mas não publicaram romances e contos apenas a respeito disso.
Há as injustiças de praxe. Lezama Lima (1910-1976), maior escritor cubano, não é mencionado. Nadine Gordimer concedeu a entrevista dois anos depois de sua morte. “Paradiso”, seu notável romance — Laurence Sterne certamente o leria com prazer —, não merece a mínima referência e seu tema não é o mesmo de alguns romances de García Márquez (“O Outono do Patriarca”) e Vargas Llosa (“Conversa no Catedral”). O uruguaio Juan Carlos Onetti, autor de “Junta-Cadávares” e “A Vida Breve”, é esquecido. Guimarães Rosa, autor de “Sagarana” e “Grande Sertão: Veredas”, não merece um comentariozinho. Ele morreu em 1967, doze anos depois da entrevista. O pesquisador alemão Willi Bolle diz que a opus magna de Guimarães Rosa é uma resposta literária à história do Brasil. Deve ser. Mas, para além de ser uma réplica histórica, é um romance no qual personagens, gigantes e, até, épicos, são rivais e, ao mesmo tempo, complementos da linguagem. Assim como a obra de Lezama Lima. Clarice Lispector, autora de uma obra cada vez mais valorizada no exterior, morreu em 1976, dois anos antes da entrevista. Com algum esforço, Nadine Gordimer poderia ter lido traduções dos quatro autores latino-americanos.
É possível que, mais tarde, tenha lido autores brasileiros. Numa coletânea recente de seus ensaios e resenhas não encontrei referência à literatura patropi.
Quando entrevistado, o americano Philip Roth, de 81 anos, tem o hábito de dizer que está relendo clássicos, raramente citando autores vivos, e lendo livros de história. Às vezes, menciona Saul Bellow, John Updike e Primo Levi, coincidentemente, todos mortos. Outros autores dizem a mesma coisa. Menos Nadine Gordimer: “Muitos escritores dizem que não leem outros escritores, os contemporâneos. Se é verdade, é uma grande pena”.
Leitora apaixonada de D. H. Lawrence, Hemingway e Virginia Woolf, Nadine Gordimer afirma que, “em fases diferentes” de sua vida, foi “psicologicamente dependente de diversos escritores”. A tal angústia da influência citada pelo crítico Harold Bloom.
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Fotos: Wikipédia Commons[/caption]
Ao escrever contos, a autora de “Uma Mulher Sem Igual” admite que sofreu forte influência de escritoras do Sul dos Estados Unidos. “Eudora Welty foi uma grande influência para mim.” É uma “contista sublime”. “Katherine Anne Porter me influenciou. Faulkner. Sim. Mas, outra vez, a gente mente, porque, tenho certeza de que, quando estávamos ensaiando o bê-á-bá da arte do conto, Hemingway deve ter influenciado todo mundo que começou a escrever no fim da década de 1940, como eu. Proust tem sido uma influência em mim, durante toda a minha vida — uma influência tão profunda que me assusta... não apenas nos meus escritos, mas nas minhas atitudes com relação à vida. Mais tarde vieram Camus, que foi também uma influência bem forte, e Thomas Mann, que passei a admirar mais e mais. E. M. Forster, quando era moça. E ainda acho ‘Passagem Para a Índia’ um livro absolutamente maravilhoso, que não pode ser assassinado ao ser ensinado nas universidades.” O que a autora quis dizer? Não fica claro. Talvez, como Harold Bloom, temesse os estudos de gênero ou as interpretações politicamente corretas, que às vezes retalham e mandam para o ostracismo obras complexas mas que não cabem em alguns figurinos políticos, ideológicos e intelectuais. O choque cultural entre indianos e ingleses, exibido com mestria e abertura por Forster, pode ser interpretado de maneira simplista pelos policiais-acadêmicos do politicamente correto.
Como Hemingway, com sua prosa telegráfica, influenciou a autora de “Beethoven era 1/16 Negro — E Outros Contos”? “Ah, através dos seus contos. A redução e também o uso do diálogo. [...] Os contos são uma excelente disciplina contra o excesso de palavas. [...] Hoje penso que uma grande falha nos contos de Hemingway é a onipresença da voz de Hemingway. As pessoas não falam por si mesmas, em seus próprios esquemas de pensamento; elas falam como Hemingway. O ‘disse ele’, ‘disse ela’ da obra de Hemingway. Cortei essas atribuições dos meus romances há muito tempo. Algumas pessoas se queixam que isso torna os meus romances difíceis de serem lidos. Mas não me importo. Simplesmente não consigo mais suportar disse-ele/disse-ela. E se não consigo fazer com que os leitores saibam quem está falando pelo tom de voz, os torneios da frase, bom, então fracassei.”
O monólogo interior, tão caro aos escritores modernos, é utilizado por Nadine Gordimer. “Uma espécie de monólogo interior que fica pulando de um lado para outro, de diferentes pontos de vista. Em ‘O Amante da Natureza’, às vezes é Mehring falando de dentro de si mesmo, observando, e às vezes é um ponto de vista totalmente desapaixonado do exterior.”
A entrevistadora sugere que há semelhança entre “A Filha de Burger” e o romance “Enquanto Agonizo”, de William Faulkner. Nada a ver, ressalva Nadine Gordimer. Os estilos são diversos. “Foi Proust quem disse que estilo é o momento de identificação entre o escritor e a sua situação. Idealmente isso é o que deveria ser — permitir que a situação dite o estilo.”
O autor na maioria das vezes não é o melhor crítico de seus próprios livros. Mas alguns críticos costumam exagerar nas suas interpretações. Conor Cruise O’Brien, numa resenha de “A Filha de Burger”, ressaltou a arquitetura supostamente muito arrumadinha do romance. Nadine Gordimer discorda: “Muito pouco da construção é objetivamente concebido. Ela é orgânica, instintiva e subconsciente. [...] Não sei, antes de escrever, como vou fazer, e sempre receio não ser capaz de fazê-lo”.
A morte é apontada como um tema obsessivo para a autora de “Tempos de Reflexão — 1990-2008” (ensaios e resenhas). “A morte”, diz, “é realmente o mistério da vida. [...] Dizemos que é terrível se as pessoas morrem jovens, e que é terrível se continuam a viver por tempo demais”.
Jannika insiste para que a escritora discuta sexo e literatura. Mas Nadine Gordimer corta o barato da entrevistadora, pois considera os escritores como “seres andróginos”. “Em literatura, o sexo não importa; é a literatura que importa.” O que vale é a qualidade da prosa do autor, não se é homem ou mulher.

[caption id="attachment_18920" align="alignleft" width="300"] “Paradiso”: o romance de Lezama Lima é a obra-prima máxima da literatura cubana[/caption]
Estou iniciando a leitura de “Paradiso” (Martins Fontes, 623 páginas), de José Lezama Lima (1910-1976), na tradução da poeta Olga Savary. Não se trata de um trabalho inepto. De fato, é muito difícil traduzir o escritor cubano para qualquer língua. Ao profissional não basta saber, e muito bem, as línguas Espanhola, o ponto de partida, e Portuguesa, o ponto de chegada. Precisa travar uma verdadeira guerra para tornar uma obra enviesada, pouco “fluente”, num texto legível mas não simplista. Nós, brasileiros, temos o hábito de achar que o espanhol é uma espécie de português com defeito e, por isso, seria fácil traduzir de uma língua para a outra. Não é bem assim. As duas línguas são hermanas, sim, mas são como Caim e Abel. As dificuldades são maiores exatamente porque parece fácil traduzir de uma para a outra.
Traduzir significa ganhar e perder. Mas, sem as traduções, as pessoas deixariam de ler as principais obras-primas da literatura internacional. Ao comparar o original com a versão de Olga Savary, é preciso considerar duas coisas.
Primeiro, a perícia da tradutora é flagrante. Segundo, o fato de existir outra tradução, de Josely Vianna Baptista, certamente facilitou o trabalho de Olga Savary. Não estou sugerindo que a poeta copiou e inspirou-se no trabalho precedente da também poeta Josely Vianna Baptista. É possível que, para não se influenciar, a segunda tradutora não tenha examinado a versão anterior. Porém, se o fez, e isto é correto, às vezes decisivo, pôde encontrar outras soluções, adequar e melhorar frases, palavras, expressões e sentidos.
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Lezama Lima: Brasil ganha duas traduções do mais importante romance de Cuba, “Paradiso” / Foto: Wikipédia Commons[/caption]
Observe-se que, na nova tradução que fez para a editora Estação Liberdade, Josely Vianna Baptista recriou “Paradiso”. Porque há novos estudos sobre a obra, explorando nuances que haviam sido pouco percebidas, e a tradutora está mais experiente e atenta às filigranas da Língua Espanhola e à prosa de Lezama Lima. Percebe-se, numa comparação rápida entre os empreendimentos hercúleos das duas poetas, que, aqui e ali, há mais “fluência” no trabalho de Josely Vianna Baptista. Porém, no caso, fluência não tem a ver com tornar o texto mais pedestre, simplificado, e sim mais preciso em português — criando, por assim dizer, um texto em português (quase) tão rico quanto o texto em espanhol. É um tour de force.
É rico um país que tem duas traduções de alta qualidade de uma obra-prima seminal como “Paradiso”.
Há probleminhas na edição da Martins Fontes, a que, no momento, examino com mais cuidado. O prefácio de quatro páginas de Olga Savary nada acrescenta — só contém platitudes e autoelogios —, prendendo-se demasiadamente a um texto de Julio Cortázar. Um trecho do comentário do escritor argentino é repetido duas vezes, o que sugere uma revisão descuidada. O sumário cita o “prefácio” e o texto “Convite a ‘Paradiso’”, mas seus autores não são mencionados, exceto no final deles. A apresentação, bem feita, é de autoria de Cintio Vitier, coordenador da edição crítica do romance.
Uma reclamação tem a ver mais com o fato de que como manuseio muito certos livros, como “Paradiso” — a leitura é mais lenta, para não perder as filigranas —, as capas que não têm orelhas acabam por ter as pontas dobradas. Livros grossos, com mais de 600 páginas, exigem orelhas protetoras.
De resto, até agora, não há muito do que reclamar.
[caption id="attachment_18917" align="alignleft" width="300"] Nativo da Natividade: o importante sindicalista rural foi assassinado a mando de um político de Carmo do Rio Verde, em Goiás, em 1985 / Foto: Reprodução[/caption]
No caderno de Júlio Santana está (ou estava) escrito: “Matar Nativo da Natividade (presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais) em Carmo do Rio Verde, Goiás. Mandante, prefeito Roberto Pascoal. Contato na cidade, Genésio. Pagamento, 2 milhões de cruzeiros”.
Em 1985, Júlio morava em Porto Franco, com sua mulher, quando foi procurado pelo tio Cícero Santana para fazer um serviço: matar o sindicalista goiano Nativo da Natividade. “A mulher de Júlio odiava Cícero. Dizia que o tio era o culpado por ele levar aquela vida desgraçada de matador. Júlio sempre rebatia. Dizia que entrou para a pistolagem por vontade própria. Queria ganhar dinheiro e viver grandes aventuras. O tio havia apenas o ajudado a fazer o que desejava.”
O relato de Klester Cavalcanti: “Numa conversa que não demorou mais de 10 minutos, Cícero passou todo o serviço ao sobrinho. Ele teria de matar Nativo da Natividade, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Carmo do Rio Verde, no interior de Goiás. O mandante do crime era o prefeito da cidade, Roberto Pascoal, que se dizia incomodado com a influência política de Nativo na região e, principalmente, com os boatos de que o sindicalista seria candidato a prefeito nas eleições municipais de 1988. Quando contatou Cícero, Roberto
Pascoal disse que queria eliminar Nativo antes que ele ganhasse ainda mais força e projeção”.
A mando de Roberto Pascoal, Genésio buscou Júlio em Brasília e o levou para Carmo do Rio Verde. “Pelo trabalho, receberia 2 milhões de cruzeiros — pouco mais do que três salários mínimos da época, que era de 600 mil cruzeiros.” Júlio tinha 31 anos. Genésio disse ao pistoleiro que ele mesmo poderia fazer o trabalho. “E por que não fez?”, perguntou Júlio. “O prefeito disse que era mais seguro trazer um matador de fora, para não levantar suspeitas sobre ele”, explicou Genésio.
Nativo, informou-se Júlio, era casado e pai de dois filhos pequenos. Tinha 33 anos. “Muito pacato, só saía de casa para ir ao sindicato ou a alguma reunião de agricultores.” O motorista Pelé, num Fusca azul, levou Júlio para conhecer o sindicato onde Nativo atuava.
Informado dos hábitos de Nativo, Júlio decidiu matá-lo quando estivesse voltando para casa. “Eram quase 7 horas da noite quando o carro do sindicalista apareceu na esquina. Júlio ajeitou o chapéu de palha para esconder o rosto e ficou de pé. Caminhava lentamente, no lado oposto da rua, na direção da casa de Nativo. Tirou o revólver da cintura no mesmo instante em que o carro parou. Estava a uns 20 metros do homem. Mas queria chegar mais perto, para acertar o tiro na cabeça. O sindicalista estava tranquilo. Nem desconfiava que estava prestes a morrer”, escreve Klester.
“Nativo andava devagar, a caminho da porta”, relata Klester. “Do outro lado da rua, a uns 10 metros de distância, Júlio o tinha na mira de seu revólver. Estava puxando o gatilho quando viu uma menina de uns 5 ou 6 anos abrir a porta e correr, sorrindo, na direção do pai. Não teria coragem de matar um homem diante dos olhos da própria filha. Imediatamente, apontou a arma para o chão. O sindicalista agachou-se e pegou a menina nos braços. Júlio ainda viu quando os dois se beijaram pouco antes de entrarem em casa.”
No dia seguinte, Júlio saiu à caça de Nativo. Este voltou para o sindicato à noite e foi seguido pelo pistoleiro. [Júlio] “Chegou na porta do carro de Nativo antes que ele saísse. Apontou a arma para a cabeça do sindicalista. O homem reagiu, segurando o braço direito de Júlio com as duas mãos. Durante o embate, ele puxou o gatilho quatro vezes — os exames feitos no cadáver encontraram três perfurações no tórax e uma no pescoço. Só parou de atirar quando teve certeza de que Nativo estava morto (em 1996, 11 anos após o episódio, o prefeito Roberto Pascoal foi julgado como mandante do crime, e absolvido).” Promotores, juízes e advogados que atuaram no caso têm o dever de ler as informações do livro de Klester. Trata-se do próprio pistoleiro revelando quem encomendou o crime e mostra como este foi feito.
Crime cometido, Júlio foi levado para Brasília numa ambulância. Genésio disse: “Acho que, agora, concordo com o prefeito. Você fez por merecer os 6 milhões de cruzeiros pelo serviço”. Cícero havia passado o sobrinho para trás. Para matar Nativo, Júlio recebeu “apenas” 2 milhões de cruzeiros.
Em Imperatriz, ao se encontrar com o tio, Júlio ameaçou matá-lo. Cícero disse: “Já parou para pensar que você deve tudo o que tem a mim? Se não fosse por mim, você não teria nada, Julão! Você não seria ninguém”. Júlio replicou, gritando: “Grande vida de merda essa que o senhor me deu. Eu sou um assassino, tio. Ganho a vida matando gente. E o senhor tem coragem de dizer que isso é bom”. Cícero morreu em 1993, aos 53 anos, e o sobrinho descobriu que, ao contrário do que todos na sua família acreditavam, não era policial militar. Júlio também se passava por policial militar.
Detalhe: o maior assassino do Brasil agiu livremente em Goiás no mandato dos governadores Iris Rezende e Onofre Quinan — matando pessoas no Estado — e os peemedebistas-chefes não conseguiram, nem tentaram, prendê-lo. (E. F. B.)
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[caption id="attachment_18915" align="alignleft" width="620"] José Genoino, guerrilheiro do PC do B: preso, em 1972, por militares do Exército, na região do Araguaia / Foto: O Globo[/caption]
Em 1972, aos 17 anos, convencido pelo tio Cícero Santana, Júlio Santana aceitou trabalhar na equipe do delegado de Xambioá, o sargento da Polícia Militar de Goiás Carlos Teixeira Marra, como guia ou mateiro. Exímio conhecedor dos “segredos” da floresta amazônica, Júlio seria utilizado para caçar integrantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B). Ele nem sabia o que era comunista, nunca tinha visto um automóvel, não conhecia energia elétrica e seu sonho era tomar Coca-Cola. Ao ver um helicóptero, pensou: “Como essa trepeça pode voar?”. Como uma personagem de García Márquez, “achou delicioso tomar água gelada. ‘Parece que a língua fica adormecida’”.
No início da Guerrilha do Araguaia, os militares queriam capturar e não matar os militantes do PC do B. Eles buscavam informações sobre as forças de esquerda. Por isso, Carlos Marra avisou aos soldados e Júlio: “Se a gente encontrar algum guerrilheiro, é para capturar o cabra vivo. Não é para matar ninguém. Quero o sujeito vivo, para ele contar onde os outros guerrilheiros se escondem”. Júlio ficou aliviado, pois não queria matar.
Na selva, além de orientar os soldados, Júlio tinha a missão de achar alimentos para a tropa. “Matou um macaco, uma garça e uma onça-pintada. A carne musculosa e repleta de nervos do felino não agradou a ninguém.”
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Corpo de Maria Lúcia Petit: a guerrilheira foi morta na região do Araguaia | Foto: Reprodução[/caption]
Em 11 de abril de 1972, como integrante da equipe do delegado Marra, Júlio colaborou na prisão de José Genoino Neto. O grupo era constituído de Marra, Ricardo, Emanuel, Forel, Júlio e Tonho (um negro musculoso). Marra patrocinou um “campeonato” de tiro e Júlio ganhou com facilidade e, por isso, obteve a primazia de atirar primeiro num guerrilheiro.
Na mata, Júlio localizou José Genoino e alertou Marra: “Estou vendo um sujeito lá na frente”. Ao ser abordado, o guerrilheiro, que usava o nome de Geraldo, disse ao delegado que era “apenas um agricultor”. Logo depois, mesmo com as mãos amarradas, conseguiu fugir. O militar pediu que parasse. “Vou mandar abrir fogo, Geraldo”, gritou Marra. “Pode atirar”, respondeu Genoino.
Irritado, Marra ordenou: “Julão, derruba o cara. (...) Mas lembre que eu quero ele vivo”. Júlio atirou e acertou, de raspão, o ombro direito de José Genoino.
Recapturado, José Genoino, segundo a versão de Júlio, foi torturado pelo militares — chegaram a queimar suas pernas. Mesmo assim, respondia: “Não sei de nada, delegado”.
Sem aprovar as torturas, Júlio disse para José Genoino: “Rapaz, fala logo tudo o que você sabe. Você vai acabar morrendo de tanto apanhar”. José Genoino respondeu: “Mas eu não sei de nada. Não estou mentindo”. Estava mentindo, é claro. Ouvido por Klester Cavalcanti, o petista confirma o diálogo: “Diante de tanto sofrimento e agonia, agradava-lhe a ideia de que ao menos um de seus algozes preocupava-se com a sua integridade”. Na versão de Júlio, José Genoino não entregou seus companheiros.
Em maio de 1972, Júlio viu o corpo do guerrilheiro Bérgson Farias sendo chutado por militares. Assistiu o barqueiro Lourival Moura, aliado dos guerrilheiros, ser torturado até a morte. Júlio disse a Klester que não gostou do que viu.
No início de junho de 1972, os militares acuaram os guerrilheiros Miguel Pereira, o Cazuza, Rosalindo Souza, o Mundico (que teria sido justiçado pelos companheiros), e Maria Lúcia Petit da Silva, a Maria. Marra gritou para Júlio: “Derruba um deles. Pelo menos, um”. Júlio mirou no ombro de um guerrilheiro e atirou. “Por causa do ferimento na perna direita, o comunista machucado inclinou-se para o lado direito e dobrou levemente os joelhos. Esses movimentos fizeram com que o tiro, que deveria pegar no ombro, o atingisse na cabeça, do lado esquerdo. O corpo caiu no solo e ali ficou, sem mover-se. Júlio sabia o que tinha acontecido. Quis não acreditar que acabara de matar mais uma pessoa”, relata Klester.
Quando ouviu que havia matado uma “moça”, Júlio ficou ainda mais perturbado. Marra o recriminou: “Não era para matar, Julão”. Detalhe: a história relatada por Klester não estava registrada — até 2006 — em nenhum outro livro sobre a Guerrilha do Araguaia. Trata-se de um furo de reportagem publicado em livro. “Mata! — O Major Curió e as Guerrilhas no Araguaia” (Companhia das Letras, 443 páginas, publicado em 2012), do jornalista Leonencio Nossa, relata: “João Coioió e a mulher, Lazinha, posseiros amigos de Maria Lúcia Petit, contaram ao delegado Marra que a guerrilheira apareceria no sítio, na manhã seguinte, para buscar mantimentos que o casal tinha comprado a seu pedido. Marra e um grupo de soldados fizeram tocaia dentro da casa. Maria Lúcia se aproximou do sítio. Estava acompanhada de Cazuza e Mundico, que a ajudaria a carregar a compra. Um homem da equipe do delegado, Júlio Santana, de dezoito anos [na verdade, tinha 17], atirou nos guerrilheiros, acertando a cabeça de Maria Lúcia. Cazuza e Mundico escaparam”. A fonte da informação é Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió, um dos militares mais bem informados sobre a Guerrilha do Araguaia. Os depoimentos de um dos algozes dos guerrilheiros do PC do B e de alguns moradores da região confirmam a versão de Júlio Santana.
Pelos serviços prestados ao Exército, Júlio recebeu 1.200 cruzeiros, cerca de cinco salários mínimos da época, e ganhou uma farda. Parece ter ficado mais feliz com o fardamento do que com o dinheiro. (E.F.B.)
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[caption id="attachment_18913" align="alignleft" width="620"] Klester Cavalcanti: o repórter escreveu um livro meticuloso e surpreendente sobre um matador de aluguel / Foto: Divulgação[/caption]
Depois de participar da Guerrilha do Araguaia, em 1972, Júlio Santana voltou para a casa dos pais, em Porto Franco, “decidido que não mataria mais ninguém”. Cícero Santana o procurou mais uma vez e convidou-o para participar de um assassinato. Leandro levou um tapa no rosto e contratou Cícero para matar o agressor, Aníbal. Júlio perguntou para o tio: “O senhor vai matar o cabra só porque ele deu um tapa na cara do outro?”. O tio explicou-se: “Não, Julão. Eu vou matar o cabra porque alguém me pagou para fazer isso. Aprenda uma coisa. Nesse negócio, não importa se o camarada é bonzinho ou se é um peste. Não quero saber se ele deu um tapa na cara do outro ou se estuprou a filha de alguém. O que importa é que a pessoa me paga e eu faço o serviço”.
Nesse tempo, Júlio começou “a sentir uma ponta de admiração e respeito pelo trabalho do tio pistoleiro”. Aceitou matar Aníbal. Ao encontrá-lo, Júlio perguntou: “O sr. sabe onde posso comprar uma Coca-Cola?”. Aníbal respondeu e Júlio o matou. Ele e o tio fugiram numa bicicleta. “Cícero pedalava com calma, como se nada tivesse acontecido. Júlio não conseguia esquecer a imagem daquele homem estendido a seus pés, com a cabeça lavada de vermelho. Mas seu tio demonstrava uma tranquilidade impressionante. Como, depois de tirar a vida de uma pessoa, ele poderia estar tão sereno? Era frieza. Ou seria coragem demais.”
Depois de ouvir que a polícia da região do Maranhão não se metia com pistoleiros e acreditando que poderia ficar rico, Júlio aceitou a proposta de se tornar matador profissional. Depois, recuou: “Sei não, tio. Acho que não quero entrar nesse negócio”. Cícero insistiu que, se rezasse dez ave-marias e 20 pai-nossos, a alma seria “limpa”.
Ao aceitar ser sócio de Cícero, Júlio ouvia, no rádio, uma música do goiano Odair José. Ele lembra que o refrão dizia: “Eu vou tirar você desse lugar. Eu vou levar você pra ficar comigo”. O tio garantiu que Odair José era o “melhor” cantor do Brasil.
Cícero disse para Júlio economizar para comprar uma motocicleta e sugeriu que usasse apenas uma arma (como parece ser o caso do serial killer goiano Tiago Henrique Gomes da Rocha, de 26 anos). “Isso lhe daria mais segurança e precisão no tiro.” O tio deu-lhe um revólver calibre 38. Cícero explicou que Júlio devia atirar nas suas vítimas bem de perto — “porque é importante que o tiro seja certeiro, de preferência na cabeça”.
Orientado pelo tio, o pistoleiro-chefe, Júlio viajou para Açailândia para matar Caetano, vendedor de frutas que devia dinheiro a um comerciante. Como Caetano atendia todas as pessoas com um “sorriso largo”, Júlio sentiu pena dele. Seguiu Caetano até sua casa e chamou-o. Depois de fazer uma pergunta, acertou um tiro no seu rosto e “saiu correndo matagal adentro. Enquanto corria, rezava as dez ave-marias e os 20 pai-nossos que deveriam tirar de sua alma o peso da morte daquele coitado. Mas parecia que, quanto mais rezava, mais culpado se sentia”.
O primeiro crime como profissional ocorreu em 27 de julho de 1972. Pelo assassinato, recebeu 300 cruzeiros. “Ganhar 300 cruzeiros por um dia de trabalho era algo que ele jamais imaginara ser possível. Além disso, havia gostado da emoção que sentira ao matar Caetano.” Ele “queria ganhar mais dinheiro”.
Depois de assassinar um menino de 13 anos, em 1978, em Paragominas, no Pará, Júlio foi contratado por José Mariano, o Índio, para matar o garimpeiro João Baiano, no garimpo de Serra Pelada. João Baiano havia roubado ouro do patrão. Recebeu informações de que João Baiano era negro e tinha um dente de ouro. Matou o garimpeiro errado. Em seguida, matou o verdadeiro João Baiano.
Júlio matou quatro menores de 16 anos, 59 mulheres (“a maior parte delas teve a morte encomendada pelos próprios maridos, que acreditavam ter sido traídos”) e 424 homens. Sem contar “as três pessoas [Amarelo, Maria Lúcia Petit e Caetano] que matou antes de 1974, quando começou a anotar seus trabalhos” num caderno. Esse caderno era mantido escondido numa mochila, atrás do guarda-roupa, e nele havia um relato pormenorizado com os nomes de suas vítimas e as circunstâncias de suas mortes.
Após de matar tantas pessoas, como se estivesse numa guerra particular, Júlio amealhou um patrimônio que ele considera ínfimo — uma voadeira, um Fiat 147 e 100 mil reais. “Aos 51 anos, dos quais quase 35 trabalhando exclusivamente como matador de aluguel — ele jamais teve outra atividade profissional —, achava que tudo aquilo era muito pouco para tanta desgraça e miséria que viu e fez na vida. Se soubesse que terminaria assim, jamais teria ouvido os conselhos do tio.”
Embora tenha matado tantas pessoas, Júlio só foi preso uma vez. Matou uma mulher, em Tocantinópolis, mas subornou o delegado, dando-lhe uma motocicleta, e fugiu.
Em junho de 2006, Júlio prometeu à sua mulher, evangélica, “que não cometeria mais nenhum homicídio”. Klester Cavalcanti diz que, “aos 52 anos, Júlio se dizia exausto daquela vida desgraçada, de matar um aqui e outro acolá. Além disso, não tinha mais a agilidade, a força e a visão aguçada do passado”. Decidiu sair de Porto Franco, no meio da madrugada, para não deixar pistas. Antes, pegou a voadeira e jogou o revólver e a mochila com o caderno onde anotava os nomes de suas vítimas no Rio Tocantins.
A mulher de Júlio o pressionava, desde 1985, para abandonar a “profissão” de pistoleiro. Menos comedida e discreta do que a Sônia de “Crime e Castigo” — espécie de redenção de Raskólnikov —, ela, que não tem o nome mencionado, possível acordo de Klester com Júlio, “nunca deixou de dizer que o amava. Costumava falar que não entendia como um homem tão carinhoso com a esposa e os filhos poderia tirar a vida de alguém. E, o pior, por dinheiro”. Júlio respondia: “É o meu trabalho, mulher”. Ela dizia, com firmeza: “A maior vergonha da minha vida é ser casada com um assassino”. E ameaçava: “Ou você arruma outro emprego ou um dia eu ainda vou deixar você”.
Após matar um funcionário público, em Carolina, no Maranhão, voltou para casa e, deitando ao lado da mulher, disse: “Acabou”. Ela nada respondeu. Júlio comprou um sítio, onde mora com a mulher. “Não precisava de mais dinheiro. Já tinha tudo o que era necessário para ser feliz: uma boa casa, a roça e a família. E ainda havia guardado parte de suas economias na poupança. (...) Júlio Santana costuma dizer que só não vive totalmente em paz porque, de vez em quando, ainda sonha com algumas de suas vítimas.” O que ele faz? Reza as dez ave-marias e os 20 pai-nossos que aprendeu com o tio Cícero. “E volta a dormir.”
O filho mais velho de Júlio morreu aos 19 anos, num acidente de motocicleta. “Júlio acredita que a morte do seu primogênito foi um castigo de Deus por todas as desgraças que fez na vida.” Por não ter sido preso pela polícia e julgado e condenado pela Justiça, pode-se dizer que Júlio, autor de vários crimes, não foi castigado? Por mais que se diga “tranquilo”, um homem que se sente vigiado, que teme a própria sombra, está irremediavelmente preso numa cela invisível. O “já” do título indica que, mesmo aposentado, Julão pode voltar a matar? Não se sabe. Nem Júlio, sua mulher e Klester certamente sabem. (Euler de França Belém)
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Livros fundamentais para entender a Guerrilha do Araguaia
Aos leitores que se interessam pela história da Guerrilha do Araguaia, recomendo seis livros: “O Coronel Rompe o Silêncio” (Editora Objetiva, 224 páginas), de Luiz Maklouf Carvalho; “A Lei da Selva — Estratégias, Imaginário e Discurso dos Militares Sobre a Guerrilha do Araguaia” (Geração Editorial, 384 páginas), de Hugo Studart; “Operação Araguaia — Os Arquivos Secretos da Guerrilha” (Geração Editorial, 656 páginas), de Eumano Silva e Taís Morais; Guerrilha do Araguaia — A Esquerda em Armas (Editora da Universidade Federal de Goiás, 241 páginas), de Romualdo Pessoa Campos Filho; A Ditadura Escancarada (Companhia das Letras), de Elio Gaspari, e “Mata! — O Major Curió e as Guerrilhas no Araguaia” (Companhia das Letras, 443 páginas, publicado em 2012), de Leonencio Nossa. O excelente livro de Maklouf contém o relato de Lício Augusto Ribeiro, o coronel que comandou a operação para prender José Genoino (o relato sobre a prisão pode ser lido entre as páginas 89 e 102). É o militar durão, citado por Júlio Santana, que mandava no delegado Carlos Marra. O livro de Leonencio Nossa faz referência direta ao pistoleiro Júlio e ao delegado-militar Carlos Marra. (E. F. B.) Leia mais: O pistoleiro brasileiro que matou 492 pessoas e não foi preso pela polícia e condenado pela Justiça Assassinou Nativo da Natividade e foi roubado pelo tio pistoleiro Jovem matou guerrilheira do PC do B e atirou em José Genoino No garimpo de Serra Pelada, Júlio Santana matou quatro homens
Em outubro, com apenas duas edições, o Jornal Opção obteve quase 1 milhão de acessos. Jornal Opção impresso e o Jornal Opção Online, com uma cobertura extensa, rápida e ricamente informativa, conquistaram os eleitores goianos. Mais: o número de acesso do jornal em outros Estados, sobretudo São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, está crescendo. São Paulo superou Brasília como segunda colocada. A cidade campeã em acesso é Goiânia. Rio Verde, dos municípios do interior, é o que mais acessa o jornal, seguido de perto por Anápolis.
Espantoso que uma jornalista, como uma de televisão, fique perguntando para um homem que matou de 29 a 39 pessoas se está arrependido e se quer pedir perdão. A repórter da TV Anhanguera não deve ler os jornais, pois, se estivesse lendo, saberia que Tiago Henrique supostamente fala em matar mais pessoas. Pode até pedir perdão, para obter alguma compaixão, mas isto não quer dizer que está dizendo a verdade. Alguns repórteres de televisão (e não só) ou são muito ingênuos ou fingem muito bem. Talvez, na busca frenética pela audiência e transformando tudo em espetáculo — inclusive a dor e a malandragem alheias —, tenham se tornado cínicos.
A diferença entre o jogador Walter, do Fluminense, e Paulo Baier, do Criciúma, é que o primeiro só pensa no presente, como se fosse uma criança, e o segundo soube se resguardar e está jogando bem aos 40 anos. Em entrevista ao “Estadão”, publicado no domingo, 19, Baier comentou sobre sua passagem bem-sucedida pelo Goiás e revela o segredo de sua longevidade.
“Há quatro anos, eu mudei um pouco a parte de musculação e isso está fazendo a diferença para eu ainda jogar em alto nível. Pelo menos três vezes por semana eu procuro fazer um trabalho forte para ter o suporte e evitar lesões”, afirma Baier. “Em 12 edições dos pontos corridos” do Brasileirão, “o jogador fez 106 gols, tornando-se o maior artilheiro desse período”, conta o “Estadão”. Ele fez mais gols do que Fred (97 gols), do Fluminense, e Luiz Fabiano (68 gols), do São Paulo.
[caption id="attachment_18689" align="alignleft" width="600"] Tiago Henrique Gomes da Rocha[/caption]
Na cobertura da história do serial killer Tiago Henrique Gomes da Rocha, de 26 anos, o “Pop” continua a publicar as melhores reportagens. Repórteres concorrentes podem dizer que seus jornalistas são favorecidos pela Polícia Civil. Pura bobagem. O que falta a outros profissionais é experiência. E talvez agressividade.
O material extenso, com poucos erros, sugere que, quando quer, a redação do “Pop” é capaz de produzir, e rapidamente, material de qualidade.
O único problema do “Pop” é a revisão. Há erros de ortografia e concordância.

[caption id="attachment_18903" align="alignleft" width="620"] Eudora Welty e Virginia Woolf: a contista americana influenciou Nadine Gordimer, mas não tinha uma cabeça política, possivelmente devido à estabilidade dos Estados Unidos; já a autora inglesa, autora dos romances “Orlando” e “Ao Farol”, buscou e entendeu a magnitude da vida / Fotos: Wikipédia Commons[/caption]
Nadine Gordimer, uma das poderosas escritoras sul-africanas e Nobel de Literatura de 1991, morreu em 13 de julho deste ano, aos 90 anos. Sua literatura é celebrada por críticos do gabarito de Susan Sontag e John Maxwell Coetzee, ambos também prosadores. Escreveu, entre outros, “A Filha de Burger” (Editora Rocco), “Uma Mulher Sem Igual” (Rocco) e “O Melhor Tempo É o Presente” (Companhia das Letras). Convencionou-se dizer que um de seus principais temas é o Apartheid e suas consequências. Mas seus livros contam histórias mais amplas, sobre a vida cotidiana dos indivíduos, inclusive no pós-Apartheid.
No livro “Os Escritores — As Históricas Entrevistas da Paris Review” (Companhia das Letras. O diálogo com a escritora, exposto em 32 páginas, foi traduzido por Alberto Alexandre Martins), Jannika Hurwitt mantém ótima conversa com Nadine Gordimer, entre 1979 e 1980. Trinta e três anos depois, permanece como uma entrevista muito bem feita e atual.
Nadine Gordimer revela que, antes de ser escritora, pretendia ser bailarina. Porém, acometida de uma doença, menos grave do que pensava sua mãe, começou a ler freneticamente e decidiu escrever livros. “Quando converso com jovens escritores e digo: ‘Já leu isso ou aquilo?’, ‘Bem, não, os livros estão tão caros...’, eu digo: “Deus do céu! A biblioteca central é uma excelente biblioteca. Pelo amor de Deus, use-a! Você nunca vai ser capaz de escrever se não ler.”
O leitor iniciante deve seguir algum método? Nadine Gordimer sugere que, quando não se é especialista, não se deve ser rígido. “Costumava ir à biblioteca e vagar por lá, e um livro levava a outro. Mas penso que essa é a melhor forma.” Quando criança, ela lia os livros — como “... E o Vento Levou” e “Diary”, de Samuel Pepys — e escrevia pequenas críticas. Além da leitura, que é formativa, a autora já começava a observar como seus ídolos escreviam.
Na universidade, à qual frequentou um ano, relacionou-se pela primeira vez com negros e leu Henry Miller e Upton Sinclair. “Foi ‘The Jungle’, de Sinclair, que realmente me fez pensar em política.”
Como não conseguiu ser bailarina, Nadine Gordimer decidiu ser jornalista, depois de ter lido “Scoop” (publicado no Brasil como “Furo!”), de Evelyn Waughan. Em 1949, aos 26 anos, publicou um livro de contos, na África do Sul, e começou a escrever contos para a prestigiosa “New Yorker”. Um editor da Simon and Schuster interessou-se por sua prosa ao ler um conto na revista norte-americana.
Busca-se às vezes, na prosa de Nadine Gordimer, um óbvio engajamento político, uma defesa quase panfletária dos negros sul-africanos e uma crítica contundente do Apartheid. Há certo engajamento e a crítica é concreta, mas a autora escapa ao engajamento típico de escritores de esquerda que estão a serviço de partidos comunistas e socialistas. “Na minha literatura, a política transparece de uma maneira didática muito raramente. [...] A verdadeira influência da política na minha literatura é a sua influência nas pessoas.” A política está presente em sua literatura, é um dos alicerces, mas não é a casa inteira. Porque a política é apenas uma faceta da vida de um indivíduo. A vida é mais rica e diversificada. Mas na África do Sul, de fato, dadas as condições políticas e humanas radicalizadas, envolver-se com a política, não raro subordinando a literatura, era, até certo período, inescapável. Talvez ainda seja, porque os efeitos do Apartheid não desapareceram inteiramente. No romance “Desonra”, J. M. Coetzee sinaliza que mesmo um escritor possivelmente mais refinado — mais literário, digamos — não escapa aos tentáculos de aço da política.
“A Filha de Burger”, para a autora, “é um livro sobre engajamento. O engajamento não é apenas uma coisa política. É parte de todo o problema ontológico da vida. [...] Aquilo que um escritor faz é tentar compreender a vida. Penso que isso é o que a literatura é. [...] É procurar esse fio de ordem e lógica na desordem, e o caráter de incrível desperdício e maravilhosa prodigalidade da vida”. O romance foi censurado pelo governo do Apartheid.
Por morar na África do Sul, por ter nascido no país, a política ampliou os horizontes da literatura e do indivíduo Nadine Gordimer. A autora de “O Melhor Tempo É o Presente” diz que a escritora Eudora Welty, que considera como “a maior contista norte-americana”, “se tivesse vivido” no país de Nelson Mandela “poderia ter voltado” os “dons incríveis que possuía mais para fora — poderia ter escrito mais, poderia ter atacado assuntos mais abrangentes. Eu hesito em dizer isso, porque o que ela fez fê-lo de modo maravilhoso. Mas o fato é que não escreveu muito; não creio que tenha chegado a desenvolver integralmente seus dons como romancista. Não foi obrigada pelas circunstâncias a ajustar contas com alguma coisa diferente”. O que a sul-africana está a insinuar, com a devida delicadeza, é que, apesar da literatura apurada, há um certo grau de alienação político-social na prosa de Eudora Welty. Um dos motivos é a estabilidade política — ao menos a interna — dos Estados Unidos.
A perspicaz entrevistadora inquire se o mesmo ocorre com a escritora britânica Virginia Woolf. Nadine Gordimer diz que não. “Porque Virginia Woolf se ampliou na outra direção. Realmente se concentrou por inteiro naquele envelope transparente que tinha descoberto para si. Há duas maneiras de amarrar a experiência, que é o ato de escrever afinal de contas. Escrever é tentar entender a vida. Você trabalha a sua vida inteira e talvez tenha conseguido entender um pedaço bem pequenininho. Virginia Woolf fez isso de forma incomparável. E a complexidade das suas relações humanas, a economia com que conseguiu retratá-las.” Noutras palavras, a inglesa não era uma autora engajada, mas tinha uma compreensão aguda do funcionamento da sociedade, com suas implicações políticas. Nadine Gordimer não diz, mas Virginia Woolf participava de um círculo de intelectuais e escritores (Bloomsbury), ao qual pertencia John Maynard Keynes, o mais importante economista do século 20, que discutia — além de literatura — política, economia, a sociedade.
Ao contrário dos autores que se consideram gênios desde os primeiros livros, Nadine Gordimer admite que seus romances iniciais eram fracos. “Foi somente com ‘O Falecido Mundo Burguês’, publicado em 1966, que comecei a desenvolver uma musculatura narrativa. Daí em diante, minha luta tem sido não perder a sensibilidade aguda — quer dizer, a agudeza de captar nuances de comportamento e casá-las com sucesso a um talento narrativo.”

O esquema de corrupção, uma espécie de sistema, desviou pelo menos 10 bilhões da Petrobrás para políticos do PT, PMDB e PP e para diretores da empresa e um doleiro
[Carl Bernstein, Ben Bradlee e Bob Woodward: o trio que derrubou Richard Nixon, em 1974]
A falta de agilidade editorial do “Pop” impressiona. Ben Bradlee, o mítico editor do “Washington Post”, morreu na terça-feira, 21, aos 93 anos. A notícia saiu em vários jornais, mas só foi publicada no jornal goiano na quinta-feira, 23.
É provável que, como na quarta-feira, 22, o “Jornal Nacional” deu destaque à história de Ben Bradlee, algum editor do “Pop” acordou e decidiu publicar a notícia (de uma agência, acrescente-se). O Jornal Opção divulgou a informação junto com as publicações nacionais e internacionais na terça-feira.
Um texto mais longo sobre a fonte que contribuiu para a renúncia do presidente Richard Nixon — o calvário do republicano correspondeu ao sucesso do “Post” — pode ser lido no link: http://bit.ly/1sSLWGx (sobre o Garganta Profunda, a fonte decisiva do jornal).