Jogo sujo da Turquia enfraquece a coalizão e deixa o Estado Islâmico ainda mais forte

11 outubro 2014 às 11h57

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Comportamento de Recep Taype Erdogan vem provocando desconforto entre os países membros da Otan

O presidente da Turquia, Recep Tayyp Erdogan, um dia desejou se tornar o líder máximo do mundo muçulmano. Mas a atual crise provocada pelo grupo extremista Estado Islâmico na fronteira de seu país, demonstrou que Erdogan pode ser tudo, menos uma liderança. Soldados e tanques do exército turco estão estacionados, em cima de um morro, atrás de uma cerca que mais parece arame usado em galinheiros, a menos de 1 km de Kobani, e de lá, assistem passivamente a tomada da cidade síria de maioria curda pelos radicais sunitas, que há três semanas cercam o lugar, estratégico para os terroristas.
A inércia da Turquia diante da ameaça é o mais puro indicativo do tipo de política cínica e calculada que vem sendo aplicada pelo governo de Recep Erdogan. Ao colocar as Forças Armadas do país bem na fronteira, mas se recusar a ajudar os vizinhos curdos-sírios, como por exemplo permitir a passagem de soldados curdos-turcos para a Síria, Erdogan não quer apenas enfraquecer os curdos. A queda de braço é na verdade com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. O governo turco quer garantias para entrar na guerra, e a mais difícil delas Obama não pode prometer: a queda do ditador sírio Bashar al-Assad, que o líder turco detesta.
A recusa da Turquia é uma das muitas evidências da confusão e da tensão interna que afetam diretamente o esforço de Barack Obama em estabelecer uma estratégia com os mais de 50 países que formam a coalizão internacional que tenta destruir os extremistas sunitas do Estado Islâmico.
A batalha por Kobani entrou na quarta semana, e os avanços do EI, apesar da intensificação dos bombardeios, preocupam a coalizão. Os americanos já deixaram claro que somente ataques aéreos não serão suficientes para conter os militantes islâmicos.

Tanto os Estados Unidos como os curdos e o próprio Erdogan concordam que forças terrestres são necessárias para interromper o grupo. Mas o presidente turco já deixou claro que só vai ajudar se os Estados Unidos apoiarem os rebeldes que lutam contra Bashar al-Assad, criando uma zona neutra ou “buffer zone” ao longo da fronteira entre a Turquia e a Síria. Sem o ataque dos aviões do regime sírio, os rebeldes poderiam então se organizar e os refugiados não teriam que invadir a Turquia como milhares já fizeram em três anos de guerra civil.
O comportamento de Recep Taype Erdogan vem provocando desconforto entre os países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), da qual a Turquia faz parte. Outros governos passaram a questionar se é esse o tipo de parceria que a organização pode oferecer em caso de uma guerra, principalmente esta, contra o terror.
Com o Estado Islâmico a apenas metros de suas fronteiras, a Turquia agora enfrenta o maior desafio para a sua segurança, em décadas. E a resposta do presidente Erdogan é no mínimo irresponsável e irreal. O governo de Ankara quer o impossível: ao mesmo tempo combater os terroristas, derrubar o regime ditatorial sírio e ainda impedir a autonomia curda em seu país.
Mas o dilema que vive a Turquia é muito maior do que imaginam seus líderes. A atual situação do país lembra bastante os tempos em que o Paquistão patrocinava o Talebã. O recrutamento de militantes para o EI se dá na Turquia. E o governo de Erdogan falhou ao não impedir que isso acontecesse, o que levou o país ao caminho da “paquistanização”, em que jihadistas sunitas encontram (sem restrições) infraestrutura e miltantes para atuarem na Síria e no Iraque. Apesar de o parlamento ter votado uma moção na semana passada que autoriza o uso da força militar contra o terrorismo além das fronteiras turcas, e do próprio presidente reconhecer a ameaça, ainda falta à Turquia olhar para o próprio umbigo, e antes de exigir qualquer coisa dos que tentam ajudá-la, aceitar que grande parte da responsabilidade pelo que o Estado Islâmico é hoje foi criada por eles mesmos. E por isso, mais do que nunca, é hora de agir nem que seja para limpar a própria honra.