A Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) obteve retificação de nome e gênero para uma pessoa não-binária. A decisão favorável saiu no último dia 28 de agosto. É a primeira vez que a instituição consegue fazer a alteração.

Em fevereiro de 2020, a DPE-GO iniciou o caso quando realizou o segundo mutirão de retificação de registro de prenome e gênero, organizado pelo Núcleo Especializado de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de Goiás (NUDH/DPE-GO) em Goiânia.

Mar Dias procurou a instituição com toda a documentação necessária. Após os procedimentos iniciais, ela dirigiu-se ao cartório de registro com o objetivo de alterar seu nome e gênero para refletir sua identidade não-binária.

No entanto, ao longo de todo o ano, os cartórios de registro recusaram o pedido, levando Mar a procurar novamente a Defensoria Pública em dezembro do mesmo ano. Dessa vez, foi encaminhada para o Atendimento Inicial Cível, onde o defensor público Gustavo Alves, titular da 6ª Defensoria Pública Especializada de Atendimento Inicial Cível da Capital, solicitou ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) a retificação do nome e gênero conforme desejado por Mar.

“Hoje está em trâmite com o cartório, que deverá colocar agênero, que é uma identidade não binária”, explica Mar.

Autoconhecimento

Aos 24 anos, Mar Dias revelou que, após um processo de autoconhecimento, identificou-se como pessoa não-binária, ou seja, agênero, e que seu nome e sexo registrados não a representavam. Esse processo de autodescoberta começou quando era mais jovem, quando se sentia diferente das expectativas sociais e das outras pessoas.

Desde a infância, Mar se identificava com as artes e expressava-se melhor por meio do corpo, especialmente na dança e no teatro. Foi nessa época, quando já estava envolvida com o teatro, que adotou o nome “Mar” pela primeira vez. Ela passou a se reconhecer como Mar Dias ao trocar apelidos com suas amigas mais próximas.

“Em 2016/17, eu comecei a gostar de um apelido, Mar, que deriva do meu nome antigo. Eu não me sentia nem ele e nem ela”, afirmou em conversa com o Jornal Opção.

O receio de usar seu nome escolhido prevaleceu até 2017, quando Mar ingressou na universidade. Durante sua graduação, uma disciplina de núcleo livre chamada “Histórias e Estudos de Gênero e Feminismo” a levou a explorar várias possibilidades de identidade de gênero.

“Estudando gênero eu conheci outras possibilidades! Esse momento foi muito libertador. Descobrir gêneros fora da binariedade homem e mulher foi como encontrar a coisa mais preciosa que você consegue imaginar. Então eu me identifiquei”, completou.

Anteriormente, quando não conhecia o gênero, Mar afirmou que se sentia um homem gay, mas que depois de estudar mais sobre conseguiu se identificar. Atualmente, ela revelou que é pansexual.

Mar relata que, ao tentar entender e explicar o que significa ser uma pessoa não-binária, enfrentou desafios, pois estava se familiarizando com os conceitos e a maneira de se expressar dentro dessas novas possibilidades.

“Na sociedade que a gente vive, ter um registro oficial é uma validação para minha existência. Isso não acaba com a violência que a gente passa, mas é uma conquista”, comenta.

Hoje, Mar é concursada e professora de arte. Até mesmo para passar no concurso a retificação foi importante, já que ela disse que tomou posse do cargo com um nome que não se identifica.

O processo

Após dois anos de processo, em 28 de dezembro, o TJ-GO emitiu uma decisão favorável a Mar, concedendo a gratuidade judiciária e determinando que o Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de Mineiros (GO), região sudoeste de Goiás, efetuasse a alteração de prenome e gênero conforme solicitado.

Ao Opção, a presidente Nacional da Comissão da Diversidade Sexual e Gêneron da OAB-GO, Amanda Souto, comemorou a notícia.

“É um tipo de decisão que temos visto no Brasil e alguns tribunais tem tomado essas decisões. Como o provimento de 2018 do CNJ não fala sobre o gênero não-binário, a pessoa ainda precisa judicializar quando deseja retificar. Alguns estados já tem criado atos normativos para os cartórios fazerem direto sem ter que passar pela Justiça”, pontuou.

Em Goiás, segundo Mar Dias, esse é o primeiro caso de retificação de nome e gênero de uma pessoa não-binária.

Além disso, Amanda Souto elogiou o Poder Judiciário goiano. “Nós recebemos muito bem essa notícia, que nos deixa feliz. A Justiça do Estado de Goiás tem reconhecido esse direito das pessoas”, afirmou.

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