Usar apps de controle menstrual pode ser arriscado; entenda
23 abril 2024 às 17h20
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Aplicativos de controle do ciclo menstrual desfrutam de uma popularidade significativa. Um deles, por exemplo, ocupava o 4º lugar na lista dos aplicativos mais baixados na categoria de saúde e fitness na App Store do Google, com mais de 100 milhões de downloads na última terça-feira, 16.
Esses aplicativos têm a função de oferecer previsibilidade às mulheres sobre seus ciclos menstruais, informando quando a menstruação começará e quais serão os dias férteis. Essa previsão se baseia nas datas de início e término de alguns ciclos inseridas pela usuária.
No entanto, muitos desses aplicativos solicitam informações desnecessárias para essa previsibilidade, como os dias em que a pessoa teve relações sexuais, seu humor, se tomou ou não a pílula anticoncepcional e até mesmo sua localização.
Joana Varon, diretora-executiva da Coding Rights, uma instituição brasileira de pesquisa que promove os direitos humanos no mundo digital, explica que essa coleta de informações pode incluir até mesmo o histórico de busca do navegador do usuário, em entrevista ao G1.
Pesquisas indicam que a coleta desses dados gera lucro para os aplicativos, que geralmente são gratuitos. As informações são utilizadas para direcionar anúncios mais específicos para o usuário, como planos de saúde, inclusive em plataformas externas ao aplicativo, como redes sociais.
Um exemplo disso foi o caso do Flo Health. Em 2019, o jornal “Wall Street Journal” revelou que os desenvolvedores desse aplicativo estavam compartilhando os dados dos usuários com empresas que prestavam serviços de marketing e análise para sites como Facebook e Google.
Apesar de a política de privacidade do Flo Health indicar que os dados seriam utilizados apenas para melhorar o serviço oferecido, a comercialização ocorreu de qualquer forma. Isso resultou em processos contra o desenvolvedor do aplicativo pelo Federal Trade Commission, nos Estados Unidos, equivalente à Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) no Brasil.
A empresa concordou em mudar suas práticas e passar a obter o consentimento dos usuários antes de compartilhar suas informações.
Autorização
Segundo Fabio Assolini, diretor da equipe global de pesquisa e análise da Kaspersky para a América Latina, os usuários geralmente autorizam o acesso às principais funções de seus dispositivos, o que inclui os dados produzidos por essas funções.
Isso também se aplica a plataformas que oferecem outros serviços, mas os aplicativos de ciclo menstrual são classificados na categoria de saúde, de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) brasileira.
Portanto, os desenvolvedores desses aplicativos precisam garantir um nível mais alto de proteção, solicitando consentimentos específicos e deixando claro a finalidade da coleta de dados, conforme ressalta o advogado Guilherme Goulart.
Goulart observou que muitos desses aplicativos registram atividades de “trackers”, que são softwares que obtêm informações sobre o consumidor, como o uso do serviço ou do smartphone. “Ou seja, ele fica recolhendo informações daquele uso, daquele aplicativo e encaminhando para outras empresas, as data brokers [organizações que coletam e processam dados pessoais]”, explica.
No entanto, ele esclarece que não é possível afirmar com certeza se as empresas que processam esses dados os estão utilizando para publicidade ou não.
Outra preocupação identificada por Goulart é o fato de os desenvolvedores desses aplicativos serem desconhecidos, o que gera incerteza sobre como essas informações são utilizadas. “Eu acho que isso traz um risco bastante grande para as mulheres que usam esses aplicativos”, afirma.
Potencial para publicidade
Os dados coletados têm um grande potencial para publicidade, especialmente quando se trata de aspectos íntimos da vida das pessoas, como humor, destaca Goulart. Isso pode resultar em anúncios direcionados, como no caso de uma mulher grávida que precisa adquirir produtos específicos para a chegada do bebê.
Essas propagandas podem ser recebidas negativamente, especialmente se a mulher estiver enfrentando dificuldades relacionadas à gravidez.
“E há outros usos e abusos aí possíveis. Imagina que, sabendo se uma mulher está grávida ou não, uma empresa pode resolver não a contratar. Ou então, um seguro de saúde pode oferecer um plano mais caro, justamente por saber que ela está grávida, que ela vai usar mais a rede credenciada. Então há vários usos possíveis aí”, exemplifica.
Um estudo da Kaspersky de 2020 identificou que os aplicativos Maya e MIA compartilhavam informações pessoais das usuárias com o Facebook. Embora os termos de uso desses aplicativos indicassem que os dados poderiam ser compartilhados com terceiros, não especificavam com quem, o que é uma prática comum.
“Você nunca vai ver uma plataforma falando: ‘Olha, eu estou fechando um acordo aqui com a empresa tal e nós vamos repassar os dados de vocês, tudo bem?’. Isso não ocorre”, afirma Assolini.
“Geralmente, isso fica descrito nos termos de uso de forma genérica e depois a empresa vai procurar vender esses dados para empresas que nós chamamos de data brokers.”
Esses problemas são mais prevalentes em aplicativos gratuitos, que precisam encontrar maneiras de se sustentar sem cobrar dos usuários. Além de vender os dados, eles podem monetizá-los através de anúncios.
Direitos
No entanto, os usuários têm direitos, incluindo o direito de solicitar a exclusão de suas informações dos bancos de dados do desenvolvedor. Isso pode ser feito através de uma solicitação por e-mail para a empresa ou, quando disponível, através de formulários online.
No parágrafo 4° do artigo 11 da LGPD diz que: “É vedada a comunicação ou o uso compartilhado entre controladores de dados pessoais sensíveis referentes à saúde com objetivo de obter vantagem econômica, exceto nas hipóteses relativas à prestação de serviços de saúde, de assistência farmacêutica e de assistência à saúde”.
Os usuários também podem contestar os termos de uso se considerarem que contêm cláusulas abusivas que não estão em conformidade com a lei nacional.
Outro ponto destacado por Goulart é que muitos desses aplicativos são desenvolvidos por empresas estrangeiras e não têm suas políticas traduzidas para o português, o que também viola o Código de Defesa do Consumidor.
Para Joana Varon, da Coding Rights, as políticas de privacidade também apresentam outro problema: elas não garantem um consentimento real, já que os usuários que recusam os termos não podem acessar o aplicativo. “É complicado porque a gente acaba consentindo às vezes sem ler”, ressalta.
Portanto, ao usar um aplicativo que solicita muitos dados do usuário, é importante confiar na empresa desenvolvedora, pois além das preocupações com a comercialização de informações pessoais, há também o risco de vazamento de dados, conforme ressalta Goulart.
“A plataforma sofre um ciberataque onde um criminoso tem acesso a esses dados. Tem acesso ao seu nome, endereço, telefone, dados de saúde, números de documentos, de cartão de crédito”, exemplifica Assolini.
Isso foi evidenciado em fevereiro deste ano, quando o aplicativo de controle de ciclo menstrual Glow teve dados de cerca de 25 milhões de perfis expostos, incluindo nomes, faixa etária, imagens enviadas em um fórum online, localização e identificadores exclusivos de usuário.
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