Embora denúncias em delegacias estaduais tenham reduzido por dificuldade de se afastar de agressor, prisões e denúncias por telefone aumentaram, de acordo com Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos

Violência | Foto: Marcos Santos/EBC

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgou na última terça-feira, 1º, o relatório “Violência Doméstica durante a Pandemia de Covid-19”, que coleta dados de órgãos de segurança dos estados brasileiros. De acordo com o documento, os feminicídios cresceram 22,2% entre março e abril de 2020.

Entretanto, durante a pandemia, houve queda nos boletins de ocorrência. A entidade aponta que a queda se deve à dificuldade de formalizar a queixa, já que durante a crise sanitária, a convivência com o agressor se torna mais próxima. Desta maneira, fica mais difícil da vítima se dirigir à delegacia ou locais de socorro.

Nos órgãos de segurança estaduais, os casos de lesão corporal dolosa teve redução de 25,5%. O FBSP entende que essa queda se justifica pelos obstáculos criados pela pandemia para que a vítima acesse um local de assistência.

No entanto, as denúncias pelo Disque 180 registraram aumento durante o isolamento social. Dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos apontam crescimento de 13,35% no mês de fevereiro, 17,89% em março, 37,58% em abril em comparação com os respectivos meses de 2019.

Segundo a enfermeira e coordenadora do Hospital São Silvestre, Izabel Cristina, o isolamento social imposto pela pandemia acirrou relações domésticas já desgastadas e isso ocasionou um aumento de 40% no número de casos de agressão contra mulheres nos últimos meses.

“O aumento desse tipo de violência se deu por vários motivos, a maior convivência familiar, o uso de álcool, falta de estrutura e crise financeira. Tudo isso se tornou um combustível para o aumento de caso,s”, observa a enfermeira, ao pontuar que muitas vezes as agressões se estendem a outros familiares, a exemplo dos filhos.

A profissional conta que, ao buscar ajuda em uma unidade de saúde, a mulher não relata inicialmente que é vítima de agressão por parte de seu companheiro. “Muitas vezes ela busca ajuda por conta de um quadro depressivo, resultado da violência que vem sofrendo dentro de casa”.

Para Cristina, as mulheres precisam compreender que o ciclo de violência geralmente não começa a partir de uma agressão física, outros sinais são dados e é preciso compreendê-los. “Começa com um grito, depois vem um empurrão, até chegar às vias de fato”, afirma.

Importância da assistência social

Eudenir de Souza Neves, conhecida como Tia Deni, atuou como secretária executiva da mulher em Aparecida de Goiânia. Em Goiás, ela também aponta que, embora as denúncias tenham caído nas delegacias especializadas, as vítimas cresceram durante o período de isolamento social. “O Tribunal de Justiça também fez uma estatística onde ficou constatado um aumento de 14,46% de prisões em flagrantes de agressores por violência doméstica no Goiás”, contou.

De acordo com ela, com base em sua experiência à frente da pasta, é importante levar o conhecimento sobre a violência doméstica para a comunidade e, principalmente, às mulheres em relação à Lei Maria da Penha.

“Fizemos várias rodas de conversa nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAs). Como se espaham em vários bairros da cidade, lá a gente tem mais oportunidade de reunir com as mulheres, até porque elas tem os encontros. Levamos várias informações sobre o ciclo da violência doméstica e da importância da mulher saber quando ela está vivendo esse ciclo”, relatou.

“Começamos a entender que tinha que ser amplo. Então, a gente envolveu mais pessoas, desenvolvemos técnicas, levamos a OAB Mulher e, também, psicólogas para saber como nós poderíamos ajudá-las. A gente sentiu que a violência doméstica estava fazendo muitas mulheres que participavam dos grupos doentes, com depressão, síndrome do pânico. Então começamos a realizar várias campanhas”, conta Tia Deni.

Além do trabalho realizado com as mulheres que participavam de encontros nos CRAs, ela explica que também sentiu necessidade de iniciar um trabalho educativo nas escolas, voltado para crianças e adolescentes. “A gente também tem que preocupar com as crianças que vivem nesse ciclo de violência, porque isso afeta elas de uma maneira muito difícil, causam vários traumas”, apontou.

“Temos que começar a fazer esse trabalho nas escolas, levar a Lei Maria da Penha para ser trabalhada dentro desse ambiente para que a gente possa também cuidar dessas crianças, não só da mãe que é vítima, mas eu entendo que as crianças também passam a ser vítima, quando vivem em local que tem esse tipo de violência. Precisamos ampliar muito esse trabalho”, ponderou.

Denúncia

De acordo com a delegada de polícia Ana Paula Machado, titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) de Aparecida de Goiânia, a vítima precisa primeiro identificar que está em um ciclo de violência para conseguir interrompe-lo.

“Muitas vezes a vítima de violência doméstica, principalmente quando está ali no primeiro estágio, que costuma ser a violência psicológica, passando por um momento de humilhação, de menosprezo, de perseguição, ela ainda não consegue entender que já está sendo vítima, caminhando para um processo ainda mais grave, como é o caso das ameaças, dos xingamentos e até mesmo da agressão física”, observa Ana Paula.

“É um processo doloroso, processo difícil e é um processo complexo, porque além do medo, da insegurança, muitas vezes essa vítima é dependente economicamente desse agressor ou tem a questão da guarda dos filhos envolvidas nesse processo”, diz a delegada, que esclarece que tudo isso faz com que a vítima se sinta insegura de fazer a denúncia. “Então, é importante a participação de familiares, é importante o fortalecimento da rede de proteção a essa mulher para que ela realmente consiga romper o ciclo e denunciar o seu agressor.”

Como o isolamento e a presença constante do parceiro agressor podem dificultar a ida até uma delegacia, Ana Paula diz que a Deam também recebe denúncias, inclusive anônimas, por meio de ligações ao 3201-2642.

“A vítima precisa procurar a delegacia da mulher pra fazer um registro de ocorrência policial, onde a partir daquele momento damos início a investigação. Essa mulher é ouvida em termos de declaração, ela aponta testemunhas do fato, caso seja necessário, e será encaminhada para exame de corpo de delito, para constatar as lesões que ela sofreu durante as agressões”, explica a delegada sobre os procedimentos.

À vítima também será ofertada a possibilidade de solicitar medidas protetivas de urgência, previstas na lei Maria da Penha, de acordo com Ana Paula. “Ali ela tem ciência de todos os seus direitos como atendimento jurídico gratuito, assistência social, assistência psicológica, caso ela queira. A partir daquele momento, vamos ouvir testemunhas. Ao final, o agressor será ouvido e, se ficar realmente comprovado, ele será indiciado. O inquérito vai ser encaminhado ao Poder Judiciário para dar início à ação penal”, explica.