Sem prova cabal, biografia de Luís Carlos Prestes afirma que senador Totó Caiado roubava e pilhava
29 novembro 2014 às 09h27
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Há uma biografia excelente na praça, um grande painel da história do Brasil no século 20. “Luís Carlos Prestes — Um Revolucionário Entre Dois Mundos” (Companhia das Letras, 536 páginas), de Daniel Aarão Reis, de 68 anos, professor da Universidade Federal Fluminense e doutor em História pela Universidade de São Paulo, é um livro excepcional, muito bem escrito e com rara fluência.
Ao fim da leitura, não se percebe que o líder comunista ficou maior, mas também não ficou menor. Sua grandeza, que por certo há, está devidamente assentada. Com virtudes e defeitos apontados, porém nuançados.
Em que pese seu equilíbrio e pesquisa rigorosa, incontestáveis, há uma citação ao senador Totó Caiado, avô do deputado federal e senador eleito por Goiás Ronaldo Caiado (DEM), que merece nuance e contraditório.
Na página 78, ao apresentar a história da Coluna Prestes, Daniel Aarão escreve: “Totó Caiado, grande senhor de terra de Goiás, inauguraria um padrão que mais tarde seria retomado, em larga escala, pelos senhores do Nordeste, e da Bahia em particular, com seus ‘batalhões patrióticos’: roubava e pilhava, vendendo depois o produto do saque em mercados legais e ilegais. O próprio Bertoldo Klinger escreveria relatórios denunciando o latifundiário e solicitando a dissolução de suas ‘tropas’”.
Referenciado como “grande senhor de terra” e “latifundiário”, Totó era senador e tinha influência na política de Goiás e nacional, o que não é mencionado pelo livro. Relatos da época, por amplos e oficiais que sejam, merecem contraste com outras fontes, tanto documentais quanto historiográficas. Tudo indica que a única fonte de Daniel Aarão são os “relatórios” de Bertoldo Klinger.
Historiador rigoroso, Daniel Aarão poderia ter ampliado sua pesquisa com uma consulta ao livro “Poder e Paixão — A saga dos Caiado” (Cânone Editorial, de 2009), de Lena Castello Branco. A doutora pela Universidade de São Paulo escreveu um estudo criterioso e alentado (nasceu clássico), nem pró nem contra, sobre a família Caiado. Assim como a biografia de Prestes, o que se pode dizer é que se trata de uma obra nuançada, que situa, com precisão, os personagens na sua época e mostrando, com mestria, que os conflitos políticos e pessoais do tempo em que viveram podem distorcê-los, para menos ou para mais. Não há registro cabal — não politizado; inclusive a imprensa se prestou ao papel de “combatente”, quer dizer, de agente parcial — de que Totó Caiado “roubava e pilhava”. As referências da pesquisa séria e não comprometida com os conflitos da época — Caiado versus Pedro Ludovico (pós-1930) — dão conta de que se tratava de um homem decente.
Na próxima edição, para recompor o equilíbrio histórico entre as “partes”, para que a história não se torne a hegemonia de uma delas, vale acrescentar a história devidamente ampliada por Lena Castello Branco. Com a distância de 90 anos, vale trocar a paixão pela razão, incorporando a versão de uma parte propositadamente esquecida e, com certa frequência, não respeitada. Um livro tão bom quanto o de Daniel Aarão não pode ficar, por uma falha mínima, “manco”.
Abílio Wolney, de Dianópolis, é citado nas páginas 92 e 99.