Apontada pela Controladoria-Geral da União (CGU) como responsável por superfaturar mais de R$ 7,3 milhões em obras mal executadas em Goiás e outros nove estados, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) promoveu e, ainda pretende iniciar, seis obras em cinco cidades goianas, em 2024, por meio de emendas parlamentares. O valor das emprestadas chega a quase R$ 30 milhões.

Conforme levantamento do Jornal Opção junto à empresa pública federal, as obras de pavimentação asfáltica, em Padre Bernardo, e a construção de uma ponte, em Flores de Goiás, são responsáveis pela maior fatia do investimento, tendo 49,7% – R$ 14.417.272,8 do valor destinado. Ao todo, são quatro empreitadas de trabalhos asfálticos e duas obras para a construção de pontes. Confira:

Obras de pavimentação:

  • Aparecida de Goiânia – obra no valor total de R$ 5.620.031,19 concluída;
  • Luziânia – obra no valor total de R$ 3.746.904,46, com 55% de execução; 
  • Padre Bernardo – obra no valor total de R$ 8.325.776,24, com 50% de execução;
  • Americano do Brasil – obra no valor total de R$ 2.500.000,00, a iniciar. 

Pontes de concreto em Flores de Goiás:

  • Ponte sobre o Ribeirão Gameleira no valor total de R$ 2.669.000,00, com 5% de execução;
  • Ponte sobre o Rio Paraim no valor total de R$ 6.091.496,56, com 5% de execução.

Superfaturamento 

Atualmente com atuação nos estados de Goiás, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e Tocantins, além do Distrito Federal, a companhia foi denunciada por superfaturar em contratos firmados com mais de 60% dos estados em que possui acordos. As obras em questão são de pavimentação asfáltica, como as realizadas atualmente nas cidades goianas. 

Os estados em que foram identificadas irregularidades são: Goiás, Amapá, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Sergipe, Tocantins, Piauí e Pernambuco. No estado goiano, além das obras de asfalto, a CGU já apontou sobrepreço de R$ 1,3 milhão na construção de pontes modulares em relatório divulgado no final de julho deste ano.

Em nota, a Codevasf informou que as obras avaliadas no âmbito da auditoria da CGU estão vinculadas a contratos firmados pela autarquia nos anos de 2019 e 2020, mesmo ano em que o ex-presidente Jair Bolsonaro sancionou o Projeto de Lei que autorizava a empresa a atuar nas bacias hidrográficas em rios de Goiás e outros nove estados. (veja nota completa abaixo

Obras mal feitas

Ainda de acordo com o relatório da CGU, foram analisados 24 contratos de obras, sendo que foram identificados vícios construtivos em 15 dos documentos, o equivalente a 62,5% da amostra. Ao todo, os empreendimentos analisados somaram R$ 119,5 milhões. Com ajuda de uma empresa especializada, a controladoria analisou a qualidade das obras, incluindo a avaliação de elementos como a espessura e a aderência do asfalto.

A partir desse exame, a CGU foi capaz de identificar, por exemplo, a existência de sobrepreço ou superfaturamento “pela execução de espessuras médias de revestimento inferiores àquelas especificadas em medição contratual, assim como de redução de desempenho e da vida útil da camada asfáltica, com consequente desperdício de dinheiro público e dispêndio precoce de recursos para a manutenção da via.”

Em pelo menos um dos casos, em obras no Maranhão, a medida de espessura da base do empreendimento, feita pela auditoria, foi menos da metade da feita pela Codevasf ao longo do contrato — e essa medida é relevante para definição do valor a ser pago à empresa responsável.

“As baixas espessuras das camadas do pavimento (…) combinadas com a presença de um lençol freático alto em alguns pontos fizeram com que o pavimento, embora recente, esteja inteiramente perdido em algumas das ruas pavimentadas”, diz o relatório.

Além de terem resultado em pagamentos acima do previsto — no caso do Maranhão, a CGU calculou um superfaturamento de R$ 151,8 mil —, as espessuras abaixo do previsto podem causar prejuízos ao reduzirem a vida útil dos pavimentos, ampliando custos de manutenção e causando desperdício de recursos públicos.

Pisos irregulares

Outro problema identificado pelos auditores foi uma espessura irregular na camada asfáltica. Em um dos casos em que o previsto em projeto seria de 5 centímetros, a auditoria encontrou espessuras que variavam entre 1,4 centímetro e 6,5 centímetros.

“Trincamentos em malha (…), afundamentos e mesmo a desintegração, dentre outros, são defeitos permanentes relacionados à baixa espessura do revestimento asfáltico. Em casos mais graves observados, essa falta de espessura mínima fez com que o revestimento não resistisse e rompesse prematuramente em alguns pontos”, diz o documento.

Também neste caso, a CGU destaca os possíveis desperdícios de recursos públicos, já que as empresas recebem quantidades muito maiores de asfalto do que as efetivamente aplicadas. Em uma das obras analisadas, uma diferença de cerca de 1,5 centímetro entre o efetivamente realizado e o previsto em projeto pode ter significado que a empresa construtora recebeu R$ 767 mil a mais do que o adequado, um superfaturamento de 35% do valor total do contrato.

Os auditores também analisaram outros elementos de qualidade do asfalto, como quantidades de materiais utilizados nas misturas, resistências das estruturas e questões como infiltração de água. Junto com esses elementos, a CGU identificou um superfaturamento total de R$ 7,3 milhões.

Como à época das medidas os valores efetivamente pagos pelos contratos somavam R$ 57,2 milhões — de R$ 119,5 milhões totais —, a CGU calculou o superfaturamento em função de pagamentos acima das quantidades efetivamente utilizadas de materiais em 12,75%. Em um dos contratos, este percentual chega a 38,6%.

Falhas de controle

Para a CGU, a Codevasf age de maneira a tentar evitar os problemas, mas o controle tem falhas consistentes. Há casos em que a estatal aceitou obras com inconsistências graves, até no tipo de asfalto aplicado. Os auditores também identificaram casos em que as empresas apresentaram documentos com dados contraditórios, mas isso não foi identificado pela Codevasf.

Em um exemplo, a construtora responsável pelas obras no Maranhão entregou 32 análises de asfalto com exatamente os mesmos dados, mudando apenas informações sobre datas e locais das amostras, como se fossem exames distintos. A mesma situação se repetiu em obras de outra construtora em Sergipe.

Os auditores apontam que os servidores da Codevasf passam por problemas ao fiscalizar os contratos, como pouco conhecimento técnico do assunto, falhas de infraestrutura no suporte das atividades e ausências de contratos para assessoramento e supervisão. Na prática, diz a CGU, “alguns erros cometidos pelas contratadas são evidentes, podendo ser percebidos por um profissional mediano, sem maiores esforços.”

“Identifica-se como causa raiz das irregularidades (…) a fragilidade no processo de fiscalização e gestão dos contratos de pavimentação no âmbito da Codevasf”, afirma a CGU.

“Portanto, os resultados dos ensaios demonstram a necessidade de a Codevasf reforçar seus controles sobre a qualidade das obras de pavimentação, revisando seus normativos, oferecendo capacitações as suas equipes de fiscalização e contratando terceiros com capacidade de acompanhar o controle de qualidade das obras”, conclui o relatório.

Veja nota completa da Codevasf 

“As obras avaliadas no âmbito da auditoria da CGU estão vinculadas a contratos firmados pela Codevasf nos anos de 2019 e 2020. Desde então, processos da Companhia relacionados à pavimentação de vias passaram por aprimoramentos diversos, com crescente desenvolvimento da estrutura interna de fiscalização.

A auditoria da CGU foi realizada com ativa participação da Codevasf. Em procedimentos do gênero, a Companhia mantém diálogo com o órgão de controle durante todo o processo de levantamento de dados e de análise de resultados.

A Codevasf deu início a processos de notificação das empresas responsáveis pelas obras avaliadas na auditoria, para correção de falhas e ressarcimento de valores. Esse procedimento é adotado pela Companhia sempre que inconformidades são identificadas. Paralelamente, a Codevasf tem trabalhado no contínuo fortalecimento das ações de fiscalização de obras em andamento.”