Secretaria inocenta servidores envolvidos no escândalo das Pastas Vazias

19 outubro 2016 às 16h01

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Sindicâncias da pasta de Planejamento Urbano e Habitação indicaram pelo arquivamento das denúncias por “falta de provas”

A sindicância interna instalada pela Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh) para apurar as supostas fraudes e irregularidades cometidas por servidores e ex-secretários da pasta envolvidos no esquema de emissão de alvarás e licenças ilegalmente entre 2007 e 2010 acabou com a absolvição dos acusados.
O documento assinado pelo secretário Sebastião Ferreira Leite, o Juruna, foi publicado no Diário Oficial no último dia 13 e resolve pelo arquivamento das denúncias contra os investigados e denunciados pela Comissão Especial de Inquérito (CEI) das Pastas Vazias, a CEI das Pastinhas, da Câmara Municipal de Goiânia. O motivo é quase que o mesmo para todos: “falta de provas concretas”. Apenas o servidor Douglas Branquinho que acabou punido, mas com apenas dez dias de suspensão.
Durante as investigações, a CEI confirmou que processos foram aceitos e encaminhados na antiga Seplan sem a apresentação dos documentos exigidos, ou seja, com pastas vazias, apenas para garantir o direito de construir seguindo as regras mais brandas do antigo Plano Diretor. Há casos de processos iniciados somente com documentos pessoais do empresário, endereço e taxa inicial.
A comissão denunciou que servidores municipais eram contratados para “agilizar” o trâmite de processos na Seplanh. Além disso, foram identificadas várias outras irregularidades, entre elas a prática indevida na emissão de Certidão de Início de Obra. As certidões foram emitidas para áreas que não seguiram critérios técnicos estabelecidos por lei, a maioria delas lotes baldios, tomados por mato e entulhos, sem qualquer indício de construção. Laudos falsos de início de obra a empreendimentos de diversas regiões de Goiânia também foram identificados.
Foram abertas no Ministério Público de Goiás (MPGO) e na Polícia Civil representações contra 29 servidores públicos municipais — incluindo três ex-secretários –, 23 empresas e 17 empresários.
Veja abaixo a lista dos servidores:
Alberto Aureliano Bailoni, Ana Maria Dantas Márquez, Janamaína Costa Bezerra de Azevedo, Jorge Luis Perillo, Karine Bueno Castanheira, Magali Teixeira Daher, Dagoberto Souza Machado, Eliany Auxiliadora Coutinho Moraes, Fausto Henrique de Faria Gomes, Marcos Júnio de Araújo Teles, Antônio Carlos de Almeida Nascimento, Jaime Emílio Lopes Diaz, Jiovana Tomitão Mario, Jonas Henrique Lobo Guimarães, Adriano Theodoro Dias Vreeswijk, Karina Pereira Da Cunha Alves, Kellen Mendonça Santos, Wilmar Batista de Moraes, Nagib Rahimi, Cirineu de Almeida e Sebastião Ribeiro de Sousa
Episódios
O caso do analista de obras e urbanismo Alberto Aureliano Bailoni, por exemplo, que foi acusado de se utilizar de sua posição na Secretaria de Planejamento para acelerar processos de empreendimentos de construtora para a qual prestava serviços, foi arquivado pela sindicândia por “falta de documentos”, não comprovando o tráfico de influência denunciado. O servidor chegou a mentir durante a CEI das Pastinhas sobre não prestar serviços particulares a construtoras.
“A legislação municipal não exige exclusividade do servidor, ora representado e não proíbe atividades particulares. Se há vedação por parte do Conselho Profissional do qual o servidor está inscrito, a punição, se houver, deve ser realizada pela referida entidade”, argumenta a decisão.
Um dos mais emblemáticos casos da CEI das Pastinhas foi o do ex-diretor do Departamento de Análise e Aprovação de Projetos (Daap) da extinta Secretaria Municipal de Planejamento e Habitação (Seplam) Douglas Branquinho, que confirmou ter assinado documentos fora do prazo legal entre 2009 e 2011 para a emissão de alvarás de construção de habitações residenciais coletivas e comerciais em Goiânia, em depoimento à CEI das Pastinhas. Ele confirmou, à época, que o procedimento era normal naquele período, em que Iris Rezende (PMDB) e o atual prefeito, Paulo Garcia (PT), estavam à frente da prefeitura.
As assinaturas permitiram a emissão de alvarás irregulares para empreiteiras pudessem construir em regiões onde o Plano Diretor da época não permitia adensamento urbano na capital. A comissão avaliou 30 processos com assinatura do ex-diretor, sendo que todos contêm indícios de farsa.
Branquinho chegou a dizer que houve “determinação” para que toda a Seplam desconsiderasse um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre Ministério Público de Goiás e a prefeitura de Goiânia em outubro de 2010, relativo a construções de três empreendimentos na quadra C8 da Rua 13 com a Avenida H, no Setor Jardim Goiás, de interesse das construtoras Prumus, Opus e Consciente.
Foi inocentado porque, segundo a decisão de Juruna, não havia impedimento legal, devido a um lapso de três meses (entre outubro de 2007 e janeiro de 2008), de se protocolar processos para construção de empreendimentos com apenas RG e CPF. Além disso, as acusações de que ele teria assinado emissão de alvarás de construção com data retroativa foram dispensadas porque não se tratava de data retroativa, mas sim de “emissão de documentos que eram entregues em momento posterior” ao alvará. As denúncias de que ele teria agido para acelerar a tramitação de projetos de construtoras na pasta também foram contestadas por “falta de provas”.
Branquinho foi punido apenas com 10 dias de suspensão, pois “não agiu com o zelo necessário”, quando esteve à frente da Daap. Contudo, a sindicância considerou sete “atenuantes” à conduta irregular do servidor.
Também foram inocentados os fiscais da secretaria que atestaram início de obras em diversos empreendimentos onde não havia nem sinal de construção mesmo anos depois do atestado. É o caso de Fausto Henrique de Faria e Marcos Júnio de Araújo Teles. O primeiro emitiu laudos atestando início de obra em um terreno onde seria levantado pela Mapp Administração e Participação Ltda edifício de 336 apartamentos no Setor Faiçalville. Contudo, a Câmara de Vereadores constatou que o local tem apenas matagal, mesmo depois de três anos da emissão do alvará de construção.
Para concessão da Certidão de Início de Obra, é preciso concluir toda a fase de fundação, que inclui a perfuração e concretagem até o chamado bloco de transição ou vigas baldrames. Fausto Henrique Faria chegou a confessar que, “erroneamente”, pode ter vistoriado outro lote.
Na decisão da secretaria, considera-se, sim, que os registros fotográficos apresentados pelos vereadores retratam, de fato, a existência de matagal, mas isso impossibilitaria “um juízo de valor do que possa ter acontecido no lapso a vistoria” do fiscal. Ou seja, não seria possível identificar a ausência da viga baldrame.
Mesmo assim, o secretário Sebastião Juruna revogou 16 alvarás e certidões vencidos e/ou liberados irregularmente.
Críticas

Presidente da CEI das Pastinhas, o vereador reeleito Elias Vaz (PSB), disse que irá formalizar uma representação na Controladoria-Geral do Município, exigindo que haja manifestação formal da pasta sobre as denúncias feitas pelos vereadores que compunham a comissão. “Não vou aceitar essa posição da sindicância, que foi uma verdadeira palhaçada, um jogo de compadres”, rebateu.
Para o pessebista, a prova maior de que houve um acordão na Seplanh é que o secretário reconheceu que os alvarás e licenças foram fraudados — para beneficiar empresas da construção –, portanto os revogou, mas não quer punir os servidores que agiram de forma irregular. “Ele reconhece a irregularidade mas não responsabiliza o autor. Não aceitaremos”, arrematou.
O escândalo
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A Comissão Especial de Inquérito (CEI) das Pastas Vazias, conhecida como CEI das Pastinhas foi criada em junho para apurar denúncias de supostas irregularidades na emissão de alvarás e concessões na extinta Secretaria Municipal de Planejamento (Seplam), durante a última gestão de Iris Rezende (PMDB), entre 2007 e 2010.
As denúncias foram apontadas incialmente em abril na tribuna da Câmara de Vereadores de Goiânia e publicadas em primeira mão pelo Jornal Opção. A informação inicial era a de que pelo menos 300 empreendimentos na capital teriam recebido documentação fora do prazo ou com algum tipo de irregularidade.
O caso que levantou suspeita foi o da construção do Condomínio Europark, no Setor Park Lozandes, tocado pela construtora espanhola Euroamérica. No dia 23 de dezembro foi apresentado relatório final das investigações, onde 69 suspeitos — entre servidores, empresários e representantes de empresas — foram apontados como criminosos.
A análise de processos e os depoimentos colhidos pela CEI confirmaram que processos foram aceitos e encaminhados sem a apresentação dos documentos exigidos, ou seja, com pastas vazias, apenas para garantir o direito de construir seguindo as regras mais brandas do antigo Plano Diretor. Há casos de processos iniciados somente com documentos pessoais do empresário, endereço e taxa inicial.
Em seis meses de investigação, a CEI identificou vários tipos de irregularidades, entre elas a prática indevida na emissão de Certidão de Início de Obra, da qual os servidores terão que responder. As certidões foram emitidas para áreas que não seguiram critérios técnicos estabelecidos por lei, a maioria delas lotes baldios, tomados por mato e entulhos, sem qualquer indício de construção.
Segundo a apuração da comissão, foram concedidos laudos falsos de início de obra a empreendimentos de diversas regiões de Goiânia, desrespeitando o prazo de dois anos a partir da emissão do alvará para iniciar a construção, conforme prevê o Código Municipal de Obras.
Foram abertas no Ministério Público de Goiás (MPGO), Controladoria Geral do Município (CGM) e Polícia Civil representações contra 29 servidores públicos municipais — incluindo três ex-secretários –, 23 empresas e 17 empresários. Os casos de irregularidades na atuação de servidores foram encaminhados aos conselhos de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU Goiás) e de Engenharia e Agronomia de Goiás (Crea-GO).
No entanto, uma portaria assinada pela controlador-geral do município, Raphael Pinheiro Sales, e publicada no Diário Oficial de Goiânia no dia 6 de abril de 2016, passou as representações das investigações feitas pela Comissão Especial de Inquérito (CEI) das Pastas Vazias, da Câmara Municipal, para uma Comissão Especial de Sindicância interna na Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh).
Ainda na mesma edição do Diário Oficial, a Controladoria anulou 23 Processos Administrativos Disciplinares abertos pela Comissão contra 11 servidores três ex-secretários da Seplanh.
A abertura dos processos é fruto de uma representação assinada pelos vereadores Elias Vaz (PSB), Geovani Antônio (PSDB) e Paulo Magalhães (PSD) e havia sido acatada pela Controladoria Geral do Município (CGM).
O secretário de Planejamento e Urbanismo, o advogado Sebastião Ferreira Leite, o Juruna, discorda: “Todos nós estamos subordinados à Constituição, pedi a anulação justamente porque é preciso que haja uma sindicância interna, com ampla defesa, antes de se abrir PAD contra servidores. Todo mundo é inocente até que se comprove ao contrário”. A sindicância, explica, será analisada por quatro servidores efetivos da pasta.
Questionado se na própria CEI das Pastinhas os referidos servidores não tiveram a oportunidade de apresentar suas versões das acusações, Juruna afirmou que a comissão foi “um verdadeiro atentado ao Estado Democrático de Direito”.
“Todo mundo tem direito a um advogado segundo a legislação. Não houve isso. Além disso, todos têm direito de saber se estão sendo arrolados como depoentes ou testemunhas de um processo. Se é testemunha, por exemplo, tem o direito de permanecer calado. Qual foi a condição de cada um dos servidores da Seplanh? Ninguém foi avisado sobre seus direitos constitucionais”, argumentou.
Como advogado, Juruna esteve na CEI das Pastinhas acompanhando o então cliente Malkon Merzian, da Construtora e Incorporadora Merzian — que não chegou a ser denunciado pela comissão, mas teve empreendimento alvo da investigação.
Vereadores questionaram a decisão da prefeitura e classificaram a atitude como “clara manobra” para atrapalhar a punição dos servidores que foram representados pela CEI. “Esse procedimento da prefeitura é um tapa na cara da Câmara, é um tapa na cara da sociedade”, lamentou Elias Vaz (PSB), vereador que presidiu a comissão.
Segundo ele, não é necessário abrir uma sindicância antes de iniciar um Processo Administrativo-Disciplinar (PAD) contra um servidor público. Em especial após uma comissão investigadora que produziu resultados concretos de irregularidades dentro da administração.