“Seu povo apanhou um pouquinho”: dona de padaria em Catalão é condenada por racismo contra funcionária

29 julho 2025 às 09h13

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A Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-GO) condenou uma padaria localizada em Catalão, no interior de Goiás, ao pagamento de R$ 10 mil por danos morais a uma ex-funcionária vítima de racismo. A trabalhadora, que atuava como atendente ao lado da irmã gêmea, também empregada no local, era chamada pela proprietária do estabelecimento de “neguinha de cabelo bombril”.
A decisão reformou parcialmente a sentença da Vara do Trabalho de Catalão, que havia negado o pedido da vítima, e reconheceu que a conduta da empresária violou frontalmente a dignidade da profissional.
Segundo a petição inicial, além do apelido pejorativo, a proprietária também utilizava termos como “cabelo de bombril” e “corpo sujo” ao se referir às irmãs. Os ataques racistas teriam se intensificado na véspera do Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro de 2024, quando, de acordo com a denunciante, a patroa declarou: “só vamos fechar dia 20/11/2024 porque o seu povo apanhou um pouquinho”. A trabalhadora acionou a Justiça após ter o vínculo de emprego encerrado.
A sentença de primeira instância considerou que a prova estaria “dividida”, uma vez que uma das testemunhas confirmou os insultos e outra afirmou que a dona da padaria chamava a funcionária apenas pelo nome. No entanto, o relator do recurso no TRT-GO, desembargador Mário Bottazzo, afastou essa avaliação e sustentou que a prova apresentada pela parte autora foi clara e coerente ao relatar os apelidos de cunho racista.
Ele destacou que a negativa da testemunha da empresa, ao dizer que “nunca viu” a situação, não equivale à prova de que os fatos não ocorreram.
Para Bottazzo, a fala da testemunha da defesa apenas demonstra ausência de conhecimento direto, e não negação dos acontecimentos. “Logo, se a pessoa (testemunha visual) não viu ou não ouviu (testemunha auricular ou de oitiva) o fato objeto de prova, corolário é que ela não sabe se o fato aconteceu (é dizer: não conhece o fato); logo, sua fala não pode ser interpretada como negativa do fato”, escreveu o desembargador em seu voto.
Ainda segundo o relator, para ser válida, a negativa de um fato exige que a testemunha tenha conhecimento pleno das circunstâncias, o que não ficou caracterizado no caso. Dessa forma, como a única testemunha da empresa não foi capaz de refutar de forma objetiva os relatos da vítima, Bottazzo considerou que não havia contradição relevante e, portanto, que a prova não estava dividida. Com isso, o tribunal reconheceu os atos ilícitos cometidos pela dona da padaria e fixou a reparação por danos morais.
O desembargador também destacou que a jurisprudência trabalhista atual não exige mais a demonstração de dor ou sofrimento psicológico para caracterização de dano moral. Em vez disso, o foco está na violação objetiva à dignidade humana, princípio fundamental da Constituição Federal. “Daí que não se cogita mais de dor moral, e muito menos de prova de dor moral: há dano moral, objetivamente, se houver ofensa à dignidade da pessoa humana”, afirmou Bottazzo.
Com base nesse entendimento, ele concluiu que “as ofensas raciais praticadas contra a autora sem nenhuma dúvida ofendem sua dignidade” e classificou a conduta da empregadora como grave. O valor da indenização foi fixado em R$ 10 mil, com base no artigo 223-G da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que trata das diretrizes para a reparação por danos extrapatrimoniais.
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