Nota militar omitida do Alto Comando teria atiçado ânimo de golpistas
23 setembro 2023 às 13h00
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Uma nota, assinada pelos então comandantes das armas, Freire Gomes (Exército), Almir Garnier (Marinha) e Baptista Junior (Aeronáutica) em 10 de novembro do ano passado e que seria publicada no dia seguinte, aumenta o constrangimento aos militares em relação aos atos golpistas.
Ela foi enviada pelo general Gomes, de forma discreta, a poucos colegas de farda, mas sem que o Alto Comando fosse avisado de que o documento seria publicado, no dia seguinte. Além disso, omitia a informação do encontro que ele teve naquele dia, com todos os generais do Exército.
Um general, que recebeu o texto de forma antecipada, disse a Freire Gomes que o tom parecia adequado e não sugeriu alterações. Ao olhar o acampamento que prosseguia em frente ao quartel-geral do Exército, em Brasília, porém, ele avaliou que a nota tinha um teor excessivamente bolsonarista e que poderia “incendiar” os manifestantes.
O relato foi feito pelo general, não revelado, à Folha de S.Paulo. Segundo ele, a construção da nota começou na semana anterior, a partir de uma reunião fora da agenda entre os comandantes e Jair Bolsonaro, no Palácio da Alvorada.
Nela, foram expostas preocupações com o bloqueio de estradas, fizeram críticas ao Judiciário e a defesa das manifestações em frente aos quartéis – que pediam um golpe para impedir a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – serem legítimas.
Na visão dos chefes militares, os bolsonaristas decidiram recorrer aos quartéis porque não se sentiam seguros para protestar em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) nem viam efetividade em cobrar respostas do Congresso Nacional diante do que consideravam abusos de ministros togados. O alvo deles também era o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Conteúdo da nota
A nota, com o título “Às instituições e ao povo brasileiro”, foi lida por três vezes na manhã de 11 de novembro no acampamento do QG do Exército, em Brasília. As leituras eram intercaladas com a Canção do Exército.
No texto constava que as Forças Armadas, “sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história”, têm “compromisso irrestrito e inabalável com o povo brasileiro, com a democracia e com a harmonia política”.
No que foi interpretado como recado ao Judiciário, os comandantes das Forças falavam em condenar ações de indivíduos que “alimentem a desarmonia na sociedade” e que o País possuía instrumentos legais para solucionar “possíveis controvérsias”.
Em outro trecho: “Reiteramos a crença na importância da independência dos Poderes, em particular do Legislativo, Casa do povo, destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua liberdade.”
Os bolsonaristas acampados teriam entendido que a nota era a prova do apoio dos militares aos protestos nos quartéis.
Os ânimos dos radicais se alteraram muito durante os dois meses em que estiveram acampados em súplica por um golpe militar. A segunda semana de novembro, quando houve recorde de público mesmo sob chuva, foi marcada pela euforia com a nota dos comandantes das Forças Armadas.
Com o passar do tempo, porém, a cúpula das três Forças decidiu se manter calada. O silêncio abriu espaço para várias teorias dos bolsonaristas. A principal que circulava era de que cinco membros do Alto Comando do Exército seriam comunistas. Os generais Richard Nunes, Amin Naves, Tomás Paiva, André Luiz Novais e Valério Stumpf, então, foram apelidados de “melancias” – “verdes (por conta da farda) por fora e vermelhos (cor ligada ao comunismo) por dentro” – e viraram alvo dos radicais nas redes sociais.
“[Eles] querem que Lula assuma, já se acertaram com ele e o TOMAZ é o que está querendo ser o comandante do exército do Lula. Repasse para ficarem famosos”, dizia uma das mensagens divulgadas pelo WhatsApp.
Reação dos generais
As acusações irritaram a cúpula do Exército. Os generais citados conversaram com o então comandante Freire Gomes na segunda quinzena de novembro e contaram que, em alguns casos, filhos dos militares passaram a ser ofendidos.
A atuação dos militares nas semanas que sucederam a derrota de Bolsonaro para Lula seguem sob escrutínio e entraram na mira de investigadores da Polícia Federal.
A revelação mais recente que colocou novamente as Forças Armadas sob pressão foi a do tenente-coronel Mauro Cid, que em depoimento de delação premiada disse que Bolsonaro chegou a consultar militares de alta patente sobre um possível golpe de Estado.
Ainda segundo o relato de Cid, revelado pelo UOL e pelo jornal O Globo e confirmado pela Folha, o então comandante da Marinha, Almir Garnier, se manifestou favoravelmente ao plano golpista durante as conversas de bastidores. Cid afirmou ainda aos investigadores que não houve adesão do Alto Comando das Forças Armadas.